Apresentação de O MUNDO VELHO ESTÁ A MORRER O NOVO AINDA NÃO NASCEU. ESTE É O TEMPO DOS MONSTROS. APONTAMENTOS PARA TENTAR COMPREENDER A GUERRA NA UCRÂNIA
O MUNDO VELHO ESTÁ A MORRER.O NOVO AINDA NÃO NASCEU.
Esgotadas as três primeiras edições, vamos ter na UNICEPE o professor António Avelãs Nunes a apresentar a 4ª edição do livro "O MUNDO VELHO ESTÁ A MORRER. O NOVO AINDA NÃO NASCEU. ESTE É O TEMPO DOS MONSTROS. APONTAMENTOS PARA TENTAR COMPREENDER A GUERRA NA UCRÂNIA".
Profundo estudo do professor Avelãs Nunes (https://www.fd.uc.pt/~anunes/trabalhos.html) sobre as causas e o desenvolvimento da guerra na Ucrânia, revelando-nos inúmeros dados e testemunhos que a "comunicação social" oculta ou deturpa.
Meros exemplos:
p.317 (Noam Chomsky):
"Nestes dias que correm, os EUA ocupam território da Síria (não é apenas a Rússia que ocupa território de um país soberano contra a vontade do governo desse país!), tendo escolhido a região em que se extrai a maior parte do petróleo sírio e em que se produz a maior parte do trigo que alimenta o povo sírio. Os EUA vêm roubando o pão ao povo sírio e persistem no crime desde 2011. Por conhecer esta paixão dos dirigentes dos EUA pelos povos mais pobres é que, no México, se inventou, para justificar as suas desgraças, a famosa sentença: tão longe de deus e tão perto dos EUA..."
p.333 e seguintes:
"Em Dezembro de 2019, a Administração Trump impôs sanções unilaterais a todos os que colaborassem com os ‘criminosos’ construtores de gasodutos na Europa, procurando, por todos os meios, impedir a conclusão do Nord Stream 2.
Oportunisticamente, para tentar melhorar as relações com a Alemanha (degradadas no tempo de Trump), a Administração Biden suspendeu essas sanções. Mas, ainda antes da invasão da Ucrânia, elaborou um plano de sanções económicas severas contra a Rússia, orientadas para o sector energético, com o objectivo de impedir o fornecimento de gás russo à Europa através do Nord Stream 2, ao mesmo tempo que, num gesto de grande ‘solidariedade’, anunciou a disponibilidade dos EUA para aumentar a venda de gás natural líquido à UE, a preços muito superiores aos do gás russo.
Os EUA/NATO nunca responderam às propostas de paz da Federação Russa e boicotaram todas as tentativas de evitar a guerra, nomeadamente por parte de Macron e de Scholz. Todos sabiam, por isso, que a guerra não tardaria. A Alemanha (tendo consigo uma parte da UE) insistia em pôr a funcionar o gasoduto Nord Stream 2 e defendia que o gás e o petróleo deveriam ficar fora do âmbito das sanções.
Numa conferência de imprensa realizada em 26-1-2022, a Secretária de Estado Adjunta Victoria Nuland deixou cair esta ‘bomba’: o Nord Stream 2 não avançará se a Rússia invadir a Ucrânia ( ). Talvez por isso e acreditando que a guerra era inevitável, o Chanceler Olaf Scholz deslocou-se a Washington em viagem oficial (7-2-2022) para tentar fazer compreender ao ‘grande aliado’ o interesse da Alemanha (e da Europa) na manutenção do fornecimento do gás russo através dos gasodutos Nord Stream. Numa conferência de imprensa, perante as TVs de todo o mundo, uma jornalista questionou Biden sobre os gasodutos Nord Stream. Biden respondeu de modo arrogante, comportando-se como dono da Europa, sem o mínimo respeito (nem sequer salvaguardando o decoro diplomático), humilhando o seu hóspede: «se a Rússia invadir a Ucrânia, o Nord Stream 2 deixará de existir. Vamos acabar com ele.» A jornalista, espantada, perguntou: «Mas como vai fazer isso? O projecto está sob controlo alemão, não está?» Biden não hesitou: «Prometo-vos que seremos capazes de o fazer.» ( ) A jornalista deu ao chanceler alemão a oportunidade de responder, mas ele fugiu à questão. Biden anunciou, deste modo, que estava iminente a guerra para eliminar os gasodutos inimigos.
