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Casuarina


por Miguel Boieiro


      No verão de 1982 tive a honra e a felicidade de fazer parte da comitiva de 19 portugueses integrantes do 8º contingente europeu da Brigada Internacional José Marti que, durante 29 dias, efetuou trabalho voluntário na República de Cuba. Foi a primeira vez que estive naquele país caribenho e o conjunto das sensações obtidas deixou marcas que se mantêm perenes na minha memória. Para além disso, a ânsia de não perder pitada, levou-me a redigir um diário que, datilografado a preceito, deu para preencher cem páginas A4. Passado tanto tempo, é por demais revigorante voltar a ler o que então escrevi. Ficou-me depois o hábito de verter em singelas croniquetas os aspetos mais significativos das várias digressões que tenho efetuado por várias partes do mundo. Os objetivos têm sido sempre os mesmos: Observar, aprender, desenvolver espírito crítico e analítico e ficar mais humilde, ou seja, menos arrogante, perante supostas verdades e pretensas realidades propaladas pelos “media” que nos cercam e asfixiam quotidianamente. Reforcei então o conceito da amizade sincera, da solidariedade, da dialética, dos valores da natureza, da capacidade coletiva para ultrapassar agudos problemas da humanidade, da aposta na investigação científica mormente na saúde, na cultura, na arte e no ensino, da luta contra o esbanjamento inútil, da indignação contra as injustiças e as desigualdades sociais. Todavia, não seria agora oportuno discorrer mais sobre esta apetecível temática, embora ela continue a ser de premente atualidade. Tenho que me ater ao facto de que os textos que disciplinadamente venho redigindo devam obedecer ao tema central da botânica e da fitoterapia.

      Assim sendo, indagarão os atentos leitores, o que será que o parágrafo inicial tem a ver com a casuarina. É que no encadeamento das ideias, a propósito ou a despropósito, me lembrei de Pinar del Rio. Trata-se do nome de uma bela província e de uma das principais cidades de Cuba e a designação “pinar” que, em português, significa “pinhal”, mexeu comigo. Que saiba, não existem pinheiros nas regiões tropicais. Então, por que carga de água aparece um pinhal em Cuba? Matutando, cheguei à conclusão de que a citada toponímia se refere a casuarinas, visto que tais árvores se assemelham a pinheiros, embora integrem uma família botânica substancialmente diferente.

      Segundo o notável compêndio “The Greening of Gondwana: the 400 million years story of Australia’s plants”, de Mary White, as Casuarinaceae surgiram na Terra há aproximadamente 60 milhões de anos, ou seja, 10 milhões depois dos pinheiros. A esta assombrosa conclusão chegaram os especialistas após analisarem pólenes fossilizados das várias espécies e, não havendo melhor hipótese, nós acreditamos.

      Perante cerca de 80 espécies de casuarinas endémicas na Austrália, Polinésia e regiões limítrofes que se espalharam pelo mundo, escolhemos a Casuarina equisetifolia por ser a mais corrente em Portugal e a mais mencionada nos livros de botânica que consultei: “Flora do Jardim da Fundação Calouste Gulbenkian”, “Guia dos Parques, Jardins e Geomonumentos de Lisboa”, “Trinta árvores em discurso directo” de Bagão Félix, “1001 Garden Plants in Singapore” e “Trees “de Tony Rodd. Da edição portuguesa desta última obra, exemplarmente preparada por técnicos do Instituto Superior de Agronomia, transcrevo, com a devida vénia, parte da caracterização da respetiva espécie: todas as casuarinas se parecem com coníferas, com agulhas aparentes, sem flores evidentes e com sementes contidas em frutificações ovoides. As “agulhas” são raminhos com verticilos de folhas escamiformes. As flores estão presentes, embora pequenas, unissexuadas e polinizadas pelo vento. As frutificações são, na realidade, cachos densos com brácteas lenhosas que se abrem quando maduras para libertar frutos minúsculos e alados. As raízes possuem uma associação com a actinobactéria “Frankia”, que capta o azoto do ar.

      Acrescente-se que a espécie é monóica (flores machas e fêmeas na mesma unidade), adapta-se a todos os tipos de solos e tolera a salinidade, a seca e a geada. As raízes são fortes e fazem com que a árvore aguente bem as ventanias. O crescimento é muito rápido e o tronco ereto e vigoroso alcança com facilidade os 30 metros de altura. Possui propriedades alelopáticas que definham a vegetação adjacente. A casca é muito rica em tanino e as folhas são adstringentes.

      Em medicina popular dos países de origem consta que ameniza cólicas, tosses, diarreias, disenterias, dores de estômago e inchaços. Com as raízes preparam-se unguentos para problemas dermatológicos.

      A madeira é duríssima, sendo utilizada para fabricar embarcações, mobiliário, artesanato e estacaria. O seu elevado índice calórico propicia carvão de excelente qualidade. A casca do tronco, devido à grande concentração de tanino, pode ser utilizada em tinturaria. A Casuarina equisetifolia é também utilizada como quebra-ventos para proteger culturas, na fixação de dunas e em paisagismo como apreciada espécie ornamental devido a não ser caducifólia.

      Maio de 2021

      Miguel Boieiro

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