Estas palavras são do Sr. Secretário de Estado da Educação (SEE). Foi assim que este governante, num recente debate público sobre Educação, retorquiu, corrigindo-a, à jornalista moderadora quando esta, referindo-se aos “mega-agrupamentos” escolares promovidos pelo Governo, dizia ”escolas”.
Relembrar estas palavras do SEE vem agora mais a propósito. Agora quando, no início das aulas, esta teoria das “unidades de gestão” já é generalizadamente assumida pelo Ministério da Educação (ME) e se vê aplicada nas medidas de “reordenamento da rede escolar” em curso, com o encerramento de centenas de escolas e com o (mega)agrupamento de muitas centenas (milhares, em muitos casos) de alunos num único estabelecimento escolar. Ou, pelo menos, com a centralização da gestão de várias escolas e agrupamentos de escolas.
Pelos vistos, as escolas não deverão ser consideradas… escolas mas, ME dixit, “unidades de gestão”.
Absurdo? Nem por isso. Talvez até haja nisso alguma lógica. Mas, também, algum perigo.
São lógicas, desde logo, porque tinham suporte legal. Concretamente, o da Resolução do Conselho de Ministros (RCM) Nº 44/2010, de 14 de Junho, a qual, estando na base da promoção dos famigerados “megaagrupamentos” escolares, visou “criar condições para a criação e consolidação de unidades de gestão que integrem todos os níveis de ensino”.
Portanto, antes de mais, são lógicas essas palavras governamentais, porque, como se sabe (apesar de haver razões para muitas dúvidas… ), tudo o que é legal é (será?) lógico.
São lógicas, depois, estas palavras, por uma razão mais substantiva, (ainda) mais … lógica: a forma como começou a ser feita a promoção da “agregação de agrupamentos” escolares.
Um pouco assim como a “reestruturação” de (“mega”) empresas, instalando numa única “nave” a gestão e os “recursos humanos” ou, dispersos estes pelas várias “filiais”, centralizando toda a gestão na sede.
De facto, esta concepção centralista, administrativa, tecnocrata, gestionária, do “reordenamento escolar” é lógica, “diz bem”, com a caracterização das escolas como ”unidades de gestão”.
São ainda lógicas tais palavras, porque, “sendo” as escolas “unidades de gestão” e estando na moda modelos de gestão “firmes” e “musculados”, tem lógica que, de repente, “à pressa”, pela canícula (com professores, alunos, pais e comunidades locais desmobilizados pelo cansaço de um ano de trabalho, pelos trabalhos de ultimação do ano lectivo e preparação do seguinte, pelas férias) e pela “calada”, de “cima para baixo”, “sem dizer nada a ninguém” (sem diálogo oportuno, efectivo e consequente, garantem-no os directores de escola, os professores, os pais e muitos autarcas), fosse desencadeada a colocação em prática da tal Resolução do Conselho de Ministros.
É também lógico que o ME passe a considerar as escolas como “unidades de gestão”, porque, sendo o “pragmatismo” a essência de muitos dos actuais modelos de “gestão” (e não só), os respeitáveis princípios desta RCM e outros referenciais programáticos invocados e contidos em demais legislação estruturante do sistema educativo e da autonomia, administração e gestão escolar e, até, dos do superior interesse e dos direitos da criança, são relativisados pela urgência, “racionalidade” e “eficácia” da aplicação dessa RCM.
Têm também muita lógica aquelas palavras do SEE face ao que nos “habituámos” nos últimos anos em matéria de Educação.
De facto, é lógico que o Governo (ou, pelo menos, governantes) continue a “observar” a realidade socioeducativa (sobretudo aquela que se desenvolve em locais onde não se vê o mar, no interior do país) com critérios, métodos e instrumentos “objectivos”, “racionais”, que são próprios de grandes (“megas”) “unidades de gestão”.
Ou seja, com aquele distanciamento “técnico”, determinismo tecnológico e rigor jurídico que, face à complexidade destas (“mega”)organizações, só se consegue atingir em gabinetes situados perto do mar e bem isolados do “ruído” da interioridade. Onde, nas grandes secretárias, os consultores de “gestão”, com régua, esquadro e lupa, possam trabalhar os artigos, as alíneas, os inúmeros números, as médias e as medianas, as linhas, os ângulos, as várias “geometrias”, os megabytes com que se desenham e formatam os grandes (“megas”) “espaços de qualidade“ onde se irão “megagrupar” milhares de “elementos”, digo, de alunos, professores, técnicos e funcionários.
“Unidades de gestão”. Três palavras apenas. E, no entanto, tanta é a lógica que, nos últimos anos, elas encerram em matéria de Educação!
Mas há um perigo nesta lógica … de secretária. É que, como escreveu John Le Carré, “as secretárias são sítios perigosos para observar o mundo”.
E quando um governante faz preponderar as palavras “unidades de gestão” sobre a palavra “escola”, surge uma certa sensação de perigo para a Educação, como Serviço Público humana, social, económica e politicamente essencial.
É que tais palavras, por si só, indiciam uma concepção sobre a Escola Pública tendencialmente gestionária, empresarial, em que, invertendo-se princípios que são referência (legal, inclusive) nesse domínio, passa a vingar o primado dos critérios económico-administrativos (de “gestão”) sobre os critérios educativos.
Por isso, merecem atenção estas palavras. Não apenas pela sua “lógica”, como também já vimos. E também não só pelo respeito que é devido ao Governo. Ou, sequer, pelo poder político que, como órgão executivo de soberania que é, o Governo confere a essas palavras.
Devem, sim, essas palavras serem tidas em conta sobretudo pelas concepções e projectos de acção que lhes subjazem e que lhes conferem um “poder simbólico”, aquele poder que decorre da relação, biunívoca e permanente, entre “as palavras e as coisas”. E que faz com que as coisas façam palavras e as palavras façam coisas. Ou desfaçam.
É que, de facto, a forma e condições em que foi desencadeado o processo de “reordenamento da rede escolar”, sob a “bênção” destas governamentais palavras “mágicas”, pode fazer (ou fazer fazer) muitas “coisas”.
As implicações dessas “coisas” podem até nem ser imediatamente percebidas, dado o facto de os efeitos de muitas delas serem diferidos e interligados, como é frequente na maior parte dos processos sociais (e se há processo que seja eminentemente social, esse é o da Educação).
Mas é de temer que, cedo ou tarde, de uma maneira ou de outra, ir-se-ão projectar nas comunidades escolares e locais. E, portanto, na (não) qualidade do ensino. Em termos de, por exemplo: