2015-06-07, domingo, 17h30: Lançamento na UNICEPE do livro "Para Onde Vai Portugal?", de Raquel Varela O livro será apresentado por José Vigário Silva. |
Comentário de Apresentação do livro, na UNICEPE, em 7
de junho de2015 Li recentemente um texto de apresentação dum livro, onde se escreveu: “O sentido de um livro, independentemente do estilo, da forma literária e até do próprio conteúdo, está em poder nele encontrar-se unidade, escorreiteza linguística e, o mais importante de tudo, conteúdo. Isto é: ele, ele livro e o seu sentido poder ser centro de imputação e de expansão crítica, de reflexão sustentada, de abertura criativa, de assunção de ideias próprias ou, se quisermos, de assunção de uma certa forma de ver o mundo e as coisas” (José Faria Costa/Francisco D’Eulália). No livro “PARA ONDE VAI PORTUGAL”, Raquel Varela adianta, no seu prefácio, duas ideias mestras que vão revelar- se em cada página de leitura: por um lado, “não se faz ciência sem impacto e compromisso social transformador”; por outro lado, é preciso “incomodar o senso comum, esse enorme balão cheio de nada”. Adiantando o seu conceito de história, Raquel Varela informa que “a história é processo, não é uma fatalidade”. E logo afirma: “não se evitou a decadência económica do país, mas produziu-se, esse é o argumento central deste livro, uma massiva proletarização, urbanização e educação da esmagadora maioria da população, que, aliadas às conquistas da revolução, sobretudo o Estado Social, podem ser a força social capaz de fazer emergir uma ideia de bem-estar para a população. Mas quando olhamos retrospectivamente, com calma e serenidade, sem os olhos vendados pelo senso comum, pelos flashes de jornais e televisões (o tempo da teoria social é lento e o da luta política é rápido), o que vemos não é um país desolado, naufragado, sem força social para resistir. Hoje, por mais surpreendente que possa parecer, as condições sociais, políticas e económicas para uma mudança para uma sociedade mais justa, igualitária e livre são melhores do que alguma vez foram em todo o século XX” (pág. 25). Aparentemente, essa expressão da Autora está longe do medo de existir e de viver de vários pensadores contemporâneos, como é o caso de José Gil, uma pouco à laia dos velhos “vencidos da vida”. Inspira confiança e aviva o entusiasmo dos leitores. Mas infelizmente é quase uma voz única, porque a generalidade das pessoas vive assustada com os sucessivos debates, intervenções e explicações dadas pelos “opinion makers”, sejam publicistas, políticos, governantes, empresários ou membros das variadas instituições com voz audível no seio da sociedade. É curioso que, há cerca de 50 anos, se dizia, em uníssono, que Portugal para progredir, melhorar as suas condições de vida e desenvolver-se precisava de promover o ensino universal e gratuito acessível em todos os graus e a todos os portugueses; de criar uma rede de estradas que permitisse a mobilidade das populações; de construir portos e aeroportos de dimensão adequada; de melhorar as vias férreas; de desenvolver a ginástica e o desporto de massas; de criar uma rede hospitalar e sanitária que abarcasse toda a população; de criar um sistema universal de segurança social; de promover a melhoria das condições de habitação das classes menos favorecidas; etc, etc. Atingimos quase todos esses objectivos. E agora? Temos cerca de 50% dos trabalhadores a viverem de “trabalho precário”, ao lado de outros tantos em “trabalho com direitos”. Temos 1.400.000 desempregados, nas suas diversas formas. Os trabalhadores portugueses trabalham mais do que os doutros países e atingindo médias bem superiores às 8 horas diárias e às 40 horas semanais. O caminho da precaridade, do desemprego e do trabalho em excesso conduz à destruição psicológica dos desempregados, à exaustão dos empregados, à erosão do Estado Social e da Segurança Social. Mas, então, o que se passou? Está-se a verificar uma inversão do progresso, uma travagem no desenvolvimento do Estado Social e o desencadear duma série