2023-11-27, segunda-feira, 18h00:
Lançamento do livro "25 de Novembro, o depois",de Ribeiro Cardoso (edição póstuma),


com apresentação de Jorge Sarabando e intervenções de Coronel Esmeraldo Pardal, Coronel José Castro Carneiro e e filha e neta do Autor, Raquel Ribeiro Cardoso e Inês Cardoso Carreiros.

Vídeos da apresentação:

No dia 27Nov23 decorreu na UNICEPE no Porto a apresentação do livro em epígrafe.

Foi apresentado pelo Jorge Sarabando que, para mim, sintetiza de forma brilhante, o que foi o 25 de Novembro de 1975. Seguiu-se uma intervenção do Coronel Pardal relatando o seu caso pessoal o que foi, para mim também, profundamente emotivo nomeadamente quando falou dos seus 4 filhos, que não tinham passado fome mas que ele passou. Ele culpa o 'NOSSO CABO PIRES VELOSO', usando eu a mesma forma que o Marechal alemão Gerd von Rundstedt usava para se referir ao Hitler. Acho apropriado! Não sei se a minha emoção será o resultado de algum stress pós-traumático mas penso que não. Comparado com o dele e de outros que li neste livro, o meu de que falei no final da apresentação, não passou de 'um passeio na praia' já que, mesmo quando estive suspenso, sempre me pagaram o vencimento.

Castro Carneiro



Unicepe, 27 de Novembro de 2023

Intervenção de Jorge Sarabando

Sabemos: as revoluções são sempre uma obra colectiva, destinos individuais que se cruzam num dado momento histórico e desencadeiam um processo de transformação. Destacam-se depois alguns protagonistas de quem se desvela um recorte biográfico. A narrativa mais comum centra-se no fluir dos acontecimentos, na ruptura operada, nos actos políticos e seus efeitos, no confronto de interesses sociais, no movimento da história e seu significado. Mas poucas vezes se detém no ser humano concreto, naqueles muitos, como em Portugal, que fizeram de um golpe de Estado uma revolução e transformaram uma ditadura revelha de 48 anos numa democracia desenvolvida, dotada de uma Constituição que consagra direitos sociais e continua em vigor, como carta de unidade de todos os democratas e lei matricial que a todos os portugueses obriga.

Um dos grandes méritos do livro de Ribeiro Cardoso é, justamente, o de trazer até nós o nome e o percurso de vida de capitães de Abril que pouco estiveram na ribalta, na maioria ignorados na historiografia corrente, a quem as instituições vigentes maltrataram, intentaram humilhar e vencer, ou mesmo eliminar, mas sem eles, e o seu contributo, a Revolução não teria sido possível, pois o MFA foi um todo e com todos cumpriu a sua missão e o seu programa.

O golpe de 25 de Novembro evocado ainda hoje como acto salvífico da democracia e da liberdade, tratou sem respeito pela legalidade democrática e por valores humanos essenciais militares do MFA da primeira hora e de todas as horas, entre centenas de oficiais e sargentos, e de praças da Armada, além de mais de uma centena de profissionais da Comunicação Social que foram demitidos das suas funções, e só muitos anos depois viriam a ser reparados das injustiças cometidas, para alguns tarde de mais, tema do anterior livro de Ribeiro Cardoso “O 25 de Novembro e os media estatizados”. Pelas páginas do livro hoje apresentado passam situações indignas em que militares de Abril foram presos sem acusação ou culpa formada, mantidos incomunicáveis, sujeitos a tratamentos cruéis, como foi o caso de 1oTenente Miguel Judas, que fora membro do Conselho da Revolução, levado a visitar seu pai no hospital, de noite e algemado. Outros actos abusivos das autoridades militares são descritos com rigor e verdade comprovada. Embora nenhum crime justificasse tais procedimentos, a verdade é que os militares de Abril assim maltratados não foram acusados de qualquer acto ilícito em concreto. Militares do MFA, alguns oficiais superiores, membros do Conselho da Revolução, foram detidos e presos sem o mínimo respeito pelos seus direitos como militares e como cidadãos. Como foi possível? Falemos, então, do 25 de Novembro.

