“Foram fixados objectivos ambiciosos e difíceis e foram ultrapassados”.
“(…)Sempre mais objectivos de produção com menos meios pesaram duramente neste drama”.
No mesmo dia (6/4), ouvimos e lemos estas duas frases. Interessa delas relevar que, tendo ambas o mesmo objecto (os “objectivos”) e contexto (a “gestão” empresarial), bem contrastante é o que directamente lhe subjaz.
A primeira pudemos ouvi-la na TV, pela voz do presidente executivo da EDP, snr. Eng.º António Mexia, a propósito do “prémio de gestão” de 3,1 milhões de euros com que foi remunerado, digo, “premiado”.
A segunda pudemos lê-la aqui no PÚBLICO, transcrevendo um sindicalista francês pronunciando-se sobre o suicídio de três trabalhadores do parque de diversões infantis parisiense Eurodisney.
Não é só aos trabalhadores que são fixados “objectivos”. Aos presidentes executivos, também, pois então. É justo. O que já não parece justo e contrasta é que, para um (o presidente executivo), os “objectivos” são uma fonte de “prémios” “obscenos”. Enquanto que, para outros, muitos, os “objectivos” são uma fonte de drama. Mas este contraste merece mais algumas reflexões…
Uma é a questão de se saber se ninguém mais mereceria (d)o prémio pago ao snr. presidente executivo, se o “prémio”, em vez de só de(a) “gestão”, também não deveria ser de(a) “execução”. Tal como o Vasco da Gama não descobriu sozinho o caminho marítimo para a Índia, também o sr. presidente executivo teve, para a sua “liderança”, o contributo de 12000 “marinheiros”. Até nós próprios, consumidores de electricidade, com as altas tarifas que pagamos (apesar de algumas falhas de qualidade no serviço), para ele contribuímos.
Outra é a de que não há assim tanta lógica na explicação do sr. presidente executivo, porque, por exemplo na Administração Pública (que deveria ser exemplo para uma empresa que presta um serviço que, se não é público é, pelo menos, essencial), há muitos trabalhadores que “ultrapassaram objectivos difíceis de atingir” e não foram premiados, sendo que-consta-se – há até alguns que, mesmo assim, de facto “excelentes”, foram considerados “excedentes”.
Por falar em “excedentes”, uma outra reflexão é a de que, muitos trabalhadores há (e haverá) que, também ultrapassando os “objectivos”, o “prémio” foi serem despedidos. E, já no desemprego, até o “prémio” (pelo que o PEC prevê, parece que é assim que o respectivo subsídio tende a ser considerado) lhes querem diminuir.
Enfim, é por estes e por outros idênticos “contrastes”, que, como se sabe, Portugal é um país que ultrapassa todos os “objectivos” europeus da desigualdade social.
Dir-se-á que, em termos de “PIB”, “défice” e outras medidas agora “universais”, o tal prémio é “simbólico”. Mas- é avisado que as “lideranças” e o poder político tenham isso em conta - do ponto de vista humano e social, como demonstrou Bourdieu, o simbólico tem muito poder.
João Fraga de Oliveira, Santa Cruz da Trapa