Cristo não nasceu numa mangedoura, dentro duma gruta, com palha, burrinho e vacaquinha. Também não teve estrela a alumiá-lo, nem bafo de animal a aquecê-lo, nem reis magos a presenteá-lo. Não lhe chegaram pastores com leite, queijo e cabrito. Herodes não mandou matar as criancinhas recém-nascidas. Seu pai, José, não era velho, parvo e estúpido, de pé ou de joelhos, diante do salvador.
Mas acredito que a sua mãe, Maria, era esbelta, ternurosa e cheia de glamour, e não me custa aceitar que ajoelhasse diante de seu filho. Mãe é mãe, e todas as palavras bonitas são insuficientes para a definir, e todos os gestos à majestade dos filhos são normais.
O Natal de Cristo é uma metáfora, datada por conveniência na hora zero do início do ano solar - o solstício de Inverno; localizada por conveniência na cidade da família do Rei David - Belém; originada por conveniência num casamento de sangue azul - casal de nobres, e projectada por conveniência numa ascendência divina - o pai Espírito Santo.
Mas, porquê a metáfora?
Porque os sábios, donos do mundo e da ética, inventam verdades oníricas para manterem os povos embriagados no sofrimento, explicando-o com doses massivas de ser e não-ser, de ter e não-ter e de ver e não-ver.
E conseguem que a consciência do universo repouse serenamente perante as crianças que são paridas em tugúrios, com as estrelas por testemunhas, ao lado de cães vadios, e recebendo o leite da caritas que sobrou às crianças ricas. E conseguem paralisar a revolta, apontando a morte das criancinhas ricas, por contraste com as mal-nascidas. E conseguem dar sonho de realeza a quantos nascem condenados a um quadro de desgraça, fome e destino mórbido, supostamente por vontade divina. E conseguem incutir nos filhos a ideia de que o pai é um morcão, que se mantém pobre porque quer ou por ser malandro.
Claro que a mãe o é em todos os tempos e lugares e ninguém se atreve a dizê-lo de modos diferentes, conforme o local e o tempo: é ridículo o menino que nasce nas palhinhas, o burro que se entretém a mastigar a palha, a vacaquinha que saliva e mói, os reis magos que acompanham a estrela e dão ouro, incenso e mirra ao menino pobre, os pastores que pretendem poupar os seios maternos, a estrela que se coloca no topo da caverna, o pai que acompanha tudo com ar impávido e sereno... Mas a mãe não sugere o riso de quenquer - aqui, acolá, no fim do mundo! Mãe é mulher, não entra nas metáforas. É tão real e viva, tão natural, tão igual, que só pode ser imaginada qual é. Escusam pintá-la de sonhos: ela finta os sábios, vê o tempo e a distância. Mas não lhe dão a palavra para dizer - o ser, o ter e o ver.
Morra o Natal cristão que os dramaturgos criaram e vem sendo encenado todos os anos. Respeitem ao menos a mãe Maria, tirem-na do presépio e restituam-lhe os amores que viveu no calor do leito. Apresentem-na como mãe, com seios, caramba... e, de preferência, com o menino ao colo.
É tão lindo ver uma mãe com um filho no regaço! Acabem com os presépios! O Natal é uma mãe e um filho.
Natal de 2005,
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