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       A estabilidade da instabilidade (e vice versa)

Publicado no PÚBLICO (pag. 38) em 2011-01-29



“Os portugueses optaram pela estabilidade”. É esta a conclusão do secretário geral (SG) do partido do Governo. Dada a coincidência de o primeiro-ministro (PM) ser um destacado militante do mesmo partido, é deveras estranha esta conclusão do SG.

Face às suas íntimas relações, não é provável que o PM não informe o SG de tudo o que sabe sobre “as opções dos portugueses” e muito menos admissível é que aquele, o PM, não saiba alguns factos que tornam estranha aquela conclusão do seu íntimo amigo SG.

Por exemplo, que: com mais de 540.000 desempregados, o desemprego é uma angustiante ameaça para as pessoas, como factor de risco de pobreza e de “apodrecimento” profissional, pessoal e social; que o aumento do desemprego projecta-se na degeneração da qualidade do emprego, no aumento da precariedade, na degradação dos salários e das condições de trabalho; que há um aumento dos bens e serviços essenciais e um encarecimento e perda da qualidade e tempestividade de resposta de vários Serviços Públicos (por exemplo, Saúde, Educação e Justiça); que há um crescimento das desigualdades sociais; que o(s) poder(es) político(s) não apresentam propostas políticas que credibilizem uma esperança sustentada da retoma de condições dignas de trabalho e de vida, uma esperança de estabilidade.

Estranha-se que, destes factos que ele conhece tão bem (“de gingeira”, como dizem “os portugueses”) pelo seu alter ego PM, o SG expresse uma conclusão sobre as “opções” de “estabilidade” dos “portugueses” quando, de facto, estes factos, factualmente, projectam, constituem, afinal, precariedade, imprevisibilidade (como escreve o professor António Barreto no PÚBLICO do dia seguinte), angústia, em suma, instabilidade.

É difícil de aceitar que esta análise das eleições de mais não resulte do que de uma cadeia de equívocos sobre as “opções dos portugueses”, com o SG a ser mal informado pelo PM que, por sua vez, ingenuamente (é uma delícia ter um PM ingénuo), foi mal (ou pouco) informado pelos seus assessores e consultores sobre as “opções dos portugueses”. Apesar de - convenha-se – os portugueses, com séculos de errância geográfica e já quase quatro décadas de saudável errática política e pelo menos uma década de doentia(s) política(s) errática(s), serem sempre, nas “opções”, um difícil objecto de assessorias e consultadorias, dada a sua imprevisibilidade e… instabilidade.

Sendo assim, descartando absolutamente a hipótese de o SG não estar a ser sincero e verdadeiro (o que seria mais uma “vil baixeza”), arrisco três hipóteses para esta estranha conclusão, apesar de todas elas serem muito instáveis: 1) o PM quis “puxar o tapete” ao SG, soprando-lhe uma informação errada; 2) o SG esqueceu-se que as “opções” de “estabilidade” forçada dos portugueses desapareceram com o 25 de Abril; 3) “os portugueses” “optam” pela estabilidade da instabilidade.

Destas três hipóteses, é a última que me parece mais…instável.


João Fraga de Oliveira, Santa Cruz da Trapa