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Salgueiro
Por Miguel Boiero




“O Abade de Santa Eulália, quando alguém se dizia regalado com a frescura do salgueiral, declamava um trecho das Éclogas em que havia sálices”. Para me inspirar, tirei este niquinho de prosa das “Novelas do Minho” onde Camilo Castelo Branco” faz várias referências a salgueiros. O livrinho, em 2ª edição, foi adquirido na feira de antiguidades de Ferreira do Zêzere, tendo sido editado no ano de 1903 para ser vendido pelo módico preço de 200 réis. Paguei-o agora por cerca de 200 mil réis (1 euro), uma verdadeira “fortuna”, se somente atendermos à expressão nominal do valor monetário. Camilo foi um notável autor compulsivo que escrevia, escrevia sem parar. São conhecidos mais de oitenta romances deste genial escritor e vale a pena ler e reler as suas obras para compreender como se comportava a sociedade portuguesa nos fins do século XIX e compará-la com a de hoje. A sua vida aventurosa, envolta em polémicas, terminou num dramático suicídio em 1890. Cabe ainda anotar que, presumivelmente mesmo depois de morto, segundo a doutrina espírita Allan Kardec, fez sair mais um avantajado romance, o qual teria sido enviado mediunicamente e psicografado em esperanto pela brasileira Yvonne A. Pereira. O título desta hipotética obra tem o sugestivo nome de “Memoraĵoj de Sinmortiginto”, ou seja, “Memórias de um Suicida”.

Fica apenas esta espantosa curiosidade mas, vamos lá ao salgueiro, uma das plantas mais interessantes no tocante à fitoterapia aplicada. Na família das Salicaceae e no género Salix, contam-se cerca de 400 espécies que medram no continente europeu, com exceção das regiões nórdicas. Crescem em várzeas húmidas à beira dos cursos de água e dos pântanos onde hibrida facilmente desdobrando-se em diferentes exemplares. Em Portugal temos predominantemente o salgueiro-branco (Salix alba), o salgueiro-negro (Salix atrocinerea) e o salgueiro-chorão (Salix x chrysocoma). O salgueiro-branco é o que detém mais propriedades medicinais e, por isso, vamos abordá-lo em pormenor. Acrescenta-se, no entanto, uma alusão breve ao chorão, espécie híbrida, muito divulgada nos jardins urbanos pela sua beleza, mas creio que talvez não integre o tal salgueiral aludido por Camilo. Diremos apenas que é uma espécie voraz, cujas raízes, na incessante procura de água, entopem frequentemente os bebedouros dos espaços ajardinados.

O salgueiro-branco é de crescimento rápido e pode atingir 20 metros de altura. Possui tronco com casca castanha e escamosa, ramos finos, esverdeados, flexíveis e tenazes e copa aberta que proporciona ambientes frondosos. As folhas, de cor cinzenta-prateada, são lanceoladas, estreitas, serrilhadas e alternas, providas de pequenos pelos brancos e sedosos. A espécie é dioica, o que significa que as árvores estão separadas por sexos. As flores surgem em amentilhos carregados de pólen e néctar, no que respeita aos exemplares masculinos, atraindo as abelhas para a polinização. Já as flores femininas, depois de polinizadas dão origem a minúsculas sementes revestidas de penugem lanosa que se dispersam pelo vento. No entanto, a sua dormência é de curta duração, pelo que a propagação é fundamentalmente feita por estacaria. As raízes são muito extensas. O prestígio do salgueiro, como planta curativa, advém da antiguidade clássica. Hipócrates, o pai da medicina, recomendava o pó amargo extraído da respetiva casca para aliviar dores e atenuar febres.

A salicina, substância obtida da casca, possui propriedades analgésicas, adstringentes, anti-inflamatórias e antipiréticas. Dessa substância extrai-se laboratorialmente a salicilina que é o ingrediente ativo da aspirina (ácido acetilsalicílico).

Ninguém melhor que o meu saudoso amigo José Salgueiro (reparem no apelido) para indicar mezinhas baseadas nesta árvore benfazeja. Com a devida vénia, retirámos do seu livro “Ervas, Usos e Saberes”, duas das suas receitas:

- Para a anemia, reumatismo, febre, menstruações dolorosas, nervos e gota usa-se internamente a infusão de 50 g das folhas para 1 litro de água;
- Para feridas, leucorreia, úlceras cutâneas, dores e gangrenas, usa-se externamente para lavagens a fervura de 2 g da casca pulverizada, 3 a 4 vezes ao dia.

No que respeita à vasta utilização do salgueiro desde tempos ancestrais, menciono, por mera curiosidade que o pai da minha esposa, canastreiro de profissão, preferia sempre os ramos mais grossos de salgueiro, ao invés dos de acácia, para dar consistência firme e duradoura às canastras que, na minha região, serviam principalmente para acarretar o sal das marinhas. Eram, sobretudo essenciais para armar as costaneiras, vértebras dorsais dos vasilhames.

Agosto de 2024

Miguel Boieiro



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