Antecedido pelo Pronunciamento de Tancos, em Setembro, em que foram afastados Vasco Gonçalves, Primeiro-ministro, Eurico Corvacho, Comandante da Região Militar Norte, e outros membros do Conselho da Revolução, e extintos órgãos democráticos das Unidades militares então existentes, o 25 de Novembro foi um golpe de direita que não chegou tão longe quanto os seus urdidores pretendiam. Foi meticulosamente preparado, com a contratação atempada de ex-comandos para reforço do Regimento de Comandos, com a transferência em sigilo das barras de ouro do Banco de Portugal para o Porto, com a preparação da deslocação para esta cidade do Governo e da Assembleia Constituinte, com o afastamento cirúrgico de militares de esquerda de funções de chefia e a transferência de forças para a Base de Cortegaça. Dias antes, estava já redigida a resolução, com aprovação garantida, segundo o seu autor, prof. Jorge Miranda, em que a Assembleia Constituinte, reunida a norte, ganharia novos poderes e seria extinto o Conselho da Revolução. Escreveu um dos chefes da rede terrorista da extrema direita que “estavam preparados grupos para executar quem quer que fosse”. A norte ficaria o comando das tropas que marchariam sobre a inventada “Comuna de Lisboa”. O seu objectivo era dividir o País, provocar um banho de sangue e esmagar as forças de esquerda. Não conseguiram. A convergência de democratas e patriotas evitou, no limite, o pior.

A “Comuna de Lisboa” era um cenário ficcionado, como se comprovou, mas instrumental para os objectivos de quem urdiu o golpe. Diziam que o País foi salvo duma ditadura comunista de tipo soviético, e ainda hoje o repetem com certa prosápia, sem que saibam apontar um único facto a fundamentar tão delirante acusação. Quem conhecer a história de países onde foi aplicado o “Método Jacarta” ou foram alvo da “Operação Condor” na América do Sul, com a CIA no comando, encontrará efabulações deste género.

Diria mais tarde o General Vasco Gonçalves: “ O plano não veio a ser concretizado porque a esquerda militar, o Partido Comunista e as forças progressistas não se deixaram envolver na provocação do 25 de Novembro e porque Costa Gomes chamou a si a dependência de todas as unidades militares do País”. E diria o General Pezarat Correia, que pertenceu ao Grupo dos nove: “A democracia e a liberdade vingaram, não por causa do 25 de Novembro, mas apesar do 25 de Novembro”.

Disse também o General Franco Charais, igualmente do Grupo dos nove: “...,o 25 de Novembro não foi uma tentativa de golpe de Estado da esquerda revolucionária e/ou do PCP. Mas uma simples rebelião de para-quedistas abandonados pelas suas chefias”.

O livro de Ribeiro Cardoso permite reconstituir o percurso profissional dos militares do MFA presos na sequência do 25 de Novembro, restituir o seu bom nome e honradez, soezmente postos em causa. Passado algum tempo depois de Novembro, diria Vasco Lourenço, então oficial General, comandante da Região Militar de Lisboa, um dos vencedores aparentes do Golpe, numa alocução às tropas, em Setúbal, como se lê na pg.53: “Continuo a ver cair nas prisões camaradas que nos são queridos. A eles nos ligam laços de amizade, camaradagem, de luta em comum que não são fáceis de destruir ou esquecer. Porque nos dividimos nós? Por questões puramente militares? Quem nos divide?”

Sim, quem dividiu o MFA?

Também neste plano se encontram no livro pistas valiosas que ajudam a encontrar respostas, a encontrar saídas nos labirintos de Novembro.

Mas vale a pena uma reflexão.

A aliança Povo-MFA era a expressão política de uma vasta frente social anti-monopolista e a sua acção revelou-se decisiva no avanço do processo revolucionário e na construção da democracia. Quebrar a aliança, dividir o MFA e dividir o movimento popular tornou-se um desígnio estratégico do grande capital ainda movente e do imperialismo norte-americano e suas extensões europeias, visando travar a revolução ou, se necessário e possível, destruí-la. Era imperioso formar uma outra aliança política capaz de travar o curso dos acontecimentos, reduzir a base social de apoio da Revolução, procurando afastar as camadas intermédias e as faixas mais conservadoras da população em relação às classes trabalhadoras. Foi esta a direcção tomada, que só foi possível concretizar por uma aliança espúria entre sectores democráticos e a direita mais extremada.

