2017-09-13, quarta-feira, 19h30:

      173º Jantar de Amizade UNICEPE, com Eduardo Falcão: "Toda a gente virou fadista" - Ressonâncias da patrimonialização do fado na cidade do Porto.





          Ementa: sopa de legumes, saladas variadas, arroz de tamboril + vitela assada, vinho verde branco, vinho maduro branco e tinto, refrigerantes, águas, cerveja, sobremesas variadas, vinho do Porto POÇAS. Preço: 15,00 €.
          Inscrições antecipadas, por favor o mais rápido possível por Unicepe@net.novis.pt



          Às 21h30, com entrada livre, tertúlia.
                Em 27 de Novembro de 2011, o fado foi classificado como Património Cultural Imaterial da Humanidade pela UNESCO. Esta classificação fortaleceu o apoio institucional para a tradição do fado, principalmente em Lisboa.

                Neste 173º Jantar, o investigador apresentará os principais resultados da investigação em etnomusicologia em que examinou criticamente os impactos desta institucionalização e as consequências do processo de patrimonialização numa perspetiva local. A investigação foi desenvolvida a partir de um trabalho de campo realizado entre 2015 e 2016 em comunidades praticantes de fado da cidade do Porto.

                Desde dezembro de 2014, Eduardo Falcão tem tocado assiduamente na Roda de Choro Unicepe.


          Eduardo Falcão é mestre em História e Património na Faculdade de Letras da Universidade do Porto. É licenciado e bacharelado em História pela Universidade Estadual de Campinas em São Paulo, Brasil. Possui especialização em violão na Escola de Música do Estado de São Paulo. Os seus interesses de investigação incluem música e pós-colonialismo; a invenção e representação da tradição; e os processos culturais transnacionais em contexto de globalização. Participou do projeto de publicação da edição em português da Coleção História Geral da África da UNESCO.

          Eduardo Falcão holds a Master degree in History and Heritage from Faculdade de Letras da Universidade do Porto, Portugal. He holds a bachelor's degree in History from Universidade Estadual de Campinas in São Paulo, Brazil. He has a specialization in classical guitar at the Escola de Música do Estado de São Paulo. His research interests include music and post-colonialism, the invention and representation of tradition and transnational cultural processes in the context of globalization. He participated in the publication project of the portuguese edition of the General History of Africa Collection of UNESCO.


          Vivemos num mundo de identidades e fronteiras fluidas

          Vindo de São Paulo, Brasil, cheguei a Portugal em junho de 2014. A crise global do capitalismo financeiro que, desde 2008, abalou fortemente a zona euro reforçou o discurso estereotipado entre uma Europa do Norte e uma Europa do Sul. Este abalo questionou fortemente as premissas da União Europeia e, durante a realização desta investigação, a Grécia realizou um plebiscito e quase saiu da União Europeia. Neste sentido, a europeização dos problemas globais provocou uma instabilidade na União Europeia que está a requerer novas formas de políticas e negociações entre os Estados-nações europeus e a União Europeia. As teorias da globalização que ressaltam a mobilidade e os fluxos culturais através da circulação de capital, produtos, ideias, imagens e pessoas, alardeavam um enfraquecimento do Estado-nação. Contudo, embora as políticas supranacionais mantenham a sua força, os tempos atuais contradizem em parte esse argumento e promovem o fortalecimento da intervenção do Estado. Na área da cultura, isto é visível através de políticas públicas que procuram estimular uma valorização da identidade nacional e local. Na nova Europa do século XXI, com a eliminação das fronteiras nacionais para a criação do espaço Schengen, parecia que as diferenças culturais nacionais seriam diluídas, e haveria uma maior mistura entre as nações. No entanto, os países que fazem parte da União Europeia diante da ausência de fronteiras económicas e políticas definidas estão a procurar reafirmar as suas diferenças culturais locais, como forma de manter uma fronteira cultural. Isto, por sua vez, tem difundido um renascimento das unidades nacionais, com ênfase na identidade cultural associada à antiga unidade nacional histórica. Deste modo, as músicas tradicionais de cada país passaram a desempenhar novos papéis diante deste mundo globalizado. A interação entre o novo "nacionalismo" europeu e as músicas tem-se mostrado uma força permanente na construção da nova Europa.
          É perante este contexto global, mas também especificamente europeu, que Portugal acompanha o discurso de valorização das culturas históricas locais e nacionais. A globalização produz este "efeito de contestar e deslocar as identidades centradas e «fechadas» de uma cultura nacional".
          E, como resposta a este descentramento, o Estado-nação está a cumprir o papel de reforçar as identidades através de mecanismos pelos quais a identidade cultural é fortalecida, como por exemplo, através das normativas sobre património cultural. Assim, após um longo processo de revivificação musical, iniciado em 1994, o género musical do fado foi classificado, em 2011, como Património Cultural Imaterial da UNESCO. Isto posto, nesta investigação problematizo o processo de patrimonialização do fado como estudo de caso, com o objetivo de refletir sobre os impactos e os usos contemporâneos das músicas tradicionais quando classificadas como património.



          (...) O período de interação e de aprendizado junto dos fadistas do Porto foi fundamental para uma maior compreensão do fado enquanto género musical e prática musical cotidiana. A troca de conhecimentos musicais e de experiências em tertúlias enriqueceram e propiciaram uma nova visão do universo fadista, e, desta forma, permitiram uma diferente perspetiva do fado divulgado através das media, das indústrias fonográficas e da história difundida pelo Museu do Fado.

          O universo do fado vadio do Porto, embora não contemplado diretamente pelas políticas de patrimonialização, tem-se apropriado à sua maneira da noção do fado como património e incentivado a participação de novos públicos e novos praticantes. Se parte dos fadistas e músicos do universo vadio, almejam a profissionalização, existe igualmente os que não trocam este universo vadio pela prática profissional das casas de fado. Para eles, o "fado acontece" verdadeiramente nestas tascas, que se transformam em locais privilegiados de catarse, onde são vividos e partilhados afetos.

          Esta investigação não procurou ser exaustiva, nem quantitativa, em relação ao universo do fado de toda a área metropolitana do Porto. O caminho foi outro, procurei estreitar os laços com os fadistas com quem me cruzei durante as tertúlias, o que propiciou uma análise mais compreensiva e qualitativa das consequências da patrimonialização. Alguns dos fadistas e músicos contactados continuavam com dúvidas em relação ao fato e significado do fado estar na lista do PCI. Ao descobrirem que investigava sobre os impactos e os significados da patrimonialização, mostravam-se interessados e aguardavam pela minha resposta sobre o que significa o processo de patrimonialização. Entretanto, uma interpretação da patrimonialização do fado, como um processo completo, exige a colaboração de outras investigações, e a análise de outros temas sobre o processo. O que procurei ao longo deste trabalho, portanto, foi analisar alguns dos múltiplos significados que a patrimonialização suscitou. Ao apresentar as duas categorias de efeitos da patrimonialização - o prestígio e a economia do fado - como os mais significativos da patrimonialização do fado na cidade do Porto, pretendo enriquecer o debate sobre os impactos que esta nova forma de produção cultural, a criação de patrimónios, opera direta e indiretamente sobre um género musical.

          Tese de mestrado de Eduardo Falcão

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