A casa branca da minha memória de infância é afinal a casa pouco familiar do Governador. Hoje, palácio do Governo. Parece ter sido ampliada, dignificada. Apesar de ter na frontada um monumento ao Infante D. Henrique, “por mares nunca dantes navegados”, de 1960, perdeu a traça de abastada casa colonial. Mas no curto passeio que faço pelas ruas de Dili quando vou para a Universidade, o que me parece mais estranho é a memória que tenho de coisas que não vivi: não sei como reconheci logo a fachada do Liceu Francisco Machado, o rendilhado em tijolo das casas modestas, o hábito das raparigas aqui ainda andarem de mão dada, ou o hábito de se cantar enquanto se trabalha com as mãos, ou a gargalhada franca e tímida de quem ria alto e só depois punha a mão na boca. Coisas antigas, vindas de não sei donde. Da mesma forma que não saberei nunca explicar, quando fui ao caos que é o Cemitério de Santa Cruz, como descobri eu a laje de Sebastião Gomes que queria tanto encontrar para lhe deixar um ramo de buganvília. De que me servem aqui as coisas que eu sei que sei? Mais me interessa o que não sei. Quando andava por mundos em que falava a língua nativa ou o inglês, talvez o racional fosse mais importante. Mas Dili é uma Babel: quase nunca se ouve português na rua: tétum (tétum-praça, de Dili, ou outro), bahasa (indonésio), chinês, em Timor Leste os linguistas ainda não estão de acordo sobre quantas línguas existem, entre 18 se 35, de duas famílias distintas, a austronésia e a papua. E todavia, reconhecem-se fórmulas de cortesia em português, misturadas com exclamações em inglês dos mais novos. O português é, com o tétum, língua oficial: ensina-se nas escolas desde há pouco mais de 10 anos, depois de ter sido proibido durante quase 30. Mas isso não basta para uma língua ser falada na rua, que é onde ela vive melhor.
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