Espaço Associados

Textos de Maria Luísa Malato


       Postais de Dili, 21 de agosto de 2013



Esta é a minha rua. Esta é a minha casa. É verdade. Não vim para o Hotel Timor, onde hoje (fui lá buscar postais) a ementa mais barata é um prato de bacalhau, a 11 dólares, moeda de Timor. O Hotel Timing anuncia-me em compensação a próxima reforma ortográfica da língua inglesa: “Thank you for comin. Please comin again”. É o preço por querer ficar mais tempo. Quase tudo aqui é caro, mesmo para uma malai (branca, estrangeira) como eu. Esta minha rua é uma avenida, Presidente Nicolau Lobato, a mesma avenida/rua da Embaixada de Portugal, simbolicamente situada nas costas da da União Europeia, ainda que um terreno vazio à beira mar anuncie as futuras instalações. Esta minha casa é um apartamento de 780 dls: quarto, cozinha, WC. Tem internet, ainda que lenta. Embora não tenha fogão, tem um wok eletrónico e uma arrozeira. Sem RTP Internacional, tenho quinze canais em chinês e árabe, três em inglês (um russo, um japonês e um alemão) e a TV5. Descubro que me deixaram na gaveta uma moeda de 10 c. Que me permite comprar meia bola de pão. Ou seja, tenho aqui tudo o que um chinês precisa para ser feliz. Por cúmulo da sorte é o apartamento 808, ressalvando-se a batota de terem eliminado o 804. Na rua, há muito pó e montes metódicos de lixo, buganvílias caóticas e gondões seculares. Aqui e ali veem-se ainda na cidade casas marcadas pelos projeteis. As casas melhores têm (ainda?) muros altos, grades e taipais de alumínio ondulado. Não estão longe das piores, em lata ou em cimento, sem vidros. O boeiro aberto alterna com o passeio de lage, o cheiro a flores com o do água estagnada. E eu dou-me subitamente conta que me deixaram na vida e no apartamento tudo o que uma portuguesa precisa para procurar ser feliz. Ami ba lai: ora aqui vamos nós.

     




Maria Luísa Malato