por Manuela e Miguel Boieiro
Foram duas as principais razões que nos levaram a empreender uma viagem ao Brasil em plena época de crise económica - Janeiro de 2014: a participação no 49º Congresso Brasileiro de Esperanto e o amável convite que nos dirigiu o amigo e dedicado esperantista João Batista Oliveira da Silva. Sabido que o movimento esperantista tem no Brasil bastante vitalidade, há muito conservávamos o desejo de visitar o país irmão durante algum evento que envolvesse o idioma internacional. Surgiu agora essa possibilidade após termos recebido na nossa casa um simpático casal brasileiro ao abrigo do “Paseporta Servo”, sistema que prevê a hospitalidade recíproca entre esperantistas de todo o mundo. E como “amor com amor se paga”, João e Ana insistiram em receber-nos na sua casa em Teresina, capital do estado do Piauí. Diga-se, em abono da verdade, que usufruímos de um tratamento principesco, muitíssimo superior ao que lhes havíamos proporcionado, pois os nossos amigos andaram, quase literalmente, connosco ao colo nos 18 dias em que estivemos no país irmão.
É manifestamente impossível relatar em pormenor todas as sensações que sentimos em pleno verão brasileiro, um dos mais quentes dos últimos anos com temperaturas a rondar os 40 graus centígrados, enquanto no nosso retângulo europeu se tiritava de frio. Focaremos, sem preocupações exaustivas, apenas alguns aspetos que consideramos mais curiosos para caracterizar uma tão aliciante viagem.
Teresina
Possui mais de 800 mil habitantes. Trata-se de uma cidade extensa que apenas numa pequena parte tem edifícios altos. No resto, são casas de um ou dois pisos, cercadas por muros altos, janelas e portas com gradeamentos e ruas retilíneas que testemunham um criterioso planeamento urbano. Teresina beneficia da confluência de dois grandes rios: Poti e Parnaíba. Este último desagua no Atlântico, formando um dos maiores deltas do mundo. A cidade especializou-se no ramo da saúde, tendo numerosos hospitais, clínicas privadas e laboratórios bem equipados, servindo até a população de outros estados.
Casa da Cultura de Teresina
Após visitarmos a catedral e o jardim fronteiro, dotado de arvoredo onde esvoaçavam beija-flores, entrámos na Casa da Cultura da cidade. Ela engloba um museu que nos conta a História da região, apresentando mostras de geologia, numismática, teologia, literatura, fotografia … e diversos salões para as várias manifestações culturais (dança clássica, clube de vídeo, etc.). Está instalada na antiga casa senhorial do Barão de Gurguéia que foi poderoso enquanto vigorou a escravatura mas acabou por morrer na miséria. O poder e a riqueza advinham-lhe do labor dos escravos que dormiam amontoados no rés-do-chão do faustoso edifício.
Zoo botânico
Trata-se de uma área florestal com 137 hectares, provida de alguns animais exóticos, árvores altíssimas, algumas corroídas por cupins, insetos que destroem completamente o tecido vegetal e constituem uma terrível praga. O parque estava em remodelação e nem sequer havia letreiros identificativos com os nomes científicos das várias espécies. Um dos responsáveis ofereceu-nos um CD contendo o plano de reabilitação de toda a área, a iniciar brevemente.
Sítio Monte Carlo
Os nossos amigos levaram-nos a esta quinta paradisíaca situada a cerca de 62 km de Teresina, propriedade de familiares que lá se encontram, geralmente aos fins-de semana para conviver. Em agradável ambiente campestre rodeados de bons conversadores e gostosa comida, aí curtimos amizades. Sobre o contacto com a natureza e as muitas espécies vegetais que, com deleite, observámos, havemos de redigir outra croniqueta se, para tal, não nos faltar o engenho.
Parque Ambiental do Encontro dos Rios
Os termómetros marcavam 40 graus mas este local turístico estava pejado de visitantes que ali vieram para apreciar a paisagem formada pela confluência dos rios Poti e Parnaíba, cujas águas ostentavam cores distintas: verdes no primeiro e barrentas no segundo. Viam-se restaurantes, um dos quais, instalado num barco, vendas de artesanato e de petiscos e uma pequena mostra museológica de peixes em conservante líquido, todos com nomes, a nosso ver, bem esquisitos. Comemos uma cocada (doce de coco caramelizado), demos uma volta pelo Polo Cerâmico do Poty Velho para observar as olarias e as pitorescas lojecas e acabámos a apreciar a vistosa Ponte Estaiada Mestre Isidoro França, inaugurada em 2010 que, com o comprimento de 363 metros, liga as duas margens do Poti.
Potycabana
Depois do jantar, passeámos pelo extenso parque de lazer situado numa das margens do rio, onde inúmeros citadinos praticavam desporto (skate, marcha, ciclismo), principalmente jovens e crianças. É um espaço muito bem cuidado com várias esplanadas, divertimentos, circuitos de manutenção e palcos de animação musical. Tem bastantes funcionários a zelar pela limpeza e segurança da área que abre todos os dias às 5 h da manhã e encerra às 22 h. Acrescente-se que Teresina fica muito perto da linha do equador e que, por isso, os dias são sempre de duração igual às noites. Por volta das 18 h, repentinamente, cai a noite e, na mesma súbita maneira, às 6 h, o dia amanhece.
