Estou a meio da estada e gasto mais dinheiro do que estava à espera. Tinha um plano, mas, no plano, tinha-me esquecido de incluir os já 40 dólares da recarga do telemóvel para falar com Portugal, os 42 dólares pela electricidade do quarto, os 30 dólares por um "tais" (que é uma saia ou pano com motivos tradicionais timorenses), ou os 14 dólares por 30 litros de água engarrafada porque a água que corre nas torneiras não pode ser usada para cozinhar e lavar os dentes. O que é na verdade viver aqui, não durante dois meses mas durante um ano? É difícil dizer. Vinha avisada pelas tabelas comparativas da internet. A http://www.numbeo.com/cost-of-living/comparison.jsp é um site útil para perceber como funcionam os padrões de vida. As despesas são em geral 51,33% mais altas em Dili e o poder de compra em Dili é menor (88,72% mais baixo do que no Porto). A internet e a electricidade é 100-200% mais barata no Porto (dependendo dos serviços) e (acrescento eu) em Dili é talvez 40% mais lenta e intermitente. O site explica também porque é difícil ignorar a sedução indonésia: a vida em Jakarta é 50% mais barata que em Dili e o poder de compra em Jakarta é 314,26% maior. Todavia, para quem anda pela rua, a numbeo é um site quase inútil: os preços não são lineares e o que achamos essencial é-o. O preço de um almoço atribuído pelo Numbeo a um restaurante barato (3.79 €) só é praticado pelos restaurantes de higiene duvidosa. Mas pode-se comer uma feijoada no Hotel Katuas por 8 dólares, sem bebida (mais 2 a 6 dólares). Os preços na rua para malai são diferentes dos que existem para os locais. Embora o supermercado Páteo seja uma instituição em Dili, onde se compra tudo o que é português, desde coentros a queijo da serra, é em geral mais caro que um supermercado indonésio, onde se pode comprar um litro de leite magro do Continente por um dólar e meio. Não consigo prescindir do azeite, o que me exige o reembolso de quase 7 dólares por um da marca Continente. Gasta-se mais se vivermos como um português em Timor, sobretudo se quisermos alimentar o sonho de continuar a comer como em Portugal, sonho que é perfeitamente possível de se realizar. Paga-se em geral caro o que é importado. Ora, exceptuando-se os ovos, o arroz, o café, o chá, as bananas, o tomate e outras frutas e legumes, quase tudo é importado. Nomeadamente o mel, chinês ou australiano, que é mau e pouco difere do açucar caramelizado. Pode-se comprar peixe barato na rua, mas com cuidado, porque nem todos são do dia e quase sempre esteveram todo o dia ao sol. 75% dos timorenses têm galinhas e porcos. A restante carne é importada: há vaca australiana, frango indonésio, pato chinês, picanha brasileira, chouriço português, haja dinheiro. O leite vem da Neo-Zelândia ou é marca Continente, vai-se lá saber de que nacionalidade é. O pão é que parece ser mania portuguesa: ou vem da Padaria Brazão, com fábrica aqui ao lado, ou é de forma, adocicado. Em geral, o timorense (pelo que vejo comprar no supermercado) acaba por comer muitas salsichas, muito frango, muito arroz, muita banana. O arroz é bom aqui, só com água, e estou quase a concedê-lo: os portugueses estragam-no com azeite, alho, cebola e sal. Os universitários aqui não comem pizza: mas parecem comer mal como em toda a parte: consomem pacotes industriais de noodles que se confecionam com água quente e se temperam com um pó cujo sabor varia entre o marisco e a carne: custam menos de um dólar por dose. Um quilo de salmão fumado custa 30 dólares. Mas a melhor refeição que até agora comi foi comprada na praia e custou 2 dólares: uma katupa (arroz cozido em leite de coco e caril, envolto nun entrançado de folhas de bananeira) e duas pequenas espetadas de frango na brasa. Dizem-me que há muito dinheiro por aqui: nota-se um pouco nos carros novos, nota-se muito nos vidros negros que os donos sentem necessidade de lhes colocar, e muitíssimo nas crianças que vendem ovos e pedem dinheiro para água: be. Pode-se viver sem precauços, jardim protegido por ferros forjados, vidros pretos no carro, abastecimento no Páteo, refeições semanais no Katuas, almoço de domingo no Hotel Timor. Nem sempre é possível, mas é possível. Pode-se ir dar uma aula de Retórica sobre técnicas de leitura e fluência da língua portuguesa e não ver uma revolta. Foi o que me sucedeu. Nem dei conta da greve na UNTL, levada a cabo pelos alunos de Economia, porque estava a dar aulas no Departamento de Educação. Os alunos tomaram delicadamente de assalto a Reitoria e não deixaram os funcionários trabalhar. Algum transtorno houve, com efeito: a Reitoria, deve dizer-se, funciona em modestos pavilhões pré-fabricados e os funcionários foram trabalhar para outra sala, com os computadores portáteis. Os alunos queriam afinal uma biblioteca, e que as casas de banho fossem arranjadas. Dificilmente percebem para quê agora tantas obras na UNTL, tantas covas para colunas e jardins, se não há bibliotecas com livros e computadores, se não há casas de banho inteiras. Talvez não saibam que ninguém se lembrou de ver as casas de banho como impressionantes. Talvez não saibam que uma biblioteca obriga, segundo alguns, a ter quem saiba catalogar os livros, e, segundo outros, a ter quem decida se os livros hão-de ser em tétum, em português, em inglês ou em bahasa. Tudo problemas que são muito mais demorados para os professores resolverem aqui.
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