apresentação por António Bondoso do livro "Angola Noutros Tempos", de Jerónimo Pamplona
Prefácio
Depois de ler o livro Angola Noutros Tempos foi com satisfação que aceitei o ónus
de escrever o Prefácio. O livro, segundo o autor, é um livro de crónicas, contos e
poemas. A descrição histórica, narrativa, humorística e poética, seguindo uma
sequência cronológica, infere, de facto, o género. Todavia, o espaço geográfico e
temporal a que nos remete a sua leitura é à África Subsariana, Ocidental, a Angola,
entre 1482 / 1974, «pré-colonial», «colonial». Afigura-se-me que, para além das
crónicas, contos e poemas que o texto oferece, estarmos perante um livro de
reflexão histórica e cariz sócio antropológico. Sobre o relevo, as dimensões e a
substância do devir da África nas suas particularidades e particularismos.
A Antropologia tem como postulado a unidade do género humano, tendo como
objetivo o estudo do homem como um todo na sua diversidade cultural. Como é
que, num determinado local, a relação entre uns e outros é assumida por uns e por
outros? Esta relação entre europeus (portugueses) e africanos é uma constante na
narrativa de Jerónimo. A “irracionalidade” africana do século XVI daria lugar ao
“primitivo” do século XIX, concomitante com uma época de hegemonia europeia,
predominantemente evolucionista e uma influência das ciências naturais sobre as
sociais. O choque de culturas, a que se refere o autor, o “eu” e o “outro”, renegava
o caráter de humanidade aos nativos, e era “por vezes” o justificativo da
escravatura e da discriminação entre “civilizados” e “indígenas”, numa aculturação
forçada por vezes violenta, é o reflexo do europeu colonizador acentuadamente
etnocêntrico.
Dir-se-ia assim que o livro de Jerónimo, de leitura fluida, é um texto de algum
modo etnográfico, no sentido em que revela costumes, crenças, tradições e línguas
das diferentes etnias que vão aparecendo. É a síntese feliz de dois universos
aparentemente distintos, o europeu e o africano, ou ainda, o colono e o colonizado.
Opostos, por contraponto com a unidade do género humano. Feliz, porque apesar
de um histórico atribulado, repleto de contradições e entropia, a nostalgia que
transparece na leitura, resultado de uma intersecção (aculturação) mútua, tanto de
europeus como de africanos, são uma evidência, nos contos e poemas descritos na
parte final do livro: «porquê o Golungo perguntou-lhe o pai? Ora, porque estarei
todos os dias convosco. Por outro lado, entusiasma-me a ideia de contribuir para
o desenvolvimento da minha terra de adoção»
Paul Fernandes
Antropólogo
Posfácio
Este é um livro de crónicas, contos e poemas que percorre um tempo com início em
1482 e fim em 1974, através das seguintes etapas:
Na Introdução relato a evolução da África antiga, desde o aparecimento do Homo
Sapiens passando pelo surgimento da agricultura até à fundição do ferro.
«Certo é que por volta de 400 a.C. a fundição era praticada na área da atual Nigéria e
por volta de 1.000 d.C., outros povos da África Ocidental utilizavam igualmente esta
tecnologia».
Na primeira parte abordo a "chegada" dos portugueses a Angola.
Incidindo sobre o reino do Ndongo, detenho-me um pouco mais sobre a figura mítica da
Rainha Njinga. No final da visita o Governador estranhou que a Embaixadora não
chamasse a escrava que se mantinha imóvel sobre a almofada. Njinga riu-se. «Deixaria
a escrava, retorquiu. Não tinha por habito usar do mesmo assento mais do que uma vez».
Na segunda parte descrevo as personagens e o estatuto dos Ambaquistas e dos Assimilados.
«Escrevo de nenhures. É este o meu solo materno pátrio; no qual busco a felicidade e
me consolo».
Na terceira parte centro-me na vida económica e social do Golungo Alto em meados do século XX.
«No dia em que chegava o “homem da máquina” para passar o filme, o pessoal que
quisesse assistir tinha que pagar o bilhete e levar um banco de casa, ou então sentar
se no chão.»
Na quarta parte, num estilo em que a paródia prevalece sobre a sátira, revisitando mais
de 25 anos, conto 42 “estórias/piadas”, que ocorreram em diferentes lugares de
convívio e que são aqui compiladas.
«Para tomar banho?! Claro! Onde é que o Sr. toma banho? Eu?! Eu tomo banho no rio.
No rio?! E os Jacarés? Oh, os Jacarés! Não há perigo. Já me conhecem!»
Na quinta parte narro seis contos, no estilo que poderá chamar-se de “short stories”.
«Ó Lia, tu tinhas de lhe dizer que aceitavas o namoro. Sabes, não parece mas, os
homens são muito tímidos! Nós, mulheres, temos que, por vezes, tomar a iniciativa.»
Na última parte percorro, num “rally paper imaginário”, as ruas do Golungo Alto
visitando lugares que nos fazem recordar afetos e emoções vivenciadas.
«Desde o Luínha para o Golungo lá seguiam;/ o comboio, automotora e a grazine
assim andavam,/ devagar, devagarinho, nos morros e curvas até gemiam./ Algumas
vezes, poucas, vejam lá, até descarrilavam!»
Jerónimo Pamplona
Biografia do Autor
Jerónimo Pamplona nasceu em 1942, na aldeia de Padroso, nas proximidades da serra
do Larouco, Montalegre, onde viveu até aos onze anos de idade.
Para frequentar o ensino secundário foi matriculado no Instituto Militar dos Pupilos do
Exército, em Lisboa, que frequentou até aos dezanove anos.
Em 1961 foi recrutado para o serviço militar obrigatório, em Sacavém, na Escola Prática
do Serviço de Material. Ao fim de dois anos foi mobilizado para Angola, rumo a Veríssimo
Sarmento, agora de novo Camissombo, na província da Lunda Norte, onde permaneceu
catorze meses. Daqui seguiu para o Zemba, na região dos Dembos donde, após oito
meses, foi enviado para Luanda. Ali, conheceu a mulher com quem vive até hoje.
A paixão falou mais alto e decidiu ficar em Angola por mais dez anos, onde começou a
trabalhar na indústria farmacêutica como delegado de informação médica e, mais tarde,
como gerente de vendas para Angola e Moçambique.
Retornado a Portugal no dia da consoada de 1975, reiniciou a carreira na indústria
farmacêutica, tendo desempenhado, praticamente, todas as funções nas áreas do
marketing e vendas, reformando-se como diretor.
A afeição pela escrita foi descoberta no ano de 2013 na Nova Atena - Associação para a
Inclusão e Bem-estar da Pessoa Sénior, pela Cultura e Arte, em Linda-a-Velha.
Contribuíram para este “novo olhar” os professores Elisabete Castelo Branco (Escrita
Criativa), Jorge Proença (Clube de Leitura), Luís Santos (Literatura Portuguesa) e Paulo
Fernandes (Antropologia).