O trabalho, muitas vezes, mata. Por exemplo, no sector da construção, aquele onde, em Portugal (e não só), se verificam mais acidentes de trabalho mortais (AT). Segundo dados oficiais, no ano de 2008, dos 120 AT verificados em todos os sectores de actividade, 59 ocorreram no sector da construção.
Este números são dramáticos. Aliás, bastaria apenas um AT para constituir um drama (humano, familiar, social e, até, económico). Mas talvez haja uma forma “optimista” de os interpretar (é para isso que muitas vezes servem as estatísticas, para induzir “optimismo”), se tivermos em conta que eles constituem uma diminuição do número (82) de AT ocorridos em 2007 em cerca de 71%.
Entretanto, segundo dados do IEFP veiculados pela FEPICOP, no último ano, o desemprego no sector da construção aumentou cerca de 77%.
Com este dado, lá entramos na “ciclotimia” optimismo / pessimismo, porque ele nos leva a supor, com alguma sustentação, que a diminuição dos AT não se deveu à sua prevenção, à melhoria das condições de trabalho mas, sim, ao desemprego.
É o trabalho que mata e não o desemprego, parece óbvio. Será?...
Desde 2005, mais de 40 trabalhadores da construção portugueses já morreram na Galiza vítimas de acidentes de trabalho, ocorridos nas próprias obras onde trabalhavam ou, como já aconteceu este ano com 7, nas estradas espanholas quando nas deslocações semanais de e para as residências familiares, no Norte de Portugal.
E o que força estes trabalhadores a deslocarem-se para Espanha? Naturalmente, o desemprego (e, também, os salários, que em Portugal são inferiores em cerca de dois terços aos praticados em Espanha).
Que conclusão extrair destes dados? Essencialmente, que o enfoque do desemprego não se pode resumir às estatísticas que, politica(queira)mente, são arremessadas para “esquerda” e para a “direita”. Há sempre no desemprego algo humana e socialmente dramático que não deve ser escamoteado pelas (meras) estatísticas.
Alguém (Yves Clot) escreveu, com razão, que “o trabalho tem um braço longo”. É certo que, muitas vezes, para matar (para fazer perder vida ou, mesmo, perder a vida, por doenças e acidentes que causa). Mas, como princípio, para fazer ganhar a vida e, mesmo, ganhar vida, isto é, sustento, realização pessoal, integração social, saúde.
O desemprego tem também um “ braço longo”, mas muito mais sinistro e “fantasma” (sem estatísticas). Desde logo porque sempre destrói não só o trabalhador mas a própria família e, mesmo, a sociedade. Depois, porque as suas vítimas não são apenas os desempregados “cá fora” mas também, sempre, “lá dentro”, nos locais de trabalho, os desempregados (que, sob o seu espectro a tudo se sujeitam e são sujeitos). E, ainda, porque, como tem acontecido na Galiza com trabalhadores portugueses da construção, ainda que lá longe, muitas vezes, mata.
João Fraga de Oliveira - Porto