Comenta o alemão Hans-Jürgen Geese: «O homenzinho [Olaf Scholz] não protestou, ficou ali e ouviu atentamente as ordens que estavam a ser emitidas. Nenhuma objecção. Nenhum protesto. [...] Ou não reparou ou não quis admitir que naquele momento a América tinha declarado guerra ao povo alemão.» [sublinhado meu. AN]
Dizendo o mesmo (creio eu) por outras palavras: ficou claro que a guerra que se aproximava (os EUA/NATO trabalharam e investiram muito para que ela acontecesse!) era uma guerra contra a Rússia, mas também uma guerra contra a Alemanha e contra a Europa.
Pergunta Geese [eu é que sublinho. AN]: «O que deveria ter dito o Chanceler?» Esta foi a sua sugestão: «Senhor presidente, estou chocado com as suas palavras. Está a dizer que está preparado para pôr em perigo a subsistência do nosso povo, sem o consentimento das pessoas em causa, a fim de fazer avançar os seus interesses? Se for este o caso, então devo encurtar imediatamente a minha visita e deixar o vosso país. Tomo a sua declaração como uma declaração de guerra. Como se atreve sequer a fazer tal ameaça? Quem lhe dá o direito de o fazer? Os americanos voltaram a tornar-se megalómanos? Tenho vergonha do vosso país, que supostamente apoia a liberdade, a autodeterminação e a democracia. Que montanha de mentiras. Que atrevimento! Que arrogância! Isto é tudo o que tenho a dizer à vossa perfídia ultrajante. Bom dia! Em seguida, levantava-se e retirava-se. O homem teria ficado na História. Os alemães ter-lhe-iam dado uma recepção de herói quando chegasse a Berlim. E os americanos teriam pensado duas vezes em realizar realmente este acto de loucura.» Digo eu: Sr. Geese, o homenzinho não tem estatura para tanto...
Hans-Jürgen Geese tem razão: o silêncio de Scholz mostra que «a Alemanha é uma colónia dos EUA.» Na verdade, 77 anos depois da derrota do nazi-fascismo, a Alemanha continua a ser uma colónia dos EUA, um país de soberania limitada, militarmente ocupado pelos EUA (40 mil soldados americanos permanecem nas várias bases em solo alemão, o maior número de ‘soldados ocupantes’, a seguir ao Japão).
Perante a humilhação que Biden infligiu a Scholz, Seymour Hersh disse a Alexander Zevin: «se eu fosse deputado no Bundestag, teria requerido uma audição pública no Parlamento para perguntar ao Governo de Scholz o que sabia sobre os planos americanos, dado que desde Janeiro e Fevereiro havia referência a eles.» ( ) Mas Hersh não é deputado no Parlamento alemão. Se o fosse, talvez não conseguisse os esclarecimentos que pretendia. O que é dramático é que, perante a declaração de guerra de Biden, a Alemanha e a ‘Europa’ meteram o rabo entre as pernas e entregaram-se ao ‘inimigo’ (que não está nas estepes russas, mas do outro lado do Atlântico). Neste tempo em que tanto se valorizam os direitos dos animais (desvalorizando-se, simultaneamente, os direitos das pessoas), eu direi que os cágados merecem ser tratados como cágados.
