Alguns, muito poucos, órgãos de comunicação avisaram que o navio
“Handala” iria atracar em Lisboa no dia 3/7/2024, no seguimento de uma
digressão em flotilha sob o lema “Para as Crianças de Gaza”, a fim de
estimular a população europeia a tomar posição construtiva face à guerra
dramática que ocorre na Palestina, sobretudo em Gaza, cujas crianças
indefesas constituem quase metade da população do território. O nome
Handala é originário de um desenho animado criado pelo cartunista Naji al-
Ali que retrata uma criança denominada Handal, virada de costas e de mãos
atadas. A difusão dessa imagem constitui, desde 1969, um símbolo político
do povo palestiniano. Ora Handala, ou Handal, vem de uma determinada
planta que cresce em solos arenosos e áridos dos países árabes, cuja
característica é a sua enorme resistência, pois tem artes de medrar mesmo
depois de arrancada.
Como bem sabem os habituais leitores das minhas croniquetas de
fitoterapia, só abordo espécies botânicas que conheço, nem que seja apenas
visualmente. Neste caso, vasculhando os sótãos da memória, dei-me conta,
que já me relacionei com tal planta.
Foi há anos, quando numa fugaz paragem na Jordânia, visitei as ruínas de
Petra, ex-libris turístico do país. Perante a espantosa cidade pré-histórica,
escavada e esculpida nos rochedos, ninguém fica indiferente, não sobrando
tempo, nem disposição, para observar algo mais. No entanto, este cronista,
por vício assumido, relançou o seu olhar para a parca vegetação que
timidamente surtia das escarpas rochosas e eis que se deu conta de umas
pequenas “melancias” que escorregavam nos pedregosos declives. Seriam
mesmo melancias? Não! - respondeu-me um guia local – e são venenosas!
Nunca mais me debrucei sobre a referida planta que, de resto, não existe em
Portugal, até que agora, surgiu a oportuna ocasião.
Trata-se da Citrullus colocynthis, herbácea da família das Cucurbitaceae,
como pude comprovar. Dá por variados nomes populares que, para além de
handal, podem ser alhandal, tuera, coloquintídeo, coloquinte, colocinto…
É trepadeira com caule áspero e peludo provido de gavinhas que lhe
permitem alastrar, agarrando-se vigorosamente a pedras e arbustos. Possui
folhas alternas, palmadas, lobadas com compridos pecíolos. As flores são
solitárias, e têm cinco pétalas de amarelo claro bem pedunculadas. A
espécie é monoica, como acontece com outras cucurbitáceas, (vidu
abóboras, em anterior croniqueta), o que significa que há flores masculinas e
fores femininas separadas. Os frutos são esféricos, verdes listados de
amarelo, assemelhando-se a pequenas melancias, como acima ficou dito. As
raízes são pujantes e perenes alcançando grande fundura em busca de
alguma humidade. É extremamente difícil extirpá-las por completo. Acaba
por restar sempre um minúsculo raizame que permite o seu renovado
restabelecimento.
A planta resiste admiravelmente à seca severa e à salinidade e vem daí,
julgo, a curiosa ligação à tenaz resistência do povo palestiniano, perante as
adversidades de que é alvo.
A handal é localmente classificada como espécie medicinal, mormente para
uso externo, já que para uso interno, a sua ingestão torna-se perigosa por
constituir um purgativo violento que, em altas doses, pode levar à morte.
Propriedades apuradas: laxante (em reduzida e vigiada dose), anti-
reumática, antihelmíntica, anti-inflamatória, antidiabética, antioxidante,
diurética.
É apontada como eficaz em infeções da pele, no combate à sarna e no alivio
das picadas de insetos.
A despeito da polpa dos frutos ser muito amarga e venenosa, contendo
alcaloides, as pevides são comestíveis após devidamente torradas. Elas
possuem entre 20 e 30% de óleo, glicosídeos e saponinas. A farinha das
sementes é rica em micronutrientes e estimula a insulina.
O óleo pode constituir matéria-prima para biocombustíveis e ser destinado ao
fabrico de sabões.
E pronto! Eis o que apurei desta curiosa herbácea que reforça a minha
convicção de que todas as plantas são úteis, só que, em algumas, não se
detetaram ainda os seus préstimos. À handal, não fora os usos assinalados,
bastaria constituir um forte símbolo de resistência, para se tornar uma planta deveras importante.
Julho de 2024
Miguel Boieiro
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