Outro dos méritos desta obra, ainda incompleta, pois faltam 45 capítulos escritos pelo autor, é incidir sobre um dos períodos menos estudados do processo revolucionário, a sua fase final entre Novembro de 75 e Abril de 76, quando foi promulgada a Constituição, firme compromisso do MFA. Foi o tempo dos saneamentos à esquerda, de varrer dos quartéis, dos órgãos de comunicação social, por vezes a partir de listas de antemão preparadas, de várias instâncias do Estado, do sector público da economia, então dominante, centenas de pessoas, que podiam ser as mais competentes e qualificadas, mas tinham de ser afastadas, por agirem de acordo com os ideais emancipadores da Revolução de Abril, para serem substituídas por verdadeiros comissários políticos, criaturas mais dóceis e serviçais, algumas chegadas das alfurjas da contra-revolução.

Foi o tempo em que se criaram expedientes, como o conhecido Relatório das Sevícias, um “nada jurídico” como lhe chamou um conjunto de reputados juristas, mas que serviu para lesar a carreira profissional de destacados militares de Abril, que não puderam ser acusados de qualquer envolvimento no 25 de Novembro.

Foi o tempo em que a direita tentou evitar a promulgação da Constituição e submetê-la a um referendo. Foi o tempo de maior incidência dos atentados bombistas, que provocaram mais vítimas mortais, de que é um trágico exemplo o Padre Max e a jovem estudante Maria de Lurdes, assassinados em Vila Real no dia em que a Constituição foi aprovada, 2 de Abril de 76.

É útil aqui lembrar a acção da rede terrorista da extrema-direita, (ELP, MDLP, Maria da Fonte e outros), com centro logístico e comando na Espanha da ditadura franquista, que tão negativamente influenciou os primeiros passos da democracia nascida em Abril. Entre Maio de 75 e Abril de 77, foram cometidos 566 actos terroristas, entre os quais 310 atentados bombistas e 136 assaltos, a sedes de partidos de esquerda, de sindicatos, a Câmaras Municipais, na simulação de um levantamento popular. Apesar dos esforços da Polícia Judiciária do Porto, então dirigida pelo Magistrado Dr. Álvaro Guimarães Dias, poucos foram os criminosos presos e condenados.

Na própria noite de 25 de Novembro, no Porto, foram destruídos à bomba os carros de três democratas, o advogado António Taborda, o engenheiro José Júlio Carvalho e o arquitecto Estrela Santos, e à porta do Sindicato dos Vidreiros foi morto a tiro um dos seus dirigentes, o operário António Almeida e Silva, por um bando de arruaceiros fascistas.

Foi o tempo em que uma manifestação pacífica de familias de militares de Abril presos em Custóias, alguns citados no livro hoje presente, foi reprimida a tiro pela guarda de serviço, provocando 4 vítimas mortais, 3 trabalhadores do Porto e um jornalista estrangeiro, e vários feridos graves entre os quais uma criança, sem que ninguém tenha sido responsabilizado.

Foi, então, este tempo de violência, marcada pela impunidade, a que o discurso dominante chama de normalização. Veio depois, com os governos constitucionais e as novas maiorias, a contra-revolução legislativa. Primeiro com novas leis, procurando contornar os limites constitucionais, depois com revisões da Constituição, sobretudo as de 82 e de 89, que em parte a desfiguraram, e com as privatizações permitiram reconstituir o poder dos grupos financeiros que dominaram o País durante a ditadura.

Este livro é uma homenagem aos militares do MFA dignos, coerentes, íntegros.

A eles, a todos os militares do MFA, à luta do povo português, devemos o viver numa democracia, que tem uma Constituição, que urge defender e cumprir.

Aqui fica uma sentida palavra de gratidão ao Albino Ribeiro Cardoso, um jornalista que honra a profissão que abraçou, por este valioso contributo para o conhecimento da verdade histórica. Com o seu trabalho paciente, sério, isento, escrupuloso, determinado, podemos conhecer muitos daqueles militares, como pessoas, cidadãos, seres humanos, que tudo arriscaram para que Portugal encontrasse a liberdade e a libertação.



