Espaço Associados

Textos de Maria Luísa Malato


       Postais de Dili, 24 de agosto de 2013



Ponto assente depois de acordado o horário da universidade: sábados e domingos, não trabalho. Sabat é dia de limpeza do que se vai acumulando ao longo da semana, por dentro. Domingo aqui é dia do Senhor, como me recordou ontem um pescador da Ilha de Ataúro a quem acabei por comprar um casal de estatuetas: só ele tinha de voltar ali, por causa dos turistas, para viver, que o peixe pouco dava. Dia de ir ao Cemitério de Santa Cruz, como queria. Teimo ainda em ir a pé. Mas é longe de Lecidere: uma meia hora incerta por ruas incertas, mas sempre a direito. Entre ruas largas e alcatroadas mas de esgoto aberto, aqui e ali. Entre pequenos mercados de fruta, onde se vende um número anormal de ramos pomposos de flores artificiais, e tascas onde se prepara o grelhador e se sente o cheiro a querosene. Som a única malai no cemitério. Apesar de ter visto tantas vezes as imagens do massacre a 12 de novembro de 1991, fazia o Jorge cinco meses, apesar de por acaso, intuitivamente, ter encontado a campa de Sebastião Gomes que provocou a revolta, não esperava encontrar um cemitério assim. Se exceptuarmos o caminho que vai da porta à capela vazia, uns trinta metros de passeio empedrado, tudo o mais é terra com campas, de cores, tamanhos e formatos variados. Em tijolo, cimento, tijoleira, azulejos de interior, terra limitada por pedrinhas, nem sempre com nome. Ladeiam-se as lages, um pé de cada vez, pisam-se as lages: não há caminhos. Muitas sepulturas são quase quadradas, de crianças. Vejo no Google, ao escrever isto, que a mortalidade infantil em Timor, apesar de estar a baixar, é ainda de 37 por cada mil nascimentos (dados de 2012, cf. 5 em Portugal, 3 em Espanha e todavia 84 em Angola). A acácia, que uma placa diz ter sido oferecida por Mary Robinson, procuro-a em vão. Nunca chegou a ser plantada, dizem-me depois. Onde? Velha mania de oferecer coisas para sítios sem conhecer os sítios. O curioso da fotografia de Max Stahl é então a probabilidade de ela se passar sobre uma campa, morte eminente por cima do túmulo de alguém. Foi então que vi, de entre as campas, soltarem-se dois papagaios de papel. E foi depois dos papagaios de papel que vi os miúdos que os soltavam. Primeiro um, depois uma dezena. Saltavam de lage em lage, ágeis e ladinos, só preocupados em chegar às inscrições mais altas para apanhar a lufada de vento. Pareciam anjos com asas, de papagaio às costas. Riam com o contratempo de o papagaio ficar preso em alguma pedra. Foram eles que me pediram uma fotografia.

     




Maria Luísa Malato