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Roselhas


por Miguel Boieiro



A insatisfação permanente, o querer sempre mais e mais, o considerar que “a galinha da minha vizinha é sempre mais gorda do que a minha” são atributos do comum dos mortais. Esta ânsia de pretender o que ainda não se alcançou, mesmo que isso não nos resolva problemas, determina egocentrismos, às vezes ferozes, que tendem a fazer esquecer que vivemos em coletivo, que somos comunistas (atenção: nada de confusões; não me refiro a políticas, mas à essência do termo) e que só em comunhão de esforços logramos alcançar alguma felicidade.

Esta conversa fiada tem a ver com o facto de, graças a uma suposta fartura de bens que a natureza nos proporciona, deixarmos de os considerar, arredando-os por completo do nosso febril quotidiano.

Vivemos num país em que, apesar de tudo, a natureza se revela pujante e nos proporciona nutrimentos, utilidades e encantos sem par. Mas não tomamos isso em devida conta. Vamos à procura de árvores e arbustos oriundos de distantes paragens que obrigam a apreciáveis dispêndios para os manter. No entanto, temos à nossa disposição espécies naturais endógenas que, sem favor, e com reduzidos custos, embelezariam melhor os espaços verdes urbanos. Insistimos e abusamos na aquisição de géneros alimentícios provenientes da estranja, quando podemos dispor deles na nossa região. Numa das croniquetas anteriores referimos o episódio caricato da aquisição de castanhas num hipermercado local, tendo visto a seguir que as mesmas eram oriundas do Chile. Há semanas, foi a vez do grão-de-bico. Comprou-se dois meios quilos em diferentes embalagens. Mais tarde, conseguimos ler as letras miudinhas meias escondidas no recôndito de cada pacote. Lá se descobriram as proveniências: EUA e México. Cremos não ser necessário aduzir mais comentários!

Nesta altura já os estimados leitores perguntarão. – Mas o que é que esta ladainha tem a ver com o título da presente croniqueta? Já lá vamos!

As Cistaceae constituem uma pequena família botânica concentrada nas regiões temperadas do globo, mas com acentuada diversidade nos países da bacia mediterrânica ocidental, realçando-se a sua abundância na parte meridional do nosso país. Englobam apenas oito géneros que pouco ultrapassam as 200 espécies. São plantas que toleram a secura e a exposição marítima, medrando espontaneamente em terrenos incultos, matagais e charnecas. Em Portugal são predominantes os géneros Cistus, Halimium e Tuberaria.

Nesta croniqueta vamos abordar a roselha-grande (Cistus albidus), a roselha-pequena (Cistus crispus) e um híbrido que deriva destas duas, a Cistus X incanus. Todas elas são providas de lindas e abundantes flores rosadas dispostas em atraentes cimeiras. A verdade é que embora sendo endémicas em Portugal, não necessitando de cuidados especiais, poucos as estimam e muitos as desprezam.

A roselha-grande, como o nome indica, é maior do que a sua mana. Pode atingir 2 metros de altura, enquanto a roselha-pequena se apresenta mais atarracada, não ultrapassando meio metro. As folhas e as flores têm também maior dimensão. No resto são semelhantes. São espécies persistentes, hermafroditas e tomentosas, de folhas simples, elípticas e rugosas. As flores, de cor-de-rosa atraente com pistilos de amarelo vivo, possuem cinco pétalas que surgem amarrotadas e só duram um dia. Felizmente as roselhas são prolíferas e todos os dias há novas flores a desabrochar se não estiverem em zonas sombreadas. Os frutos secos formam cápsulas ovoides segmentadas em que cada compartimento possui uma semente. Julga-se, aliás, que a palavra latina cistus significa cesto ou caixa aludindo ao recipiente onde as sementes permanecem.

Embora imerecidamente pouco estudadas no que concerne a constituintes, menciona-se a existência de resinas balsâmicas (entre as quais um verniz industrial denominado lábdano), taninos, óleos essenciais e polifenóis os quais têm o condão de reforçar o sistema imunitário, defendendo-nos de infeções provocadas por bactérias, fungos… e vírus. Na Argélia, onde as roselhas são estimadas, usam a decocção das folhas para prevenir problemas cardiovasculares e auxiliar nas digestões difíceis e nas dores gástricas. Em cataplasmas, servem para tratar arreliadores abcessos. Porém, são quase inexistentes as indicações fitoterápicas nos autores portugueses. Excetuam-se Ana Luisa Simões e Ana Carla Cabrita. Em “200 Plantas do SW Alentejano & Costa Vicentina”, as autoras escrevem que, na medicina popular local, as flores da roselha-pequena proporcionam um “chá” para acalmar tosses e febres.

Em registos anglo-saxónicos surge a indicação homeopática da essência das flores da híbrida Cistus X incanus, em conta-gotas, na cura da malfadada doença de lyme, provocada pela picada das carraças.

Finalmente há ainda a apontar a utilidade destas cistáceas na apicultura e no combate à erosão dos solos, sem esquecer os aspetos ornamentais que, a nosso ver, embelezariam vantajosamente os jardins e parques das urbes.



Março de 2021. Miguel Boieiro

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