UNICEPE, 2023-11-27

Texto lido por Inês Cardoso Carreiros, na apresentação do livro "25 de Novembro, o depois", de seu avô, Ribeiro Cardoso:

Para uns Ribeiro Cardoso, para outros Bino

para uns um escritor, para outros um jornalista

para uns um amigo, um companheiro, para mim um avô, um segundo pai, um melhor amigo

tive a sorte de viver no mesmo mundo que o meu avô durante 16 anos, aprender com ele, discutir e desenvolver o meu sentido crítico.

e agora tenho o azar de aprender a viver sem ele para o resto da minha vida

quem teve a oportunidade de o conhecer sabe que ao meu avô sempre lhe fez muita comichão as injustiças e apesar de não estar aqui hoje a apresentar o seu quarto livro, garanto-vos que nele conseguimos sentir as causas pelas quais o meu avô sempre lutou

o meu avô esperou muito pela saída deste livro, não só porque tinha um compromisso para com as histórias destes militares como também, como muitos de vocês sabem teve um problema de saúde e com o receio de que alguma coisa corresse mal preparou um discurso que vos vou ler agora 

Esboço do texto de apresentação do livro “25 de Novembro, o depois “

Caros amigos

Umas breves palavras para, em primeiro lugar, agradecer a vossa presença.

Em segundo lugar, exprimir um agradecimento profundo aos militares com quem contactei – e foram muitos – que generosamente me entregaram documentos pessoais, confiando em mim.

Na impossibilidade de enumerar todos, quero destacar o coronel Vasco Lourenço, o general Costa Neves, o general Pezarat Correia, o almirante Martins Guerreiro, o coronel Matos Gomes e o coronel Nuno Santos Silva, sempre disponíveis e pacientes quando tive dúvidas. E muitas foram.

A questão da memória colectiva é, para mim e desde há muito, uma questão central. Quase obsessiva. Por uma razão: por aí passa a anestesia dos povos, construída, ao pormenor, por quem detém o Poder – político, económico e informativo. Com esta trilogia a mentira pode transformar-se em verdade, como abundantemente acontece.

Como jornalista, vivi por dentro o 25 de Novembro de 1975. O meu problema é que, como escreveu Manuela Cruzeiro, minha contemporânea da Faculdade de Letras de Coimbra nos anos 60 e grande investigadora, “a memória não é um processo natural e muito menos pacífico. É sim uma batalha permanente entre os que não querem lembrar e os que não podem esquecer”. Estou no grupo dos que não podem esquecer. E também no pequeno grupo dos que querem lembrar.

Por isso, e porque os media não cavam a História e raramente investigam seriamente o passado, fui desenterrar a história, do meu ponto de vista muito mal contada, de alguns militares. São as vidas desses injustiçados de Novembro de 1975. Vidas que ninguém se interessou em conhecer e divulgar. E o silêncio perante injustiças e indignidades é absolutamente inaceitável.

E por aqui me fico na esperança de que gostem deste livro e, acima de tudo, que o considerem útil.



Texto do Coronel José Castro Carneiro:

Vou, como é meu hábito, ler esta apresentação para vos dizer da forma mais exacta e a mais breve que consegui encontrar, de como “Meter o Rossio na Rua da Betesga”.
Em primeiro lugar quero prestar a minha homenagem ao Ribeiro Cardoso, nas pessoas das suas filha e neta, que aqui como em Lisboa, continuam a abraçar a tarefa de acompanhar a publicação desta imprescindível obra, que com esta parte, porque de uma parte se trata, começa a revelar o ‘Lado Negro’ do 25 de Novembro, e de alguns dos seus actores que granjearam maior relevância.
Depois quero cumprimentar o Dr Vaz Pinto a quem mais uma vez agradeço a atenção com que me tem distinguido.
Cumprimentar o Jorge Sarabando amigo de tantos anos e tantas lutas.
Cumprimentar-vos a todos os que quiseram vir a este espaço de cultura, certamente do agrado do Ribeiro Cardoso, para falarmos um pouco do seu livro.
Dar um abraço ao meu camarada Esmeraldo Pardal também ele vitima e bode expiatório da contra-revolução levada a cabo em 25 de Novembro, que se procurou ‘crismar’ como “de retorno à normalidade”, e a quem o Ribeiro Cardoso dedica no seu livro, o capítulo XIV – Coronel Pardal, o único militar ainda a litigar em Tribunal.
Conheci o Ribeiro Cardoso, na Associação de Jornalistas do Porto aquando da apresentação do também seu livro “O 25 de Novembro e os Media Estatizados – Uma História Por Contar” o que sucedeu em Fevereiro de 2018 se os meus registos estiverem certos.
Foi uma amizade curta no tempo, para homens do Porto e da mesma idade que somos, mas foi, embora ‘virtualmente’, extremamente intensa.
Um grande amigo e camarada do meu curso, o Nuno Santos Silva, a quem o Ribeiro Cardoso dedica neste livro o Capítulo III – Nuno Santos Silva: Uma Longa Perseguição – a quem eu enviava e ainda envio, algumas das minhas ‘fichas’ (não são textos meus, mas sim das minhas leituras), reenviava-as para o Ribeiro Cardoso, o que nos pôs a falar de tudo e mais alguma coisa.
Por razões que a razão desconhece, a certa altura o Ribeiro Cardoso porque não sabia muito do que tinha acontecido aqui no Porto, nem com o 25 de Abril, nem com o 25 de Novembro, pediu- me para lhe escrever qualquer coisa sobre o que no Porto tinha sucedido.
Queria alertar-vos para as palavras do Ribeiro Cardoso a meu respeito; trata-se de um amigo e portanto deveis tirar-lhe o ‘IRS’ e se calhar não estais a tirar tudo o que era preciso tirar, mas penso que o melhor é ouvi-lo:

