A poesia "clara, límpida, diamantina" de Manuel Alegre
por Regina Gouveia
"A poesia dele é clara, límpida, diamantina, atravessa todas as camadas sociais, toda a gente a entende perfeitamente", foi assim que Lídia Jorge se referiu à poesia de Manuel Alegre quando da atribuição do Prémio Camões em Junho passado. Afirmou ainda que, ao saber da notícia, pensou que o lhe era atribuído pela segunda pois já há muito tempo o deveria ter recebido. (in , https://www.rtp.pt/noticias/cultura/a-poesia-de-manuel-alegre-e-clara-e-diamantina-lidia-jorge_n1007007 )
Ora, no passado dia 22, a Universidade de Pádua, atribuiu ao português Manuel Alegre um Doutoramento Honoris Causa. Do seu discurso, aquando da cerimónia, que pode ser lido em in , http://dererummundi.blogspot.pt/2017/11/discurso-de-manuel-alegre-aquando-da.htm transcrevo alguns excertos .
Ninguém está fora do espaço e do tempo. Ninguém está fora da história. A escrita e a vida são inseparáveis. A liberdade, afirmou o mexicano Octávio Paz, "não é uma filosofia e nem sequer uma ideia, é um movimento de consciência que nos leva em certos momentos, a pronunciar dois monossílabos: Sim e Não." A minha circunstância levou-me a dizer não, e a dizê-lo em verso, segundo um certo ritmo, uma certa toada, uma certa correspondência de sons e imagens. Não por qualquer intenção programática, mas por um impulso, uma energia, uma irresistível confiança na força da palavra poética. Apesar da idade e dos desenganos, mantenho, hoje como sempre, a mesma confiança na força libertadora da palavra. Concordo com Octávio Paz: "A actividade poética é revolucionária por natureza; exercício espiritual, é um método da libertação interior." Creio que o ritmo da escrita é inseparável do ritmo da terra e das marés. Está antes da palavra e a a palavra cantada ou dançada está antes da palavra escrita. Como o poeta português Teixeira de Pascoaes, eu creio que "a poesia nasceu da dança e que o ritmo é a substância das coisas." Como ele estou convencido que "a palavra liberta e cria: é a própria terra do Outro Mundo." Em cada poeta está toda a história da poesia e de certo modo de todas as línguas, a começar pela epopeia de Gilgamesh, a primeira interrogação que o homem gravou na pedra sobre o sentido ou o sem sentido de um destino que continua a não ser revelado.
Segundo Nadejda Mandelstam, viúva do grande poeta russo, "em certas épocas, só a palavra poética, pela sua natureza cósmica, é capaz de apreender a realidade." Por seu lado, para Rainer Maria Rilke "os versos não são feitos com sentimentos" e "...para escrever um só verso é preciso ter visto muitas cidades, muitos homens e muitas coisas. É preciso lembrar caminhos em regiões desconhecidas, encontros inesperados e despedidas há muito previstas." Tudo isso é vida e de tudo se faz o poema.
A minha idade vai avançada. Tenho por vezes a sensação de ter vivido várias vidas numa só vida e de ter sido várias pessoas na mesma pessoa. Conheci os momentos extremos: guerra, prisão política, exílio. Mas também tive o privilégio de alegrias incomparáveis, como a vitória da revolução dos cravos e a reconquista da liberdade. Costumo dizer que a minha vida foi intensa, densa e tensa. Talvez por isso os meus romances tenham um cunho autobiográfico. Não posso dizer que tenha sido injustiçado. Recebi os principais prémios literários da língua portuguesa. A República concedeu-me as mais altas condecorações. Mas de todos os prémios o mais importante foi o reconhecimento e carinho dos meus leitores.
Comecei por conhecer a sua obra através da vozes de Adriano Correia de Oliveira
( https://www.youtube.com/watch?v=McRqaiBmIT4 ), de Manuel Freire,
https://www.youtube.com/watch?v=oRg9oLzyzvE , Luís Cília, José Afonso....
Depois comecei a adquirir os seus livros. Primeiro Praça da Canção e O canto e as armas, depois, vários outros à medida que foram saindo. Muitos deles estão autografados pelo autor mas, embora goste da sua narrativa, aprecio mais a sua obra poética, de que gosto imenso. E nela incluo um livro que acho belíssimo- A terceira Rosa- que para mim é prosa poética.. "Olá, disseste. E a terra tremeu" ou "A paixão passa e não passa"
Uma entrevista onde o autor nos fala desse livro pode ser lida em ( https://viajarnaspalavras.wordpress.com/2012/06/10/a-terceira-rosa-manuel-alegre-entrevista/ )
Termino com alguns poemas
Sei que outros ventos outro mar
a teoria das brumas e o teorema
daquela ilha sempre por achar.
Seu nome é Pico. E fica no poema
In Escrito no mar (2007)
Na velha casa passou um rio
passou a cheia o tempo um arrepio.
Quem eu chamo já não vem.
Tanto quarto vazio
tanta sala sem ninguém.
E frio.
In Doze naus (2007)
Coimbra era um puro acontecer
uma vivência de dentro um exercício
um jogo de metáforas e sintaxes
ó corpos cintilantes diante dos espelhos
cabelos loiros sobre os ombros: cidade
por nossas mãos perdida e reinventada.
Por fim era um rumor de poesia
uma frase uma prosódia uma palavra.
E dessa redacção é que nascia
In Combra nunca vista 2003
Uma árvore floriu por detrás da casa
Uma árvore dentro de Março
Contra a rotina
E contra o espaço
Ela só capaz de flor
E golpe de asa
Deixai-me a árvore
Por detrás da casa
In chegar aqui 1984
In Livro do português errante 2001
Parabéns Manuel Alegre pelo reconhecimento mais que merecido e obrigada pela sua poesia que, tantas vezes, me tem servido de alento ....
1-12-2017
Regina Gouveia
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