Espaço Associados

Textos de Maria Luísa Malato


       Postais de Dili, 7 de setembro de 2013



As areias da Praia da Areia Branca nem sempre são brancas. Quando desce a maré, é a vez das algas, das pedras, dos corais, dos carangueijos e das estrelas do mar, e de uma areia que lembra já a lama. Vi hoje um rapaz atirar à água uma estrela do mar do tamanho da palma da minha mão e não descansei enquanto não encontrei uma. Fiquei na praia até ela ser quase só minha e eu ter uma estrela assim. A praia esvaziando e eu enchendo um saco de Ali Babá: plantas fossilizadas, estilhaços de conchas que pela estrutura deviam ser gigantescas, pedaços de corais brancos e rosa... Um deles imitava tão perfeitamente uma vértebra que me lembrei de um soneto do Camilo Pessanha, pobre Pessanha que também andou sozinho por estes mares, como tu. Foi sem dúvida por ter visto estas conchinhas cor-de rosa que ele se lembrou das unhas dos náufragos. Foi talvez porque caminhou entre corais assim que ele descreveu o mundo como um esqueleto que só ele ouvia partir-se. Ou veio ele para aqui para tão longe, porque já o sabia? E como o sei eu, mas só de vez em quando? Acabei por descobrir uma estrela do mar, não como aquela que o rapaz tinha atirado ao mar, mas mais pequena e cinzenta como a noite que chega aqui cedo, às sete da tarde. E eu tão longe de casa, ainda. Estava a fotografá-la depressa, quando se meteu comigo um menino de uns dois anos que eu não tinha visto. Andava por ali ainda, com os pais, no final de um sábado, “ó dia fútil, mais que os outros dias/ minuete de discretas ironias/ tão lúcido, tão pálido”, naquele final de tarde quase cinza. Para mostrar que era forte, e sem eu o esperar, pegou na estrela e devolveu-a ao mar. Tarde demais para eu a pôr a secar ao sol, amanhã. Tarde demais para eu libertar a estrela daquele céu invertido e lhe dar um lugar perene na minha secretária. Valia-me a fotografia. Foi então que ouvi a música do Gabriel o Pensador, que vinda do stereo daquela família de brasileiros: “Tás a ver a vida como ela é?/ Tás a ver a vida como tem de ser?/ Tás a ver a vida como a gente quer?/ Tás a ver a vida prá gente viver?/ Nossa vida é feita de pequenos nadas./ Nossa vida é feita de pequenos nadas/ que a gente saboreia mas não dá valor...”. A vida, a vida é uma montagem. Com sorte, chegamos a assistentes de realização.

     




Maria Luísa Malato