p.418 e seguintes ((Noam Chomsky, Freitas do Amaral, Papa Francisco):
Depois do que já disse nas páginas que antecedem, não vale a pena alongar-me em comentários a este discurso esquizofrénico de um presidente americano que parece ter perdido o controlo sobre o que diz, um discurso ofensivo da inteligência de quem o ouve ou lê. Como explica este senhor o bombardeamento da Síria por aviões dos EUA, por ordem dele, sem nenhuma razão, pouco depois de ter tomado posse? Como explica que tropas dos EUA continuem a ocupar território sírio para roubar petróleo e trigo que pertence à Síria? Contra o que todo o mundo pode verificar, com que desfaçatez diz que ninguém ameaçou a Rússia? Quem violou compromissos assumidos perante todo o mundo e fez avançar a NATO até às fronteiras da Rússia? O que fariam os EUA se a Rússia instalasse armas deste tipo no Canadá, no México, ou em Cuba? Freitas do Amaral disse que, perante a provocação dos EUA/NATO à Rússia, a integração da Crimeia na Federação Russa era de esperar. Noam Chomsky diz que os EUA têm passado a vida a atacar os outros. O Papa Francisco diz que andaram a ladrar às portas da Rússia. O Secretário-Geral da ONU reconheceu que a Rússia tem razões de queixa... Como é possível levar a sério gente como Joseph Biden? Dizia-se que Trump mentia não sei quantas vezes por dia. Biden é menos prolixo. Mas diz mentiras do tamanho do mundo...
Àqueles que querem explicar tudo com o argumento de que Putin é um criminoso, o Professor Chomsky responde deste modo: «quando as pessoas do Sul Global ouvem isto, não sabem se devem rir-se ou se devem ridicularizar a situação. Temos criminosos de guerra a circular por toda a cidade de Washington.» E, recordando o bombardeamento do Camboja (metralhar «tudo o que se move») e o derrube de Salvador Allende, esclarece que Henry Kissinger [que ainda está vivo!] «é, provavelmente, o maior criminoso de guerra dos tempos modernos.»"
pág. 451 e seguintes:
"Os leitores já estão cansados de tanta guerra. E eu vou terminar, para não ficar também prisioneiro dela. O que me motivou a escrever este texto não foi qualquer ideia de defender Putin e os oligarcas que o apoiam e que ele apoia. Ao cabo e ao resto, a política da Rússia é hoje controlada, no fundamental, por um pequeno núcleo de gente corrupta, enriquecida à custa da pilhagem da riqueza acumulada por gerações de trabalhadores da Federação Russa e da URSS. Entendo que a Rússia não é um país democrático, mas tenho de dizer que, na minha opinião, muitos outros países que se dizem ‘democráticos’ estão longe de o ser...
Não tenho igualmente nenhuma razão para defender Zelensky e o seu governo (responsável por políticas claramente inspiradas na ideologia nazi-fascista), nem a oligarquia igualmente corrupta e criminosa que, desde a independência, tomou conta da Ucrânia, fazendo dela talvez o país mais pobre da Europa (o único país do mundo em que, para vergonha de todos nós, floresce e paga impostos a ‘indústria’ das barrigas de aluguer) e um dos países mais corruptos do mundo. Os fumos de corrupção já vêm de longe, atingindo o próprio Zelensky. Mas a guerra é sempre um terreno favorável aos corruptos.
E também não se trata de defender a guerra e muito menos a continuação da guerra, desta guerra louca, como lhe chamou o Papa Francisco. É o que ouço às pessoas comuns entrevistadas na rua, nas cidades e nas aldeias da Ucrânia: quase todas exprimem o desejo e a esperança de que a guerra acabe depressa. Bem gostaria que assim acontecesse. Mas a verdade é que Joe Biden avisou, logo no início, que era necessário estarmos preparados para uma longa luta. E a minha convicção (que me parece justificada pelo que digo ao longo destes Apontamentos) é a de que os EUA sempre desejaram isso mesmo: uma guerra prolongada, para enfraquecer a Rússia, para esgotar os seus recursos, para minar as suas Forças Armadas, para correr com Putin e substituí-lo por um qualquer Yeltsin II. E, para mal dos ucranianos, Zelensky e a sua gente mais parecem agentes dos EUA/NATO do que representantes do seu povo: reconhecem que estão a cumprir uma missão da NATO e aceitam que o povo ucraniano sofra e morra (porque os americanos e os europeus ‘amigos da Ucrânia’ não querem morrer nesta guerra desencadeada pelos EUA/NATO). Carlos Matos Gomes tem razão: «a Ucrânia é hoje um estado que serve os EUA como o Grupo Wagner serve a Rússia.»"
