"O povo tem que sofrer as crises como o Governo as sofre".
É o que entende o Sr. presidente do Partido Socialista (PS), quando questionado sobre a violência das medidas orçamentais anunciadas pelo Governo no passado dia 29 de Setembro.
O Governo sofre? A pergunta é pertinente. Primeiro, porque, tomando à letra a frase do Sr. presidente do PS, (ainda) não há nenhuma confirmação científica de que os governos, quaisquer governos, possam "sofrer". Depois, porque, mesmo no sentido alegórico daquela frase, a ideia que fica da forma como essas medidas foram apresentadas (e defendidas em sucessivas entrevistas) pelo primeiro ministro (PM) é a de, ao tomá-las, o estado de espírito do Governo não ter sido tanto o de "sofrimento" mas de "coragem", determinação"," tranquilidade de consciência".
Com um bocadinho de optimismo (algo que vem sempre a propósito), até se pode supor que o estado de espírito do Governo é, até, de vitória, visto que, objectivamente, "encostou o PSD à parede".
Consta-se que houve quem, no Governo, tivesse "dormido mal". Mas uma noite "mal dormida" não é necessariamente sinal ou fonte de sofrimento, podendo, até, sê-lo de prazer... . "Não vá o sapateiro além da chinela" em matéria de "psicologia governamental" (uma especialidade que é bem capaz de ter futuro) mas, à partida, "coragem", determinação" e, sobretudo, "tranquilidade de consciência" são a antítese do sofrimento. São, até, formas de o sublimar.
Por isso, para alguém do "povo", esta frase do Sr. presidente do PS é algo intrigante. Uma das hipóteses é ter havido um lapsus linguae, supondo-se que, como insigne democrata que é, tivesse querido dizer que "o Governo tem que sofrer as crises como o povo as sofre".
Não se confirmando esta hipótese, talvez, de facto, "o povo" ande tão acabrunhado com o governo do(s) sofrimento(s) que nem dê o devido valor ao sofrimento do Governo.
João Fraga de Oliveira, Santa Cruz da Trapa