Espaço Associados

Textos de Maria Luísa Malato


       Postais de Dili, 25 de agosto de 2013



Perdi a noção do tempo aí, apesar de manter o PC com horário de Lisboa (ou de Greenwich), em honra de José Nunes da Matta, autor da História Autêntica do Planeta Marte e do decreto que regulou a Hora Internacional em Portugal. Já é domingo há muito aqui, mas em Portugal ainda é sábado: moro em Timur Lorosae, na terra onde nasce o sol, vejo-o primeiro e sinto-me priveligeada por acolher primeiro o dia. Levanto-me cedíssimo, às 5, 6 da manhã, talvez ainda por jet leg, talvez já acordada pelas centenas de galos de Dili, e leio um pouco antes de arranjar o pequeno-almoço. Earl Grey Tea, com uma pequena nuvem de leite importado da Neo Zelândia, acompanhado com tostas francesas, ou gregas, ou rabanadas, que isto da Cozinha Internacional vai fazendo nos tachos um trabalho semelhante ao da Literatura Comparada nos textos: tudo se aproxima. De tarde é muito difícil trabalhar: o calor toma conta de tudo. Os cães dormem, quase não se veem gatos!, e as pessoas ficam à porta, de cócoras, com os braços entre as pernas, esperando a passagem do calor. Pode-se trazer outro ritmo de trabalho, pode-se até impô-lo, mas o calor parece ter moldado naturalmente a produtividade dos povos do sul, que não têm de trabalhar para aquecer. Qualquer plano de produtividade aqui terá de passar pela mudança dos horários de trabalho.

Talvez tenha sido essa a diferença entre a administração inglesa, quase só matinal, e a administração portuguesa, em que se entra e se sai mais tarde. Aproveito, e vou à praia de Dili. De nada me servem as referências literárias. A Praia de Lecidere, de que falava o escritor luso-timorense Nuno Cardoso, tem um cheiro duvidoso a porto de pesca e saída de esgoto. Tento as referências linguísticas. Já não tão teimosa, mas ainda levada pela memória das palavras, peço a um taxi que me leve à Praia da Area Branca. Constato que também a linguagem engana: a Praia da Areia Branca não tem qualquer traço de areia branca: é escura, sem ser cinza. Salvam-me os olhos, ao avistar ao longe uma faixa de beje, que não pode deixar de ser areia. No caminho, anunciando a improbabilidade, encontrei árvores que cresciam e floriam dentro do mar: as flores (ai, perdoa-nos, Fernão Mendes Pinto quando de ti duvidamos), os cálices que caiam das árvores pareciam grandes cálices de roseira. E vi um javali negro que saltava com a agilidade de um gato. E uma manada de quatro bois que molhava os pés na água do mar. E foi no caminho, entre a Praia da Areia Branca que não era branca e a praia de areia branca de que não tinha esse nome, que eu encontrei a mais bonita praia que algum dia vi.

     




Maria Luísa Malato