 por Roberto Merino
Dado a devoção do povo chileno pela Virgem do Carmelo, ela passou a ser invocada nas etapas mais importantes da história do país, e de forma muito especial na luta pela Independência Nacional, quando a sua maternal intervenção foi muitas vezes invocada. A Virgem da Tirana A celebração da Virgem de La Tirana celebra-se anualmente na Região de Tarapacá, sendo uma das mais importantes do norte do país. De origem colonial, a festividade em homenagem à Virgem que se encontra no povoado de mesmo nome tem fortes influências andinas, apresentando confraternizações de dança semelhantes às dos povos vizinhos do altiplano boliviano, como as Diabladas ou Morenadas (figuras mascaradas). A festividade adquiriu um novo caráter no final do século XIX, por ocasião da Guerra do Pacífico (1879/1884) e da incorporação do território de Tarapacá no Chile. Hoje a festa de La Tirana convoca uma multidão de fiéis que vêm não só da mas também de áreas distantes e até da Bolívia e do Peru para cumprir as promessas feitas à Virgem durante o ano. Realizada anualmente na cidade de La Tirana, concelho do Pozo Almonte, na Região de Tarapacá, Chile, a celebração acontece no dia 16 de julho, em homenagem à Virgen del Carmen. Foi reconhecida pelo Papa Francisco durante sua visita apostólica ao Chile em janeiro de 2018, onde também coroou a imagem da Virgem em Iquique. É a maior festa do Norte Grande do Chile, e a mais popular do país, reunindo nesta cidade de cerca de 800 habitantes entre 250.000 e 300.000 visitantes durante a semana das comemoraçoes. A lenda da Virgem da Tirana A lenda recolhida e popularizada pelo historiador peruano Rómulo Cúneo Vidal (1856-1931) narra que o espanhol Diego de Almagro (1475- 1538), na sua viagem da conquista e descobrimento do Chile desde Cuzco/ Peru, trazia em suas tropas um príncipe cativo de cultura Inca chamado Huillac Huma, que era o último sacerdote adorador do deus Inti ( o Sol na cultura inca); junto a ele estava sua formosa filha, a princesa Ñusta Huillac. Quando a tropa estava em um local próximo à actual cidade de Pica, muitos dos yanaconas incas (1) fugiram para a pampa do Tamarugal (2), incluindo Ñusta Huillac e seu pai. Refugiados nas florestas de Tamarugo, Ñusta Huillac organizou uma rebelião para restabelecer o poder de sua nação. Foi tal o seu poder de luta que os seus inimigos com temor e respeito a batizaram de "La Tirana del Tamarugal". Um dia chegou um jovem expedicionário português chamado Vasco de Almeyda que se havia perdido a caminho da "Mina del Sol" (descoberta pouco depois de 1473). O encontro entre ambos, a jovem e bela rainha e o português foi inevitável, assim como a paixão que mutuamente se manifestou entre eles. Quando o relacionamento foi descoberto, ambos foram condenados à morte. Os soldados que trabalhavam para a princesa Ñusta Huillac atacaram-nos com uma "Chuva de Flechas". Vasco de Almeyda, com o propósito de fazer seu amor durar para sempre, convence Ñusta Huillac a ser batizada e assim, após a morte, ficariam juntos para a eternidade, na vida e na morte. Descobertos durante a cerimônia foram mortos pelos nativos. Em 1540, o frade Antonio Rendón (3) estava na cidade de "La Tirana", onde descobriu uma cruz, e para homenagear o casal de namorados, construiu uma capela com o nome de "Nuestra Señora del Carmen de La Tirana". De destacar nesta festividade o reencontro do sagrado e do profano: as figuras demoníacas que com as suas endiabradas danças prestam homenagem a Nossa Senhora e aos fiéis, com máscaras coloridas e vestimentas magníficas, ricas em bordados de lantejoulas e vidros coloridos. Quando observo estas danças e estas máscaras não posso deixar de lembrar aquela magiífica representação da ilha de Bali/ Indonésia, filmada pela primeira vez por Margaret Mead (4) e Gregory Batenson, que narra o encontro mitológico entre Rangda e Barong, uma das mais belas formas parateatrais da Humanidade. Notas:
(2) Tamarugo – àrvore endémica do norte de Chile, cresce particularmente na pampa del Tamarugal, planicie extensa localizada a 70 km a leste da ciudad de Iquique. (3) Fray Antonio Rendón y Sarmiento,( 1495 /1497?), natural de Jerez de la Frontera, fue sin duda uno de los miembros de esta orden que más destacaron por la tarea realizada en la zona durante la segunda mitad del siglo XVI, distinguiéndose tanto en la propagación del cristianismo, como en el auxilio de las tropas españolas de la conquista y la organización de la provincia chilena- FRAY ANTONIO RENDÓN: UN MERCEDARIO EN EL CHILE DEL QUINIENTOS.- Emilio José Luque Azcona; (4) Margaret Mead (1901 – 1978)tudo comparativo Sex and Temperament in Three Primitive Societies, Mead introduziu, em 1935, a ideia revolucionária de que, como a espécie humana é extremamente maleável, os papéis e comportamentos sexuais variam de acordo com os contextos socioculturais. Assim, ela foi pioneira no uso do conceito de «gênero», amplamente utilizado posteriormente nos estudos feministas.
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