![]() videos das intervenções:
Miguel Carvalho (2): https://youtu.be/OYpLyLnMets Miguel Carvalho (3): https://youtu.be/CHkf6esuFNE Miguel Carvalho (4): https://youtu.be/Uwcy_MANRV0 Cristina Nogueira: https://youtu.be/-b4Y2mg7hs0 Egídio Santos: https://youtu.be/babFUTygfnc Isabel Nogueira: https://youtu.be/H8DFC2KZDL8 Adriano Miranda: https://youtu.be/dq5b-4-npzQ |
Texto de apresentação por MIGUEL CARVALHO do livro VOZES AO ALTO Livraria Unicepe – 1 de outubro de 2021 É de bom tom que o apresentador não mace a audiência nem roube palco aos autores, mesmo que a obra peça um tratado e convoque um turbilhão de emoções que só se estanca na torrente, como cantava o Sérgio. Este livro convoca tudo isso, mas serei comedido a bem do coletivo que idealizou e concretizou este livro desafiando as probabilidades e sobressaltando consciências. Em último caso, que algumas vozes - ao alto - me mandem calar, pf. Primeiro, é preciso dizer que há sempre algo na história do PCP que toca em cordas sensíveis, sem que seja preciso ser-se do PCP. Conheço e convivo com casos de frenética devoção não partidária, mas absolutamente respeitosos e reconhecidos ao património de luta do PCP. Este livro conta as histórias de 100 objetos com peso político, significado afetivo e relevância histórica que atestam o indiscutível património humano e referencial da militância comunista. Não é um livro do PCP. Mas é um livro indissociável da história do mais antigo partido português em atividade que transporta, com uma cadência contagiante, uma polifonia e um portfolio inigualáveis de resistência, luta e liberdade que revelam tanto de humanidade, gratidão, solidariedade e honradez como de lealdade incondicional a uma entidade coletiva. Pode não se pertencer ao PCP nem sequer andar lá perto. Mas ninguém poderá ficar indiferente a estas histórias contadas à escala humana, quotidianas, terra à terra, por vezes quase artesanais, que forram e costuram o percurso comunista, cujo papel e reconhecimento são ainda - coisa rara - transversais ao universo político. Pelo menos enquanto disso houver memória... Só uma inclinação clínica – e cínica - para a tolice pode ignorar este facto tão simples como indesmentível: estas histórias e objetos que recheiam e consolidam os laços afetivos dos seus protagonistas com a História do PCP não estão ao serviço da “vidinha” nem de líderes messiânicos, providenciais ou mitómanos. São, isso sim, narrativas coletivas e individuais erguidas, partilhadas e abraçadas por milhares de mulheres e homens que, em ditadura e democracia, nunca desataram os nós da resistência nem a conjugação plural de um ideal, mesmo quando sujeitos a todo o tipo de privações e perseguições. Estas 100 histórias e objetos simbólicos a pretexto do centenário do PCP atestam, acima de tudo, a firmeza e a profundidade das raízes políticas, dos traços de união popular e as marcas de uma ligação multifacetada à sociedade portuguesa, por muito que, às vezes, ela pareça distante destas devoções. Mais do que na História do PCP, é nestas histórias, símbolos e objetos que estão inscritos os códigos de sobrevivência e longevidade de uma causa. Neles, e em algumas das magistrais narrativas que aqui se reproduzem, inscreve-se a própria história de comunistas de gerações várias que não reivindicam qualquer estátua ou pedestal a pretexto da sua dedicação, abnegação, resistência e sofrimento. Se o PCP tem, na entrega da sua militância, uma história rica e íntegra, sem prejuízo dos seus defeitos e contradições, é porque ela foi escrita por mulheres e homens que não cabem nas molduras, chavões e preconceitos com que muitas vezes se olha para os militantes deste partido (ou até mesmo quando ele se põe a jeito). Muito do que aqui se fotografa e relata pode já parecer arqueológico aos olhos de alguns. Mas estas páginas – é preciso dizê-lo - não retratam fósseis nem ruínas. Falam, sim, de organismos vivos, de uma memória que arrebata corações, que procura a concretização de ideais e que contagia gerações. Pergaminhos de luta que os seus protagonistas consideram tão importantes como o pão de amanhã. É uma história viva, vivíssima! Porque estes objetos, estas histórias, não são de museu nem estão a caminho dele, entregues ao mofo e ao pó do tempo acelerado que vivemos. Se estes objetos são símbolos vivos e história em movimento, é também porque as histórias das mulheres e homens que moram nestas páginas continuarão a sobressaltar e a contagiar outros, “por quanto lhes pareça a liberdade e a justiça, ou mais que qualquer delas, uma fiel dedicação à honra de estar vivo”, como diria Jorge de Sena. São objetos, vidas, percursos que retratam um profundo sentido de pertença a uma causa coletiva que, embora não imune a desgastes, derrotas e retrocessos, recusa resignar-se à condição alegórica ou memorialística, sem alma, sem vida, sem nada, para consumo fúnebre da atualidade reinante. Não, estes objetos, eles próprios extensão de corpos, de ideias e existências dignas, não são espólio desbaratado nem testamento fúnebre. Pelo contrário: constituem matéria viva, pulsante, sanguínea, essa mesma que é indispensável para sabermos de onde se vem, para onde se vai e, já agora, com quem. E goste-se ou não do PCP, representam uma cartografia humana que reclama, no mínimo, o mais profundo respeito pela memória