“Capítulo XXX – Coronel Adelino Carneiro – Uma visão Nortenha dos dois 25 ́s. As minhas raízes estão no Norte – nasci no Porto, estudei durante sete anos no Liceu Alexandre Herculano (tendo como colega David Martelo, que viria a ser um destacado militar de Abril, cidadão culto, tradutor e autor de numerosos livros), rumei depois para Coimbra, onde durante vários anos frequentei a sua universidade e vivi na República Ninho dos Matulões na companhia de jovens nortenhos. O Norte está, pois, no meu sangue e no meu pensamento. Sempre. E por isso, e com ironia o digo, fico irritado quando vejo as minhas origens injustamente secundarizadas...
Vem isto a propósito do livro que agora escrevo. Através de conversas e leituras mil, verifico que nos relatos do 25 de Abril e do 25 de Novembro, para o bem e para o mal, o Porto e o Norte raramente têm o destaque a que, historicamente, têm direito. Por isso, embora não só por isso, tirei-me das minhas tamanquinhas e, já com muito texto parido, telefonei a um ‘velho’ e respeitado amigo do Porto, o coronel Adelino Carneiro, que teve um papel muito activo e destacado naquelas duas datas, pedindo-lhe que, sinteticamente, me contasse a importância dos militares do Norte na Revolução dos Cravos e ... na contra-revolução de Novembro.
Após largas conversas, Adelino Carneiro, com a generosidade da gente nortenha, fez, a meu pedido, por escrito, um relato do que viveu e/ou assistiu. Sem papas na língua, como é uso e costume por aquelas bandas. Com uma ‘ordem’: “Podes cortar o que entenderes. Eu não sou jornalista, o meu forte não é escrever e recuso-me a cortar seja o que for. Mas tu podes cortar o que quiseres” ...
Acordo aceite, eis o que recebi e agora, grato, torno público.”

Das palavras que lhe enviei quero referir a parte que de mim fala. Disse-lhe eu:
“... na RMN foram julgados em Conselho Superior de Disciplina 4 oficiais; os Majores Albuquerque e Fonseca, o capitão Gonçalves e eu, que fui o único a terminar a carreira militar, no posto de Coronel, ao atingir o limite de idade que estatutariamente era o do meu posto.
Em todas as minhas promoções sucederam-se sempre ‘episódios rocambolescos’ o último dos quais na promoção a Coronel, protagonizado pelo, na altura, General CEME que, a pedido do General Carlos Azeredo ex-Chefe da Casa Militar do ex-Presidente Mário Soares, me retirou da Lista de Promoção do Conselho da Arma de Infantaria, onde estava colocado em 2o lugar, para ser novamente ‘julgado em Conselho Superior de Disciplina do Exército’ pelos mesmos motivos que tinham conduzido à minha ‘absolvição no referido Conselho’, quando era capitão. Fastidioso seria estar a referir aqui o ‘romance’ que foi a minha carreira militar. Acabei por ser promovido em 6o lugar (último da Lista de Promoções de Infantaria em 1995), tendo sido ultrapassado por 4 oficiais que na opinião do Conselho da Arma não tinham nem avaliações nem mérito para o conseguir.”

