2018-10-19, sexta-feira, 18h15:

Lançamento do livro de poemas "convocatória", de Miguel Tiago


Domingos Lobo:

Miguel Tiago põe o dedo na ferida mais pungente da sociedade capitalista

convocatória, de Miguel Tiago - uma poética sobre «os possíveis do futuro»

Convocatória, título que, no seu amplo significado de encontro/debate, transmissão de directrizes para a acção, nos convoca para a urgência de pensar o projecto comunista à luz deste nosso tempo, perante os novos desafios sociais, culturais e políticos, as novas derivas de uma direita que quer submeter os povos às «leis dos caminhos feitos», como escreveu o nosso querido Manuel da Fonseca, ferramenta que deve mobilizar-nos para os dias do futuro, que antevemos complexo e agreste.

Daí a importância desta forma poética de Miguel Tiago que é, e o autor não o esconde ao longo de todo o livro, de afirmação crítica do real e, o que o torna mais actual e substantivo, um livro que claramente diz ao que vem, que assume sem medo a ideologia que lhe está na génese, que não usa a metáfora para esconder ou tornear a denúncia social e política que estrutura este dizer poético que nos devolve ressonâncias, no desarmante da sua frontalidade, da descomplexada linguagem de Maiakovski e da dialéctica inquiridora de Brecht.

convocatória, sabemo-lo, irá chocar os puristas enredados nos seus labirintos de retrós velho, os que ainda por aí andam assanhados, tantos anos volvidos, a invectivar o neo-realismo e os seus autores, apenas porque ousaram escrever que a paz podre e beata do salazarismo trazia em seu bojo a fome, a violência, a injustiça, a miséria, a exploração e a ignorância. Autores, como agora Gusmão e Tiago, que ousaram nos seus textos a denúncia criativa e firme, com o rigor da grande literatura, numa prática poética que ainda hoje marca o fecundo imaginário dessa herança, com poemas que reconhecemos património incontornável da nossa cultura.

Liberdade e clareza

Miguel Tiago pertence às novas gerações do pós-25 de Abril. Viveu, cresceu, estudou e escreveu sempre em liberdade. E essa condição, que em muitos dos novos autores entretanto revelados, mormente os da denominada Geração de 90, os levou por ínvios caminhos, uns abrigados num esteticismo redutor e inócuo, outros, os mais espertotes, vendo na literatura um filão para aumentar pecúlio, teve em Tiago, como consequência ideológica, uma prática poética da claridade expositiva, o envolvimento dessa incursão criativa nos problemas mais candentes da modernidade e, sobretudo, das necessidades sociais e instigadoras da realidade deste nosso tempo.

Tiago sabe-o, e no-lo diz sem sofismas, com a simplicidade e clarividência teórica que o marxismo permite, sem recursos a eufemismos, a subterfúgios semânticos, dado que «não nos basta saber/ que nos roubam o pão,/ que contra nós/ conspiram escondidos/ os parasitas e os assassinos./ não nos basta saber/ que morrem de fome os nossos irmãos,/ e que os homens livres morrem na prisão./ não nos basta saber que os vampiros/ morrem quando páram de chupar-nos o sangue./ é preciso querer e fazer com que eles parem.» Quem assim escreve está a pôr o dedo na ferida mais pungente da sociedade capitalista que nos querem impor como modelo de absolutos e, na expressão safada da senhora Thatcher, sem alternativa.

Socorro-me de um texto de Manuel Gusmão: «Nós precisamos de futuro como do ar que respiramos. Aliás, a tese sobre «o fim da história» começa por ser uma história mal contada e, mais que um diagnóstico, representa uma tentativa de eternização de um presente reduzido e um bloqueamento do futuro por esgotamento dos possíveis.»

O que a poesia de Miguel Tiago nos traz, em claríssimo discurso, é essa ideia soberana e justa de que há um futuro que nestes textos se respira e que os possíveis avanços da humanidade se não esgotam nas encenações pífias e ultrareaccionárias do «fim da história». É para os possíveis do futuro que a poesia de Miguel Tiago aponta e nos convoca.



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