Parque Nacional das Sete Cidades
Ocupa uma área de 6221 hectares e fica a 206 km de Teresina. Possui curiosos afloramentos de arenito de grande dimensão, pinturas rupestres e vegetação típica de transição entre os ecossistemas do Cerrado e da Caatinga. Foi-nos proporcionada uma interessante visita guiada com explicações detalhadas e relatos de histórias lendárias como a que se refere ao eremita Catirina, cuja epopeia é colocada em verso num opúsculo que adquirimos.
Parque Nacional de Ubajara
Os nossos dedicados anfitriões levaram-nos depois ao estado do Ceará. Ficámos alojados na cidade de Tianguá e no dia seguinte alcançámos Ubajara para ver o Parque Nacional. Situa-se a 340 km da cidade de Fortaleza, na região da serra da Ibiapaba. Num amplo salão, à entrada do Parque, pudemos apreciar um filme sobre a natureza e uma exposição sobre a biodiversidade do Brasil que conta com 524 mamíferos, 1622 aves e 517 anfíbios que, acrescidos às espécies vegetais, fazem com que o país seja, também neste campo, o mais rico do mundo. Ubajara constitui o mais importante património espeleológico cearense. Infelizmente, pela razão do ascensor estar em reparação, perdemos a oportunidade de visitar uma das suas famosas grutas.
Viçosa
Seguindo sempre para leste, encontrámos depois a cidade de Viçosa que faz jus ao seu nome, tal o viço das suas verduras. É um polo turístico, artesanal e cultural do Ceará, situado na Chapada da Ibiapaba. Aí almoçámos, visitámos a Igreja do Céu e o Dr. Olinto, veterano esperantista, que nos ofereceu doce de buriti e vários livros espíritas redigidos na língua internacional.
Parnaíba
Finalmente alcançámos Parnaíba, a segunda cidade mais importante do Piauí, onde os nossos amigos têm uma casa de férias. À chegada fomos saudados por um bem-te-vi, passarinho empoleirado numa árvore do quintal adjacente que emitiu o seu inconfundível canto uma dezena de vezes. Que simpático! Em Parnaíba dormimos duas noites e tivemos ocasião de visitar o Porto das Barcas, junto a um dos braços do rio com o mesmo nome. Trata-se de um espaço citadino muito bem cuidado com arquitetura colonial, onde ainda se vislumbram os sinais de uma intensa atividade portuária. As ruas, calcetadas com pedra “pé-de-moleque”, encontram-se encerradas ao trânsito automóvel e estão ladeadas por restaurantes típicos e lojas de artesanato.
Praia da Atalaia e Lagoa do Portinho
São dois locais aprazíveis, perto da cidade de Luís Correia, com bons equipamentos, ideais para o gozo de umas excelentes férias. Aproveitámos para inaugurar a nossa época balnear tomando um belo banho de mar. Foi a primeira vez que tal nos ocorreu logo em janeiro.
Floripa
Regressados de novo a Teresina, seguimos de madrugada para Florianópolis (Floripa para os mais carinhosos), fazendo escalas nos aeroportos de Brasília e Congonhas (São Paulo). Em Florianópolis estava já a decorrer o Congresso de Esperanto que constituía, afinal, uma das motivações desta inolvidável digressão. Bem instalados no hotel Castelmar, pudemos finalmente participar no evento e assistir a interessantes conferências versando variadas temáticas.
Florianópolis é uma cidade moderna e segura mas só no último dia do congresso pudemos aproveitar uma manhã para dar uma pequena volta pela ilha que nos dizem ter mais de 50 praias. A lagoa da Conceição, a praia da Joaquina, a praia Mole e a praia da Barra da Lagoa ficaram-nos na retina pela sua atratividade e beleza.
O Congresso
O “49-a Brazila Kongreso de Esperanto” que decorreu em simultâneo com o “34-a Brazila Esperantista Junulara Kongreso” e o “12-a Infana Kongreseto de Esperanto”, esteve subordinado ao tema: “Esperanto, kial ne? Disvastigado kaj Instruado de la Lingvo” (Esperanto, por que não? Divulgação e Ensino da Língua). Teve lugar de 24 a 28 de janeiro de 2014 em oito salas do hotel Castelmar. Graças à comunicabilidade e afabilidade dos brasileiros e aos desígnios culturais e humanistas do Esperanto, foi muito fácil alargar o nosso leque de amigos. Estimulante foi também o encontro com o, até então, nosso virtual professor de Esperanto, lente de Português da Universidade de Brasília e emérito poeta – Paulo Nascentes. De entre os “prelegos”, ou seja, as intervenções, gostaríamos de destacar três que nos encheram as medidas, sem desprimor para os demais: “O esperanto e a literatura “ por Paulo Sérgio Viana, a “Tabela das palavras correlativas” por Paulo Roberto de Carvalho e a “Análise comparativa entre o esperanto e as línguas portuguesa e inglesa” por Moisés Braga. Este último, jovem informático, apresentou-nos um valioso trabalho denominado “Taksado de Facileco de Esperanto” que, segundo informou, poderemos encontrar em http://analizilo.org. O esperanto não é uma língua perfeita todavia, é muito mais perfeita do que outros idiomas, os quais se prestam a arreliadoras confusões, como muito bem demonstrou. É errado afirmar-se que as letras do alfabeto correspondem a 28 sons distintos. De facto, correspondem sim a 28 fonemas. Fonema é um conjunto de sons do mesmo grupo.
