Espaço Associados



       O “trabalho” do desemprego

PÚBLICO-19/02/2009-pag.34



Por todo o mundo, na Europa, em Portugal, notícias de despedimentos e de empresas que encerram.

É claro que a situação de quem fica desempregado, a pobreza, a fome, a indignidade, é a expressão mais visível, dramática e preocupante do desemprego. Mas há mais reflexos socialmente perigosos do desemprego que estão a emergir e que não devem ser desvalorizados.

Um deles é o de que o desemprego se reproduz a si próprio, isto é, desemprego gera desemprego. Desde logo, porque, inibindo o consumo, diminui a necessidade de produção. Depois, porque, como é público, em muitas empresas, há quem (se) aproveite (d)o desemprego como pretexto para, gratuitamente, despedir trabalhadores ou, até, encerrar a própria empresa, em não poucos casos, à margem da lei.

Para além disso, tem também por efeito a degradação das condições de trabalho, porque, para muitos empregadores, o desemprego existente “cá fora” é instrumento para, “lá dentro”, (sobre)intensificarem o trabalho, desregularem os horários de trabalho, atrasarem o pagamento dos salários, descurarem as condições de segurança e saúde, desenvolverem situações de “assédio moral”. E também porque, justamente por medo (ainda) do desemprego, muitos trabalhadores “aceitam” e “consentem”, sem possibilidade de exercitação dos seus direitos, um emprego seja lá ele qual for, um emprego(mesmo sem condições de trabalho, mesmo com o atropelo de direitos, indigno.

Do desemprego, as vítimas são, também, os empregados e não apenas os desempregados.

O que preocupa ainda mais é que, numa situação como a que se vive, em que o emprego é um bem (cada vez mais) escasso, há uma certa tendência para germinar e ser alimentada a ideia de que “nestes dias de crise mais vale ter emprego, mesmo que mau, desprotegido, sem direitos, precário, do que não ter emprego nenhum” (dr. Pacheco Pereira, na revista Sábado de 30/108 e, mais ou menos na mesma linha, no Público de 31/01/09), a ideia, socialmente perigosa, de que o sofrimento e a injustiça social só atinge os desempregados, sendo os empregados uns “privilegiados” pelo valor absoluto do seu emprego, por mais degradadas que sejam as condições de trabalho deste.

Não é aqui o espaço para facilmente demonstrar que, para as pessoas e para as empresas, um dos instrumentos da criação de emprego e de combate ao desemprego é justamente a qualidade do emprego.

Mas do que se não prescinde é de afirmar que é inaceitável que se passe a ter por normal, por banal (a “banalização do mal”), que os trabalhadores, sendo já eles as vítimas do desemprego por falta de trabalho, o sejam também do “trabalhinho” de degradação das condições de trabalho que o desemprego também vai fazendo.


João Fraga de Oliveira – Porto