A este propósito e sem falsas modéstias, mas com muito orgulho, sei que só fui promovido porque o General Cabrinha, na altura comandante da Brigada Mista Independente onde eu era o Comandante do Batalhão de Apoio de Serviços, cargo para o qual tinha sido nomeado por escolha, me considerou o melhor Comandante de Batalhão da Brigada e defendeu a minha promoção junto do General CEME. Posteriormente o General Cabrinha ainda me escolheu, depois de promovido a Coronel, para ir Comandar a Brigada Mista Independente, cargo que não aceitei.
Usando apenas as palavras de José Manuel Pureza também gosto de me ver como um dos “Rebeldes Competentes” que apesar do 25 de Abril, conseguiu chegar a Coronel coisa que não aconteceu a mais nenhum dos que acima referi. Penso, no entanto, que todos eles o poderiam ter feito, eu fui somente o mais persistente.
Esta minha ida a Conselho Superior de Disciplina é a consequência de em 08Nov76 ter sido publicado o “Relatório das Sevícias” elaborado por uma comissão nomeada por Ramalho Eanes, a Comissão de Averiguação de Violências sobre Presos Sujeitos às Autoridades Militares.
A comissão, presidida pelo brigadeiro Henrique Calado, tinha, entre outros, a presença do juiz António Gomes Lourenço Martins e dos advogados Ângelo Vidal de Almeida Ribeiro e Francisco de Sousa Tavares. Pronunciou-se fundamentalmente sobre os factos ocorridos entre 11 de Março e 25 de Novembro de 1975.
Para avaliarmos a “independência” desta comissão bastaria referir que Francisco de Sousa Tavares era o advogado dos elementos do ELP que a RMN tinha detido no 11 de Março. Pezarat Correia afirma em 08Mar21 que esse “Documento de 1976 foi, então, recebido com muitas reservas por membros do CR dada a óbvia intenção de salientar excessos em momentos críticos do PREC mas justificar os do 25 de Novembro.
Mas sobre ele se pronunciaram, de forma incontestável, os signatários do livro ‘O Relatório das Sevícias e a Legalidade Democrática” ao afirmarem e passo a citar: “... ninguém sinceramente democrata, desde o mero cidadão aos que ocupam as altas instâncias do poder, pode deixar de assumir sem alibis nem comércio com o inimigo irredutível da Democracia, uma posição tão firme e coerente, na defesa da Constituição e da legalidade democrática, como a que assumiram, no combate à reacção e ao fascismo, aqueles sobre quem recaiu a responsabilidade histórica de fazer e defender a revolução de 25 de Abril. Estão os signatários firmemente convictos de que não se inserem neste espírito nem respeitam a legalidade constitucional, os projectos de submeter a ‘julgamento administrativo’, com intervenção de Conselhos de Disciplina - sem outro indício que os de um vago relatório cuja inconcludência jurídica lhes parece provada – alguns elementos das Forças Armadas Portuguesas.
... Consideram, além disso, inaceitável que prossiga nessa via – inédita depois do 25 de Abril – enquanto campeiam impunes os provados inimigos da Revolução e do Direito, mesmo aqueles que não recuam perante ... o uso e abuso da calúnia contra personalidades e instituições... perante o incitamento à violência e a prática organizada do terrorismo bombista”.
Foram signatários deste livro os seguintes Professores das Faculdades de Direito de Coimbra e de Lisboa:
- Orlando de Carvalho, Aníbal Almeida, José Joaquim Gomes Canotilho, António José Avelãs Nunes, José Teixeira Martins, Alfredo José Braga de Soveral Martins, José Joaquim Teixeira Ribeiro, José Manuel Merêa Pizarro Beleza, José Manuel Correia Pinto; e os seguintes advogados:
- Duarte Vidal, Vítor Miragaia, Inácio Fiadeiro, Jorge Sampaio, Vasco de Castro, Levy Batista, Luís Azevedo.
A carreira do Corvacho, bem como as do Tenente-Coronel Fonseca, do Major Albuquerque e do Capitão Gonçalves, vêm a ser recompostas com o Decreto-Lei da Assembleia da República que o possibilitou aos Militares de Abril, depois do PPD/PSD ter conseguido aprovar na Assembleia da República a promoção dos Oficiais Milicianos que Sá Viana Rebelo também quis promover, motivo para as primeiras reuniões de protesto de oficiais do QP que conduziram ao 25 de Abril. Em 12 de Agosto de 99 em entrevista ao Jornal Público Melo Antunes lamenta: "Todos os oficiais do Grupo dos Nove foram ostracizados e essa foi a maior responsabilidade de Eanes.” e como se não fosse suficiente acrescenta:
“Uma das críticas maiores que faço ao PS e a Mário Soares é que em nome de uma certa ideia da esquerda pactuaram com tudo isso. Aliaram-se ao que de pior havia nas FA; já se tinham aliado a Spínola e voltaram a fazê-lo. Os spinolistas integram a casa militar do Presidente da República. A culpa não é só do Eanes, mas também do PS.”
Tenho que concordar com ele quando na mesma entrevista ainda afirma:
“Os elementos militares (os Tenentes-coronéis de Novembro) escondiam no fundo uma operação política de enorme envergadura, que era o aniquilamento do 25 de Abril”. O que foi completamente alcançado, diria eu.
Maria Manuela Cruzeiro, na Comunicação que apresentou em 2005 no Colóquio sobre o 25 de Novembro, cita Alberto Seixas Santos no seu filme ‘Gestos e Fragmentos – Ensaio sobre os Militares e o Poder’ e eu vou-me permitir citá-lo também:
“Há uma hábil intenção de apagar os factos, de reduzir a complexidade a um único acontecimento. Farão do 25 de Novembro um feriado celebrando a vitoriosa defesa da Revolução. Sim, misturaram os dados de tal maneira que uma coisa facilmente passa por outra - os culpados por vítimas, as palavras por factos, a propaganda pela realidade”.
Muito a propósito da data de anteontem que muitos continuam a pretender comemorar, não posso deixar de citar Pezarat Correia que em 25Nov de 2019 afirmou:
“Pretendem alguns que, por preconceito, não conseguem rever-se no 25 de Abril, que sem o 25 de Novembro não se teria consolidado a democracia e a liberdade. Falso. A democracia e a liberdade vingaram não por causa do 25 de Novembro, mas apesar do 25 de Novembro. Como apesar do 28 de Setembro, como apesar do 11 de Março.”
E para fechar com ‘chave de ouro’ este texto, quero citar o Ribeiro Cardoso que termina o Capítulo XIV referente ao meu camarada Pardal aqui presente, afirmando que: “A sem vergonha, a mediocridade e a prepotência de muita gente que se julga poderosa e acima da lei são muito maiores que o país...”
Não poderia estar mais de acordo com ele.