Blumenau, Vale Europeu e Rio dos Cedros
Apanhámos a carreira direta para Blumenau na estação Rodoviária de Florianópolis e em menos de duas horas chegámos a esta cidade importante do estado de Santa Catarina, cujo edificado denota uma acentuada influência alemã. António, primo do nosso amigo João Batista, transportou-nos na viatura até à sua residência na localidade de Rio dos Cedros. Durante o percurso, deu uma volta por Blumenau, nomeadamente pelo seu centro histórico e em seguida pelo maravilhoso Vale Europeu (Wundervalt). As cidades de Pomerode, Timbó e Rio dos Cedros e provavelmente outras que não visitámos, ostentam orgulhosamente as referências da colonização alemã e italiana na arquitetura das casas, na gastronomia e nas tradições. Pomerode tem até, desfraldada na sua praça principal, a bandeira alemã. Em Rio dos Cedros a influência italiana é marcante. Numa fugaz visita à Prefeitura deste último município de 10 mil habitantes, notámos que na galeria onde se encontram as fotografias dos sucessivos prefeitos, todos eles tinham apelidos italianos. Todos não! Havia uma exceção. Na verdade havia um com apelido germânico.
Na casa dos primos do João, situada em região campestre, fomos recebidos calorosamente e usufruímos de todas as comodidades. Não temos palavras adequadas para exprimir os nossos agradecimentos face à hospitalidade que nos foi proporcionada. António levou-nos a passear por locais encantadores em que a natureza casa admiravelmente com a genuína simpatia das pessoas. Provámos petiscos típicos da região, vimos os arrozais, bananais, palmeirais (palmito e real) e outras culturas do formoso vale, irrigado por lagos e rios. Subimos por veredas em colinas florestais, considerados espaços protegidos. Visitámos o Jardim Botânico de Timbó. Entrámos fugazmente na Igreja de Nossa Senhora da Conceição onde “roubámos” uma estampa de Nossa Senhora Desatadora dos Nós.
Santa Catarina é um estado economicamente desenvolvido, tanto na agricultura, como na indústria, no comércio e no turismo, onde não existe desemprego. A qualidade de vida parece ser das mais elevadas do Brasil.
Algumas curiosidades
A flora e a fauna brasileira são riquíssimas como se depreende do que acima fica descrito. Sobre a flora, prometemos redigir algo mais detalhado em croniqueta específica. Da fauna não falaremos, pois “é muita areia para a nossa camioneta”. Contudo, sempre diremos que nos espantou a quantidade de burros que avistámos à solta, deambulando nas matas e caminhos do Piauí e do Ceará. Apetece dizer que os burros estão para essas regiões, assim com as vacas estão para a Índia.
Agora atenção! Burro diz-se em brasileiro jumento. O termo burro significa o animal que em Portugal designamos por macho, ou seja o híbrido gerado por uma égua e um burro, ou então, por um cavalo e uma burra. Perceberam? Confessamos, sem rebuço que levámos algum tempo a clarificar o entendimento.
Igualmente, no que se refere às plantas, muitos nomes populares, embora sendo iguais aos usados no nosso país, dizem respeito a espécies diferentes.
Não falando de outros termos em que o sentido se tira por semelhança como é, por exemplo, a palavra lavação que corresponde a lavagem, está bem de ver.
Quanto a nós, o mais grave é a introdução de palavras novas provindas do inglês. Em nossa opinião, é urgente criar uma academia linguística para uniformizar os neologismos. Exemplos: celular, aids, mídia que correspondem respetivamente a telemóvel, sida, media.
Em conclusão
Terminamos esta breve, e assaz incompleta croniqueta sobre a experiência que nos foi dado viver em três estados do Brasil – Piauí, Ceará e Santa Catarina -, realçando, uma vez mais, que tal só foi possível porque tivemos a sorte de encontrar um casal esperantista, culto e afável, que tudo fez para que desfrutássemos de momentos prazenteiros. De outra forma, seria completamente impossível, por falta de condições materiais e logísticas, encetar tal viagem. Para eles e para todos os amigos que nos ajudaram durante esta memorável digressão, os nossos profundos agradecimentos.
Fevereiro de 2014
Manuela e Miguel Boieiro
LIVROS DISCOS LIVROS DISCOS LIVROS DISCOS LIVROS DISCOS LIVROS DISCOS LIVROS DISCOS