por
JOSÉ VIGÁRIO SILVA
O chefe índio dos Suquamish, chamado NOAH SEATTLE, num
discurso que terá proferido e terá levado a um texto designado Carta
de Seattle, afirmou em 1854, dirigindo-se ao “grande chefe de
Washington”, em resposta à proposta de compra de terras dos índios:
“A terra não pertence ao homem, é o homem que pertence à
terra”. E continuava: “Somos parte da terra e ela é parte de nós
mesmos. As flores perfumadas são nossas irmãs; o veado, o
cavalo, a grande águia são nossos irmãos. As escarpas das
encostas, os húmidos prados, o calor do corpo do cavalo e o
homem todos pertencem à mesma família (…). Os rios são nossos
irmãos e saciam a nossa sede (…). Sabemos que o homem branco
não compreende o nosso modo de vida. Ele não sabe distinguir
entre um pedaço de terra e outro, já que é um estranho que chega
de noite e toma da terra o que necessita. A terra não é sua irmã,
mas sua inimiga e, uma vez conquistada, segue o seu caminho,
deixando atrás a campa dos seus pais, sem se importar. Tanto o
túmulo de seus pais como o património de seus filhos são
esquecidos. Trata a sua mãe, a terra e o seu irmão, o firmamento,
como objectos que se compram, se exploram e se vendem como
ovelhas ou contas de cores. O seu apetite devorará a terra
deixando atrás somente um deserto. Não sei, mas o nosso modo
de vida é diferente. A simples vista das suas cidades agride os
olhos do pele vermelha. Mas talvez seja porque o pele vermelha é
um selvagem e não compreende nada. Não existe um lugar
tranquilo nas cidades do homem branco, nem há sítio onde ouvir
como se abrem as folhas das árvores na primavera ou como se
movem os insectos. Mas talvez também isto deve ser porque sou
um selvagem que não compreende nada. O ruído só parece
insultar os nossos ouvidos. E, depois de tudo, para que serve a
vida se o homem não pode escutar o grito solitário do pássaro
amigo, nem as discussões nocturnas das rãs, à borda dum
charco? Sou um pele vermelha e nada entendo. Nós preferimos o
suave sussurro do vento sobre a superfície do charco, assim
como o cheiro desse mesmo vento, purificado pela chuva do
meio-dia ou perfumado com aromas dos pinheiros. (…) Por isso,
consideraremos a sua oferta de comprar as nossas terras. Mas, se
decidirmos aceitá-la, eu porei uma condição: o homem branco
deve tratar os animais desta terra como a seus irmãos (…) vi
muitos búfalos apodrecendo nas pradarias, mortos a tiro pelo
homem branco, desde um trem em marcha. Sou um selvagem e
não compreendo como uma máquina fumegante pode importar
mais do que o búfalo, o qual nós matamos apenas para
sobreviver. Que seria do homem sem animais? Se todos os
animais fossem exterminados, o homem também seria; morreria
de uma grande solidão espiritual. Porque o que suceder aos
animais também sucederá ao homem. Tudo está enlaçado (…)
como o sangue que une uma família. Tudo o que aconteça à terra
acontecerá aos filhos da terra. O homem é só um elemento da teia
da vida. O que fizer a esta teia, fá-lo-á a si próprio”. O chefe NOAH
SEATTLE terá nascido por volta de 1786 e morreu na Reserva de Fort
Madison em 1866. Não tenho dúvida nenhuma em considerá-lo
superior a quantos génios estão registados nos livros da nossa história
colectiva. Porque traçou a linha da sobrevivência do homem, porque
proferiu o mais lindo poema de amor que se conhece e porque adoptou
o método da verdade referencial imediata. Sinto profundamente a sua
provocação e fico emocionado ao lê-lo; por isso o escolhi para
preencher as primeiras páginas do primeiro dia do meu tempo de reforma.
JOSÉ VIGÁRIO SILVA
Maia, 1 de Julho de 2009
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