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Handal
Por Miguel Boiero




Alguns, muito poucos, órgãos de comunicação avisaram que o navio “Handala” iria atracar em Lisboa no dia 3/7/2024, no seguimento de uma digressão em flotilha sob o lema “Para as Crianças de Gaza”, a fim de estimular a população europeia a tomar posição construtiva face à guerra dramática que ocorre na Palestina, sobretudo em Gaza, cujas crianças indefesas constituem quase metade da população do território. O nome Handala é originário de um desenho animado criado pelo cartunista Naji al- Ali que retrata uma criança denominada Handal, virada de costas e de mãos atadas. A difusão dessa imagem constitui, desde 1969, um símbolo político do povo palestiniano. Ora Handala, ou Handal, vem de uma determinada planta que cresce em solos arenosos e áridos dos países árabes, cuja característica é a sua enorme resistência, pois tem artes de medrar mesmo depois de arrancada.

Como bem sabem os habituais leitores das minhas croniquetas de fitoterapia, só abordo espécies botânicas que conheço, nem que seja apenas visualmente. Neste caso, vasculhando os sótãos da memória, dei-me conta, que já me relacionei com tal planta.

Foi há anos, quando numa fugaz paragem na Jordânia, visitei as ruínas de Petra, ex-libris turístico do país. Perante a espantosa cidade pré-histórica, escavada e esculpida nos rochedos, ninguém fica indiferente, não sobrando tempo, nem disposição, para observar algo mais. No entanto, este cronista, por vício assumido, relançou o seu olhar para a parca vegetação que timidamente surtia das escarpas rochosas e eis que se deu conta de umas pequenas “melancias” que escorregavam nos pedregosos declives. Seriam mesmo melancias? Não! - respondeu-me um guia local – e são venenosas! Nunca mais me debrucei sobre a referida planta que, de resto, não existe em Portugal, até que agora, surgiu a oportuna ocasião.

Trata-se da Citrullus colocynthis, herbácea da família das Cucurbitaceae, como pude comprovar. Dá por variados nomes populares que, para além de handal, podem ser alhandal, tuera, coloquintídeo, coloquinte, colocinto…

É trepadeira com caule áspero e peludo provido de gavinhas que lhe permitem alastrar, agarrando-se vigorosamente a pedras e arbustos. Possui folhas alternas, palmadas, lobadas com compridos pecíolos. As flores são solitárias, e têm cinco pétalas de amarelo claro bem pedunculadas. A espécie é monoica, como acontece com outras cucurbitáceas, (vidu abóboras, em anterior croniqueta), o que significa que há flores masculinas e fores femininas separadas. Os frutos são esféricos, verdes listados de amarelo, assemelhando-se a pequenas melancias, como acima ficou dito. As raízes são pujantes e perenes alcançando grande fundura em busca de alguma humidade. É extremamente difícil extirpá-las por completo. Acaba por restar sempre um minúsculo raizame que permite o seu renovado restabelecimento.

A planta resiste admiravelmente à seca severa e à salinidade e vem daí, julgo, a curiosa ligação à tenaz resistência do povo palestiniano, perante as adversidades de que é alvo.

A handal é localmente classificada como espécie medicinal, mormente para uso externo, já que para uso interno, a sua ingestão torna-se perigosa por constituir um purgativo violento que, em altas doses, pode levar à morte. Propriedades apuradas: laxante (em reduzida e vigiada dose), anti- reumática, antihelmíntica, anti-inflamatória, antidiabética, antioxidante, diurética.

É apontada como eficaz em infeções da pele, no combate à sarna e no alivio das picadas de insetos.

A despeito da polpa dos frutos ser muito amarga e venenosa, contendo alcaloides, as pevides são comestíveis após devidamente torradas. Elas possuem entre 20 e 30% de óleo, glicosídeos e saponinas. A farinha das sementes é rica em micronutrientes e estimula a insulina.

O óleo pode constituir matéria-prima para biocombustíveis e ser destinado ao fabrico de sabões.

E pronto! Eis o que apurei desta curiosa herbácea que reforça a minha convicção de que todas as plantas são úteis, só que, em algumas, não se detetaram ainda os seus préstimos. À handal, não fora os usos assinalados, bastaria constituir um forte símbolo de resistência, para se tornar uma planta deveras importante.

Julho de 2024

Miguel Boieiro



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