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Eulália Gonçalves, nasceu a 22/12/1951 em Candemil no Concelho de Amarante e reside no
Porto, desde 1973.
Tirou o Curso Geral dos Liceus, no Liceu Nacional de Bragança de 1963 a 1968.
Licenciada em Serviço Social, é Funcionária Pública aposentada desde 2014.
Gosta de Artes Plásticas, dedicando a maior parte do seu tempo livre à Pintura, desde 2008,
tendo frequentado alguns cursos livres de pintura e Desenho de Figura Humana na Escola
Superior de Belas Artes do Porto, mas assume-se, essencialmente, como autodidacta, tendo
realizado várias exposições individuais e colectivas.
Gosta de poesia e desde jovem que escreve, mas de forma muito pontual, sendo este o seu
primeiro livro que entendeu publicar, depois de nele reunir 44 sonetos de entre outros.
Prefácio
Estes sonetos que aqui publico, foram escritos ao longo da
minha vida.
Um dia um, outro no dia seguinte, outro dai a 1 meses, um
ano. Ou 2 ou 3 . Era, quando fosse, quando me sentisse inspirada,
como acontece a tanta gente que escreve ou se dedica a qualquer
arte criativa.
Inicialmente catarse de pequenas frustrações da adolescência
e juventude, foram sendo, também com o passar do tempo, a mais
solitária e natural forma, que eu encontrei, de exorcizar os meus
demónios que tantas vezes pontificaram nos meus dias, fazendo
deles os mais negros, que haveria de viver.
Sujeitos a uma expurga, cujos critérios são pessoais, direi
mesmo íntimos, ficaram estes. Daí que, entre eles, tenham ficado
alguns dos mais antigos, pelo valor sentimental que têm para mim,
que não é, de todo, o valor da qualidade, se algum a tem, como
podem, de resto aperceber-se.
Foi esta nobre arte de versejar, o Soneto, que me encantou
em nomes grandes da nossa Literatura e que eu escolhi, para desta
forma, entregar à brancura do papel, como se entregasse ao vento
o que trazia na alma, aprisionado, a gemer em silêncio e a gritar
por liberdade.
Em Florbela Espanca, definitivamente , a minha musa,
bebi desde muito jovem, o gosto pela que chamo de exposição
impúdica da dor, pelo gosto pelo drama, pela exacerbação de
um sentimentalismo já de si extremado, transformando um
pequeno episódio de melancolia, num vale de lágrimas, uma
hecatombe, o que contribuiu, sem sombra de dúvida, embora não
completamente, para que uma profunda tristeza impregnasse os
14 versos, e se estendesse transversalmente a estes e outros meus
sonetos, na sua maioria, escritos nesses tempos distantes.
Ao relê-los, enquanto os coligia, confesso que me chocou
a forma despudorada e crua, direi mesmo excessiva, que,
consentidamente, se me impôs no momento de os escrever.
E, no entanto, sou eu, inteira, que ali estou na minha
humaníssima e falível dimensão, que o mesmo é dizer no meu sentir,
sempre tão sofrido e extremo, perante o que não apenas, a mim
toca , mas também aos outros, tantas vezes até, desconhecidos.
E bem que eu gostaria que assim não fosse.
Como gostaria também, que este meu versejar esparso
e pobre, fosse diferente, no seu lastro de tristeza viva, bastando
talvez para isso, seguir a máxima de Gastão Cruz, quando diz:
“Na poesia procuro uma casa onde o eco existe, sem o grito que,
todavia, o gera”.
Mas eu, decididamente, fui (ou vou) pelo exagero insano de
uma caso dominada pelo grito, que obviamente, se repercute, em
doridos ecos.
À distância de umas dezenas de anos, penso que talvez
tenha vivido uma depressão que desvalorizei. Outras vezes, pela
sua constância no tempo, creio que tive, sim, grandes momentos
depressivos. Mas não somos todos sujeitos a eles?
Para finalizar estas palavras que achei por bem escrever,
sobre o sofrimento expresso em grande parte destes meus sonetos,
não se convençam, porém, que deixei de ter sonhos e paixões pois
que, socorrendo-me de mais uma citação, desta vez de Cecília
Meireles que muito aprecio, também eu digo que ”Até morrer
estarei enamorada de coisas impossíveis.”
Porém, como os enamoramentos de coisas impossíveis,
doces venenos, não são inócuos, acabarei repetidamente, por sair
ferida e, nada como um soneto, para nele verter a minha mágoa.
No fundo, tudo é circular e repetível.
Este livro é, agora, vosso.
Espero que, apesar da sua simplicidade, o apreciem.
Eulália Gonçalves
Louca
Sou mendiga. Não tenho eira nem beira,
Uma casa, um ninho, um canto onde me acoite.
Vivo ao sol e ao luar, de dia, de noite,
e vê, a minha casa é a terra inteira!
Sou boémia e livre. Nada me acorrenta
Trago a pele crestada em estios de sangue.
Sou o grito que parte, incerto e exangue
O riso e o soluço, ao frio e à tormenta.
E nas tardes mansas, amor, eu sou o vento
Que há de desalinhar os teus cabelos
E de mansinho, beijar a tua boca…
Só sou refém, desse teu ar vagabundo.
Com lágrimas e risos, ando a correr mundo.
E quero lá saber que me chamem louca!
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