A matemática faz bem à saúde? Como com qualquer ciência, depende do resultado do seu (ab)uso. Estatísticas: Em 2009, houve 52.799 queixas de utentes do Serviço Nacional de Saúde (SNS), mais 13 por cento, sendo o motivo mais invocado (38 por cento) o tempo de espera pela consulta; mais estatísticas: cada médico de família tem a seu cargo cerca de 1500 utentes e em 2009 cerca de 500 médicos pediram a reforma antecipada (fonte: IGAS e Ministério da Saúde).
Destas estatísticas, interessa reflectir a relação entre os seus objectos, entre as queixas dos utentes sobre o tempo de espera e as reformas antecipadas dos médicos.
Num sentido, o tempo de espera dos utentes pelas consultas é um efeito das reformas antecipadas dos médicos. Em sentido contrário, as reformas antecipadas dos médicos (também) são efeito do tempo de espera pelas consultas.
Explicando esta relação em “círculo”, o primeiro sentido é quase óbvio, visto que as reformas antecipadas fazem com que haja menos médicos disponíveis no SNS.
Mas o segundo sentido desta relação é menos evidente. É que, é também muito a pressão (política e social) sobre os “tempos de espera” que, nos serviços de saúde, leva quem gere à definição de “objectivos de desempenho” de aumento crescente do número de doentes a cargo de cada médico e de aumento do número de consultas. Com consequente aumento de “carga” do trabalho, maior desgaste físico e psíquico (há conhecimento de casos de burnout ), maior probabilidade de risco e de responsabilização por “erro” e, não menos desgastante, ao sentimento de frustração, desmotivação e descaracterização deontológica e profissional por percepção de desumanização ou aligeiramento das consultas (ou outros actos médicos) por falta de tempo.
E daí, muito daí, a decisão pela reforma (aposentação) antecipada. Aliás, é pública a invocação para as reformas antecipadas dos médicos a degradação das condições de trabalho e não apenas a alteração (repentina) das regras administrativas das condições de aposentação.
A situação dos médicos é, aliás, comum a muitos outros serviços da administração pública, em que o que se está a passar com a aposentação das pessoas se insere num contexto de “círculo vicioso” entre uma “quantofrenia” de “resultados” “matemáticos”, degradação da qualidade do serviço público a prestar e degradação da qualidade do trabalho das pessoas, dos funcionários, que o prestam.
Voltando à Saúde, como interromper o vicioso “círculo” entre o aumento de tempo de “espera” (atendimento) nas consultas e o aumento de tempo de espera pelas consultas? Mais tempo para as consultas e menos tempo de espera por estas é uma “quadratura do círculo”?
Que solução para este problema “geométrico”? Talvez operações de ” aritmética”, de “adição” e “subtracção”, isto é, com mais profissionais, mais organização, mais qualidade do trabalho, (mais) políticas de Saúde mais eficazes, humanas e sociais e menos tecnocratas e economicistas. Mais (real) Serviço Nacional de Saúde. Enfim, com “matemática(s)”.
João Fraga de Oliveira, Santa Cruz da Trapa