e um olhar despido de intolerância. Este livro, de resto, revela muito mais sobre o PCP do que a história oficial do PCP. E vai para além do PCP. Porque nele cabem todos os afluentes de altruísmo que alimentam os caudais das epopeias coletivas, ontem, hoje e amanhã, independentemente das fidelidades, conjeturas, avanços, recuos e desentendimentos. Sem esses afluentes e esses caudais humanos, os partidos são mortos-vivos, ficções e assombrações de si próprios ou das suas circunstâncias. Por isso, este livro não nasce apenas para fixar memória. É, sobretudo, um livro para memória futura, inventário que desafia e se insurge contra qualquer culto ao esquecimento, tão em voga. É um livro cujas fotografias, relatos e personagens são o negativo da desmemória digital e, por vezes, institucional, e constitui prova física, bofetada e safanão num tempo de instantâneos, de superficialidades insufladas, de pantomineiros da pós-verdade e reciclagens ideológicas ao arrepio das conquistas da humanidade. Este livro é ele próprio um objeto – de luxo, em todos os sentidos – que honra, dignifica e preserva uma identidade e essa vontade indómita de fazer futuro para lá de diretrizes, sebentas, mártires e passados cristalizados. Nesse sentido, não é uma obra que recorre a memórias de carne e osso, fixadas em objetos e símbolos de um caminho, revisitados para deleite de uma congregação de rituais datados. É, acima de tudo, um desafio ao tempo presente, como se os seus autores, protagonistas e objetos dissessem, alto e bom som: o futuro não se constrói sem vozes que, em cada época, se levantam do chão, e erguem a sua voz em nome de outras que se calam ou são silenciadas. Parafraseando o historiador e intelectual italiano Enzo Traverso, quem transporta uma memória assim não precisa, sequer, de apresentar provas. Cabe aqui também dizer que a forma como este livro nasceu - à margem dos circuitos comerciais e dos critérios mercantilistas da moda – é a melhor homenagem que podia ter sido feita à história dos objetos, mulheres e homens retratados. Estas páginas nascem, de resto, de outro tipo de militância: aquela que não se revê nas ocultações, silenciamentos e descuidos dos criadores de narrativas oficiais e recauchutagens de conveniência. É um livro que nasce pois, de outras causas, tão caras aos seus autores, tão raras nos tempos que correm: a urgência de fixar um tempo e as suas circunstâncias, combater a omissão e trazer da penumbra para a luz os protagonistas diários de uma epopeia de resistência e luta. O resultado do trabalho dos seus autores – de vários ofícios e percursos – é, pois, uma bela homenagem aos seres humanos que, por vezes, ficam nas entrelinhas ou na sombra dos grandes feitos e conquistas, recolhidos na humildade e na consciência de que não fizeram mais do que a sua obrigação, em benefício dos seus semelhantes. Nos 100 objetos retratados – e nas histórias a eles associadas – há alguns surpreendentes, não apenas pelo que representam, mas pela poesia associada. Da terra de Timor engarrafada ao violino do Tarrafal, das peças de xadrez feitas na prisão às mortalhas manuscritas, dos desenhos infantis articulados aos utensílios de obstetrícia que contam as histórias improváveis das famílias da clandestinidade, há momentos de grande força literária, como se a ficção suplantasse a realidade. Não é o caso aqui. É, aliás, o contrário. E não faltam realidades que doem até ao osso, ainda hoje. Daí a comoção que muitos irão sentir ao ler a história que cada objeto conta, por vezes tão palpável, tão à flor da pele. Escolho, para terminar, um desses objetos. Pelo seu simbolismo e porque me permite pesar a distância e passagem do tempo. Falo da pedra da calçada portuguesa arremessada em 1975 contra o centro de trabalho do PCP em Aveiro por milícias da contrarrevolução, armadas de ferros, capacetes e cocktails-molotov. A pedra carrega toda a carga de revanchismo da época quando as liberdades ainda gatinhavam. A história é contada pelo fotojornalista Adriano Miranda – e este livro, deixem-me dizê-lo, confirma o brilhante cronista que ele também é, gajo “chato” que não se contentava em fazer parte de uma elite nacional de operários e criativos da imagem onde estão o Paulo Pimenta e o Egídio Santos e ainda tinha de vir para este lado escrever.... Pego, pois, nessa pedra. E transporto-a, já de mão pesada, para os dias de hoje. Onde palavras como pedras continuam a ser arremessadas, por vezes escondendo a mão, contra as liberdades, as instituições, a memória, o pluralismo e a dignidade dos que ainda acreditam em imaginários de redenção e de convivência democrática, mesmo que os dias sejam vividos no trapézio, tão precários como noutras épocas. Ontem como hoje, as pedras não podem tudo. E nada podem contra este livro que nasceu das vozes ao alto do Adriano, da Cristina, do Egídio, da Isabel, da Maria Alice, do Paulo e da Vanessa, unidos como dedos da mesma mão. Estas páginas convocam vivências, objetos, personagens e histórias da estrada andada, que é ainda, muito, a estrada por andar. Mas como rezam a canção e os testemunhos destas páginas, ninguém anda sozinho. Muito menos neste livro que nasceu ao sol de uma canção. Vozes alto, pois! Ainda e sempre. Miguel Carvalho |
LIVROS DISCOS LIVROS DISCOS LIVROS DISCOS LIVROS DISCOS LIVROS DISCOS LIVROS DISCOS