de políticas tendentes a destruir o sistema público de ensino, o sistema público da Segurança Social e o sistema público de saúde, como bem se lê no livro da Senhora Doutora Raquel Varela. Com efeito, julgando interpretar a autora, vêm-se gerando, ideologicamente, uma série de argumentos para retirar capacidade financeira à Segurança Social, capacidade criativa e dimensão ao ensino público e o expresso e claro desvio de verbas para as empresas de saúde privadas. Esses argumentos estão a ser transformados numa espécie de “senso comum”, que afecta o pensar da generalidade das pessoas, face ao peso dos órgãos de comunicação social e à orientação doutrinal neles criada e imposta. “A Economia Política, no seu formato reconhecido pela “comunidade científica” que navega pela “corrente” (stream) do que principalmente “está a dar”, também pode ela própria sucumbir aos carregos – susceptíveis de esclarecimento, de combate e de alívio – de uma “ideologia” que não se revela de todo menos idealista no seu conteúdo e no travejamento das suas concepções”. “Contrariamente à peremptória garantia que certos alvedrios tranquilizadores se esfalfam por fornecer, a “ciência” (com a marca registada na praça) não se encontra – nem por providencial decreto, nem por constitutiva definição – em abstracto protegida dos contágios da ideologia ou de antemão imune às infecções de idealismo” (José Barata Moura, Filosofia em O Capital – Editorial Avante!, Lisboa, 2013, pág. 144). É, assim, que o Prof. José Barata Moura concebe a ciência económica, que se deixa impregnar pela ideologia, pois, como se lê também no livro em apresentação, a ciência não é neutra. Numa síntese feliz, lembro aqui, com o meu manifesto respeito pela figura invulgar do senhor Prof. Adriano Moreira, o que ele escreveu ainda em 2010, em comentário ao liberalismo e à globalização económica: “No exercício de uma espécie de teologia de mercado, que referencia a mão invisível, progrediu a convicção de que uma desregulamentação das trocas comerciais e a total liberdade dos mercados conduzirão a um nível de vida superior em todo o mundo e a uma sociedade mundial mais justa”. (Teoria das Relações Internacionais, IV, § 1º, 2º, 6º, a), Coimbra, Edições Almedina, 2010, pág. 437). É essa leitura teológica do mercado que inquina a generalidade das pessoas face às apelativas referências ao mercado, às exigências do mercado, à reacção do mercado,… Em bom rigor, o que se está a passar na Europa é uma manifestação clara, inequívoca e expressiva da luta de classes. Por um lado, temos a burguesia que, em nome da sua subsistência e do crescimento financeiro se voltou contra o Estado de Direito Social, ou seja, contra os trabalhadores, recolhendo deles novos meios de riqueza, ora para suprir os negócios fraudulentos com quebras, ora para desmontar o Estado de Direito Social, retirando quanto se acumulou de reserva para suprir socialmente as necessidades dos mais carenciados, ora para criar um exército de mão-de-obra disponível e contratável a custos reduzidos. Essa luta, dirigida pelos Governos europeus e pela União Europeia, reflecte-se em Portugal na política de austeridade com o aumento dos impostos; desemprego, precaridade e redução salarial; privatização de empresas públicas; redução substancial das funções sociais do Estado, o que levou à acumulação capitalista por expropriação, como refere a autora. Aliás, a autora conclui que o país, durante o período de austeridade e até agora, “alcançou mais 50% de pobres e mais 30% de milionários”. A acumulação por expropriação significa que se não cria riqueza nem se investe. A autora resume, a dado passo, o programa de austeridade neste dizer: “(…) o que aconteceu em 2008 foi uma ajuda maciça ao sector financeiro e três meses depois olharam para as populações e disseram: “agora são vocês, com as vossas reformas e salários, a pagar! Assim, continuando a citar: “O factor trabalho perdeu 3,6 mil milhões de euros. O excedente do capital engordou 2,6 mil milhões de euros”. Em bom rigor, trata-se