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       A ilusão do óbvio





A tendência para iludir o óbvio é a primeira paixão da humanidade. Esta teoria, que terá sido defendida por Freud, aplica-a o professor Santana Castilho ao Governo, em artigo publicado no PÚBLICO de 13/10/10.

Claro que, de facto, aquela teoria pode ser aplicada à realidade económica, no sentido de que, sendo óbvio o seu depauperamento progressivo, o Governo sempre tem vindo a iludi-lo.

Penso, no entanto, que a realidade que (nos) tem vindo a ser negada, iludida, por este e anteriores governos (vá lá, pelo menos, de há quinze anos a esta parte) é (ainda) muito mais óbvia do que a realidade económica.

O óbvio que nos têm iludido, sob as ilusões do financismo, da tecnocracia, da manipulação (da) política, dos jogos e ilusionismos de poder, é a realidade concreta das pessoas. Como tal, como seres humanos.

Para o diagnóstico disto, por tão óbvio (basta sairmos à rua e “vermos, ouvirmos e lermos”), não é preciso o apoio de Freud, da psicanálise.

E para o tratamento também não será a psiquiatria a especialidade clínica indispensável (muito embora talvez seja útil criar a “especialidade” de “psiquiatria política”) mas, sobretudo, a “especialidade” política da democracia.

Não apenas a democracia formal, o voto com que também nos têm iludido. Mas a democracia real, a mobilização, a contestação, a participação concreta dos(as)…iludidos(as), das pessoas. Como tal e, em democracia, como cidadãos.

Só assim é possível “tratar da saúde” a esta “poderose”, até porque, como defendeu um contemporâneo (e interpelante) de Freud (Marx), “não vale a pena termos ilusão acerca da nossa condição se não arranjarmos uma condição que não precise de ilusões”.

Para que o que é (humana e socialmente) óbvio deixe de ser ilusão.

João Fraga de Oliveira, Santa Cruz da Trapa