Obrigado Ribeiro Cardoso pela herança que deixas aos Militares de Abril e aos Portugueses. Este é, no entanto, o 25Nov de há 49 anos. Sobre o de agora atrever-me-ia a aconselhar-vos, vivamente, a lerdes aquilo que o meu camarada e amigo o Cor Matos Gomes, que aqui virá em 11Dec, escreveu no site:
https://cmatosgomes46.medium.com/os-devoristas-de-novembro-52871481c71d
e ainda
https://cmatosgomes46.medium.com/as-estrelas-do-devorismo-d6291c692ba4

Senhora da Hora, 25 de Novembro de 2023

Castro Carneiro



















Fotografias de Henrique Borges












SINOPSE

«Hoje, nos media, na Assembleia da República e em geral, classifica-se com a maior naturalidade, este ou aquele militar ou político como moderado ou extremista. É à vontade de cada um. Sem a mínima preocupação de respeitar a verdade e/ou sem se basear em factos concretos. Mas isto faz-se, estou em crer, com objetivos claros…
Porém, aqui chegado, um alerta: o tema-base deste livro não é, no fundamental, o 25 de novembro – mas o que aconteceu de imediato, após essa data, prolongando-se ao longo de anos.
[…] é justo sublinhar que alguns dos principais interve­nientes ativos no 25 de novembro, nomeadamente militares que pertenceram ao chamado Grupo dos Nove, já vieram contar em público, e nalguns casos com pormenor e acerto, o que se passou antes e depois do 25 de Novembro.
São testemunhos valiosos que, lidos com um mínimo de atenção, contrariam a memória coletiva ainda hoje domi­nante.»










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