“Um gajo tem de trabalhar onde há trabalho. Onde é que há-de ganhá-lo?”
Assim respondia a uma jornalista de uma televisão, num hospital de Barcelona, o Sr. Fernando Pereira, um dos trabalhadores portugueses gravemente feridos no acidente ocorrido na construção de um viaduto, em Andorra.
Outros cinco portugueses morreram nesse acidente, cujas causas mais prováveis terão sido, como sempre, as más condições de segurança no e ou do trabalho (planeamento, organização ou execução).
Tal como neste acidente, muitos portugueses têm morrido a trabalhar no estrangeiro (sobretudo em Espanha), quer em acidentes ocorridos nas obras, quer nas estradas quando das deslocações periódicas às residências em Portugal.
O desemprego está no centro das preocupações sociais e políticas. E, afinal, é o trabalho que mata e não o desemprego. Mas, será mesmo assim?..
O que força estes trabalhadores a deslocarem-se para o estrangeiro, por exemplo para Espanha ou Andorra e a arriscarem-se a trabalhar muitas horas diárias e, muitas vezes, em más condições de segurança? O desemprego os salários, que são muito inferiores em Portugal.
A reflexão (e acção) sobre o emprego e o desemprego não pode assentar apenas nas estatísticas que, politica(queira)mente, são arremessadas para a “esquerda” e para a “direita”. O que consubstancia a abstracção desses conceitos é a sua componente humana e social, muitas vezes dramática. E a mera “evidência” das estatísticas pode “cegar” o olhar e a reflexão necessária sobre esta componente.
Como escreveu Yves Clot, “o trabalho tem um braço longo”. Muitas vezes, para matar (ou ir matando), por doenças e acidentes implicados pelas más condições em que é realizado. Contudo, em princípio, possibilitando que se ganhe a vida e, mesmo, que se ganhe vida, isto é, o sustento, saúde, realização pessoal, integração social.
Mas o “ longo braço” do desemprego, esse, é muito mais sinistro. Porque sempre destrói não só o trabalhador mas a própria família. Porque as suas vítimas não são apenas os desempregados mas também, sempre, os desempregados (que, sob o seu espectro a tudo se sujeitam e são sujeitos). Ainda porque, “fantasma”, escamoteia (“até” às estatísticas) muitas das suas funestas consequências. E, finalmente, porque, como vem a acontecer com trabalhadores portugueses no estrangeiro, ainda que lá longe para onde os empurrou, mata.
João Fraga de Oliveira - Santa Cruz da Trapa