de simples transferência do trabalho para o capital. Para onde vai Portugal? constitui uma análise, com dados, da situação social dos portugueses, onde não falta a crise da PT; o caso do BES; o caso BPN, a Troika; o PIB; as pensões de reforma, os salários, a família, a descapitalização da Segurança Social, a transferência de dinheiros públicos para as empresas da saúde privadas,… Mas também abre horizontes: temos um milhão e trezentos mil licenciados, muitos milhares de doutorados, boas estradas, portos e aeroportos… e uma grande capacidade para reagir. “É preciso avisar toda a gente”, porque, neste momento, os trabalhadores entregam mais ao Estado do que recebem dele em gastos sociais e 19 das 20 grandes empresas cotadas na Bolsa e integradas no PSI 20 têm sede na Holanda e pagam aí os impostos. A dívida cresce porque os trabalhadores pagam cada vez mais para o Estado Social e esse valor é desviado das funções sociais do Estado para o pagamento de rendas privadas, entre elas os casos óbvios das parcerias público-privadas, do BPN, das subcontratações externas nos hospitais-empresa,… E questiona-se a autora: “Se a riqueza de uma sociedade que tem um dos salários mais baixos da Europa e mais longas jornadas de trabalho, de acordo com a OCDE, não vai para a saúde, educação, auxílio mútuo e bem-estar na reforma, vai para onde?” Por outro lado, afirma a autora que “Estes Governos, no plano nacional e local, actuam como uma comissão liquidatária do país que, antes de fechar portas, vende tudo o que vale alguma coisa aos Governos/empresários deste mundo que estão na fila para fazer entrar na Europa os superavits da miséria, e os mais bem posicionados são hoje alemães, chineses e angolanos”. Para finalizar esta pequena excursão pela temática do livro, apeteceu-me recordar duas situações que me foram sugeridas da sua leitura. Por que se fala na fome das crianças e na falta de iodo, recordo que, quando fui professor da Escola Industrial da Sertã em 1971/1972, fiz escândalo, com os meus vinte e quê anos, ao levantar a questão da fome, da falta de transportes e da falta de educação física e desporto, que encontrei nos alunos. Problematizei o tema em reuniões de professores, porque, à hora de almoço, a maioria dos alunos comia um pão com qualquer coisa, porque não havia cantina, nem dinheiro para ir ao restaurante; e porque muitos alunos andavam a pé 5, 6, 7, 10 km para irem à escola, por falta de transporte público. E lembro que a população desse concelho tinha ao seu dispor sal iodado para compensar a falta geral de iodo. Outro facto curioso e que tem a ver com o tema da viabilidade da democracia. A autora afirma que a burguesia defende a democracia representativa, se com ela fizer negócio; caso contrário, opta, ora pelo fascismo, ora pelo bonapartismo. Essa ideia encontra-se desenvolvida em NICOS POLANTZAS. Lembro, com alguma saudade, que, em Maio de 1974, estando eu a prestar serviço militar no 2º GCAM, no Campo Grande (hoje, Universidade Lusófona), o comandante ordenou a dois oficiais milicianos que reunissem um pelotão e o conduzissem aos Correios para pôr disciplina na greve dos trabalhadores. Ainda a democracia despontava, já estavam a ser recuperados os métodos do fascismo. Mas os oficiais desobedeceram e foram presos, surgindo então uma gigantesca manifestação popular no Campo Grande, com o quartel cercado de Chaimites, comandados pelo Coronel Jaime Neves. O livro, que ora se apresenta, é um texto muito agradável, lê-se com paixão, resume muito daquilo que estamos a viver, e oferece uma leitura, que junta as peças do puzzle, nos permite obter sínteses e avivar as boas opções, sem esquecer, como bem escreve a autora, que não viemos ao mundo só para trabalhar; precisamos de ter tempo para nós, ter tempo para o prazer, tempo para amar, tempo para pensar, tempo para sermos felizes, contrariando a noção da sociedade capitalista de que “a propriedade vale mais do que a vida”. a) JOSÉ VIGÁRIO SILVA |
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