por Miguel Boieiro
Insistente e irrecusável convite de velho amigo e camarada da Invicta propiciou-nos um dilatado, diversificado e muito agradável fim-de-ano em terras nortenhas. Leça da Palmeira, Trofa, Guimarães, Felgueiras, Amarante, Valongo e, obviamente, Porto constituíram as balizas geográficas duma inolvidável digressão que, por momentos, nos fez esquecer as agruras de uma crise económica e política que parece não ter fim à vista.
Disfrutámos deslumbrantes paisagens e aproveitámos a ocasião para rever conhecidos e encetar contactos promissores com novos amigos. Fruímos com prazer a História e a Cultura, não podendo deixar de registar agradecimentos profundos pela hospitalidade absoluta de quem nos recebeu de braços e coração abertos.
De Guimarães, cidade que em 2012 ostentou o título de Capital da Cultura, retivemos lembranças da requintada gastronomia, da visita a bem cuidados palácios, museus e ao castelo, berço da nacionalidade. Mas, como é sabido, estas singelas croniquetas visam prioritariamente abordagens botânicas. Temos, pois, que por aí enveredar, terminando, sem mais delongas, outras divagações.
Ao treparmos a colina onde se ergue o mítico castelo e depois quando subimos a sua escadaria amuralhada, fomos observando as simples ervinhas que brotavam nos interstícios dos blocos graníticos. Que multiplicidade vegetativa medrando em tão exíguos espaços: morugens, parietárias, macelinhas, serralhas, mastruços, cimbalárias, urticáceas, asteráceas e poáceas de várias espécies, que formavam uma complexa sociedade vegetal bem regrada e regada pelas abundantes chuvas que têm caído ultimamente. Naturalmente que aos visitantes só sobram olhos para a sobranceria do monumento e sua relevância histórica. Quem é que se dispõe a reparar nos musgos, nos líquenes e nas pequenas ervinhas que nascem por entre os blocos de granito? E no entanto, eles lá estão a comprovar que a vida germina, pujante, mesmo nos locais mais imprevisíveis. Se neles não reparamos, erro nosso que, por costume ou vício, limitamos a acuidade visual e diminuímos a perspicácia.
Continuando, cabe agora convergir para uma plantinha macia e frágil com folhinhas, cuja configuração faz lembrar miniaturais pegadas de felinos.
Falo-vos da curiosa cimbalária-dos-muros ou ruinas ou ainda, como se diz em Espanha, “hierba de campanário”. A Cymbalaria muralis é classificada no seio de duas famílias botânicas: plantagináceas (classificação clássica) e escrofulariáceas (classificação filogenética). Endémica no continente europeu, naturalizou-se por todo o lado onde apareçam fendas de pedras, muros, paredes e telhados arruinados com um pouco de terra nitrogenada.
Trata-se de uma erva perene e rasteira de rápido crescimento. Apresenta folhas cordatas ou reniformes, pecioladas e alternas, geralmente com cinco lóbulos. Tem cor verde-escura na parte de cima e avermelhada na de baixo. Por sua vez, as flores, solitárias e hermafroditas, dispostas nas axilas das folhas, são lilases ou violetas, formando uma corola de dois lábios. Na parte superior é bilobada e na parte inferior, trilobada. Na garganta (chamemos-lhe assim) aparecem duas manchas amarelas que conferem à flor ainda mais formosura.
Esta plantinha possui uma característica botânica muito interessante. Quando cresce é fototrópica, ou seja, desenvolve-se procurando o sol. Logo que as flores ficam polinizadas, acontece o contrário. A planta contorce-se buscando as fendas sombrias onde introduz as suas sementes que germinam na estação das chuvas.
Nesta fase da escrita, os leitores decerto perguntarão – Afinal para que serve essa erva rupícola e ruderal?
Em primeiro lugar, apesar de minúscula, ela é muito bonita. Por isso, várias espécies de cimbalária são plantadas como ornamentais, formando autênticos tapetes vegetais a revestir empedrados.
Em segundo lugar, são-lhe atribuídas algumas propriedades medicinais: antiescorbútica e tónica (vide “Flores da Arrábida” de José Gomes Pedro), diurética, cicatrizante e anti-inflamatória. Em muitos países a medicina popular tem-na em grande conta. Diz-se que na Índia alcançou sucesso no tratamento da diabetes.
Em terceiro lugar, há quem utilize as suas folhas, de sabor parecido com o do agrião, em saladas crudívoras. Recomenda-se, no entanto, alguma parcimónia porque todas as espécies de cimbalária apresentam uma ligeira toxicidade.
Finalmente, mencionemos referências achadas num “site” italiano da “net”, quanto ao uso da planta como corante amarelo, embora de restrita durabilidade. Isso acontecia, obviamente, nas épocas medievais, quando ainda não se dominava a técnica dos corantes sintéticos. Hoje em dia quem é que liga à modesta cimbalária-dos-muros que escorre escorreita pelas muralhas do castelo de Guimarães?
Miguel Boieiro
6 de janeiro de 2013
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