Homenagem ao poeta, no 94º aniversário do nascimento.
Nota Curricular
Maria Manuela Peixoto Baptista licenciou-se em História, fez o Curso de
Ciências Pedagógicas e concluiu na Faculdade de Letras da Universidade
do Porto um Curso de Pós-graduação em História da Cidade do Porto.
Realizou Exame de Estado para professora do Ensino Secundário.
Foi Orientadora de Estágio de História, do Ramo Educacional, da
Faculdade de Letras da Universidade do Porto.
Participou em vários Congressos, Conferências e Encontros.
QUEM FOI REINALDO FERREIRA, OU ANTES, REINALDO EDGAR DE
AZEVEDO E SILVA FERREIRA ?
Reinaldo Ferreira, poeta, nasceu em Barcelona a 20 de Março de 1922
(faria hoje 94 anos). Era filho do escritor Reinaldo Ferreira, o célebre Reporter
X. Foi para Moçambique, Lourenço Marques, em 1941 (já o pai tinha morrido
– morreu em 1935) e aí completou os estudos liceais e trabalhou nos
Serviços Administrativos de Moçambique.
A sua obra só foi conhecida na Metrópole após a morte, uma vez que a
publicação de “Poemas” é póstuma, embora alguns dos seus versos tenham
sido publicados ainda em vida em periódicos locais. É exemplo “Eu, Rosie, eu
se falasse, eu dir-te-ia” que teve o título de “Dancing with Rosie (a táxi-girl)”.
Reinaldo Ferreira gostava de teatro. Adaptou algumas peças à rádio
chegando mesmo a colaborar com a Rádio Clube de Moçambique.
Foi letrista de canções de sucesso, algumas feitas em parceria. São
disso exemplo “Piripiri” e “Kanimambo”, cantadas por João Maria Tudela.
Deste naipe destaca-se “Uma Casa Portuguesa”, cantada por Amália
Rodrigues. Disse, a propósito desta canção, Vasco Graça Moura: “Uma Casa
Portuguesa”, de 1953, com letra habilmente engendrada por Reinaldo Ferreira
e Vasco Matos Sequeira e música de Artur da Fonseca, e esplendorosamente
interpretada por Amália Rodrigues, tornou-se um autêntico cartaz musical de
propaganda do SNI, em Portugal e no estrangeiro” (in V.G. Moura, “Amália
Rodrigues dos poetas populares aos poetas cultivados”, Academia das
Ciências de Lx.). Não podemos, porém, esquecer que esta letra foi criada
bem longe da Metrópole e, por isso, devemos encará-la como uma ironia ao
status quo do país.
Reinaldo Ferreira morreu em Lourenço Marques (hoje Maputo) a 30 de
Junho de 1959, com 37 anos, devido a um cancro no pulmão. O poema “O
ponto”, epitáfio do seu túmulo, mostra-nos muito da alma do poeta.
Foram os amigos, entre eles Eugénio Lisboa, que lhe publicaram os
poemas, em Moçambique, um ano depois da sua morte (1960). Procuraram
respeitar a intenção do poeta na organização da obra dado que tinha deixado
as poesias agrupadas em 4 livros. Isto leva a crer que estaria a pensar na
sua publicação.
O livro I intitula-se “Um Voo Cego a Nada” (verso do poema “eu
Rosie…”).
O II, “Poemas Infernais”. Deste só um poema, “A Estátua Jacente”, está
completo e publicado.
O III, “Poemas de Natal e da Paixão de Cristo”.
O IV. “Dispersos”, recolhe os poemas que lhe conferem o título, sem
dúvida os que apresentaram maior dificuldade na organização.
Nesta edição, a 1ª., os amigos escreveram uma “Introdução “ e uma
nota explicativa antes de cada livro.
Na 2ª. edição, datada de 1966, publicada em Lisboa pela Portugália, na
colecção Poetas de Hoje, o prefácio é de José Régio e a “Introdução” da 1ª.
edição passou a posfácio.
A Vega, em 1998, lançou, em Lisboa, outra edição.
O poeta é pouco conhecido em Portugal, mas os críticos consideram-no
um dos grandes da língua portuguesa. Admiram Reinaldo Ferreira. José
Régio, no “Prefácio” dos “Poemas”, considera-o um poeta da “Presença” fora
da época dos presencistas, pois é posterior, mas encontra –lhe afinidades
com Fernando Pessoa, por exemplo. Também na “História da Literatura
Portuguesa” de Óscar Lopes e António José Saraiva se diz (pág.1080): “Não
pode deixar de reconhecer-se nessa obra a prevalecente influência de vários
escritos, heterónimos ou não de Fernando Pessoa : o mesmo sentir
pensando, a mesma disponibilidade imensamente céptica e fingidora de
crenças, recordações ou afectos, o mesmo gosto amargo de assumir todas as
formas de negatividade ou avesso lógico”. Há, apesar dessa aproximação a
Fernando Pessoa, um reconhecimento de diferenças como “o horror de que a
morte psíquica não venha a ser total; uma visão simbólica muito sua e
intensamente dramática da Paixão de Cristo; e até uma estranheza ou
mistério de si próprio”(op. cit.). Encontram-se-lhe ainda pontos de contacto,
entre outros, com António Nobre, Cesário Verde, Gomes Leal, Sá Carneiro e
mesmo Antero Quental.(José Régio, no “Prefácio” e Berta Henrique Brás,
1973, pág. 57 e seg. de “Prosas Alegres e Não”)
Alguns dos poemas de Reinaldo Ferreira foram musicados e, por vezes,
atribuídos a outros autores. Têm características diferentes dos que já atrás
referi.
Passo a lembrar:
”Quero um cavalo de várias cores”, música de A. P. Braga, cantado por
João Maria Tudela.
“Menina dos olhos tristes”, musicado e cantado por José Afonso (e não só).
“Eu, Rosie, se falasse” – música de A. P. Braga e cantado por Fausto.
“Receita para fazer um herói” – musicado e cantado pelos IRA.
“Da margem esquerda da vida”, com o título “A ponte”, cantado por
Carminho.
“Quem dorme à noite comigo ?” com o título “Medo”, música de Allan
Oulman e cantado por Amália Rodrigues.
“Flor de Lapela”, cantado por João Maria Tudela.
Quanto à personalidade do poeta podemos dizer que viveu “retirado”
como disseram os amigos que lhe publicaram a obra. Temos, contudo, de
distinguir entre o poeta pouco divulgado e o homem que esteve ligado ao
teatro e à rádio. Uma coisa é o que escreve e outra é como convive. Passo a
ler algumas linhas do posfácio: “Eis porque, ao dizer-se que o Reinaldo
Ferreira que aqui se fala não é o Reinaldo Ferreira que todos os dias se via
no Scala (1), se poderia responder que isso não é de admirar. O próprio
Reinaldo Ferreira que nós conhecemos também não era exactamente aquele
que aqui se pinta: o que não nos impede de estarmos convencidos de que,
dos dois, este é o mais verdadeiro” (Pags.179,180).
(1) O Scala era um café de Lourenço Marques.
Mas nada melhor que a leitura de alguns dos seus poemas para
conhecermos
o poeta e lhe podermos prestar a homenagem que merece.