Ontem tarde um homem das cidades ( ) falava comigo ( ),
Falava da justi a e da luta para haver justi a ( )
E do trabalho constante
Assim expressa Alberto Caeiro a sua perplexidade perante um mundo sempre em luta pela justi a, enquanto vai cometendo o seu contr rio. Se o in cio do s culo XX constituiu um dos momentos mais paradoxais da variada hist ria deste conturbado continente - encontrando-se a Europa no apogeu do seu poderio, os europeus repartiam o mundo com os imp rios coloniais, n o esque amos, a civiliza o europeia era o modelo a seguir; o s c. XIX trouxera o bem-estar e o progresso cultural. As descobertas da ci ncia prolongavam a vida, a t cnica tornava-a mais c moda. Acabara-se a pen ria do princ pio do s culo, sindicatos e partidos socialistas lutavam por um m nimo de prote o. As mulheres acabariam por ter acesso educa o.
Seria certo, os povos da R ssia e do imp rio austro-h ngaro careciam de liberdade pol tica, beneficiando no entanto de uma administra o razoavelmente organizada. Os povos europeus nunca tinham vivido melhor que no in cio do s culo XX.
Dali a quarenta e cinco anos, a mesma Europa encontrava-se em escombros: sob ru nas fumegando, jaziam setenta milh es de mortos. Os c es da guerra haviam sido deixados solta, desencadeara-se a autodestrui o. Jamais a carnificina atingira o n vel estonteante dos anos entre 1914 a 1945, apesar da relativa acalmia entre as duas guerras. Porque se fora t o longe? Porque um louco tomara as r deas do poder e declarara guerra; abrira-se a caixa de Pandora: a partir da s restava observar com espanto a evolu o de situa es, sempre da pior maneira poss vel. A Primeira Guerra foi a primeira cat strofe do s culo XX, dela partiram todas as ondas de choque da barb rie que fez das d cadas seguintes uma era de tirania e assass nios em massa.
E afinal tudo come ara quando, em Junho de 1914, o s rvio Gavrilo Princip matara o pr ncipe herdeiro austr aco e sua mulher, quando se encontravam de visita a Sarajevo. Todos sabemos isto, crescemos a l -lo em v rios suportes. Dado que n o poderia haver culpados, surgiam v timas surpreendidas Influenciara-se a opini o p blica inglesa, como agora se influenciam v rias opini es, na tentativa de evitar culpados. E avan ando, saltando charcos: a ustria fora empurrada para uma declara o de guerra imediata, exatamente um m s depois do atentado.
A carnificina disfar ada de guerra que haveria de seguir-se foi vivida numa fus o do indiv duo com o coletivo, aliviando a rotina de uma sociedade industrial, numa altura em que ainda se n o conhecia o progresso t cnico do armamento. A Primeira Guerra foi uma chacina com artilharia e metralhadoras disfar ada de guerra, enquanto se perdiam milhares de soldados; entre os que escaparam, um estafeta chamado Adolf Hitler: iniciaria uma dramaturgia wagneriana, tornara-se o encenador do espet culo observado com muitos outros - o brilho do fogo de artilharia, durante anos, nas trincheiras.
A Primeira Guerra Mundial a m e da revolu o russa, revolu o burguesa que eclodiu entre 8 e 14 de Mar o de 1917 (espantosa a coincid ncia de datas), em Petrogrado, designa o de ap s guerra
Haveria tanto a dizer Mas n o direi. A atualidade estabelece pontos de contacto com acontecimentos e individualidades mortas e aparentemente votadas ao esquecimento; que fiquem em paz.
Talvez a Ucr nia, daqui a vinte anos, festeje um passado de resist ncia, qui de supremacia, orgulhosa de ter feito recordar a grandes pot ncias o perigo do luto ingl rio de entre 1914-1945, numa poca em que a intelligentsia se reduz banalidade, a lugares-comuns.
E se apagasse este texto? Duas semanas de guerra insana em direto constituem formid vel lavagem ao c rebro. Todavia, perante a perplexidade de sumidades da pol tica apanhadas entre dois fogos, registando cartilha que n o devem nem podem abjurar, serei condescendente comigo mesmo, decido publicar: enfileiro no grupo dos inocentes de todos os tempos L vamos, cantando e rindo , levados pelo som tremendo das tubas, clangor sem fim
Aben oada seja a mem ria que nos possibilita a ironia em rela o a todas as coisas, at sobre o sofrimento alheio ou pr prio Sabemos que o mundo ser sempre igual a si mesmo.
IMPORTA AMAR, O RESTO DESTRUI O E MEDO.
22-03-12