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       Para onde vai o Trabalho humano?

PÚBLICO -12/04/2008-pag.43



O professor Elísio Estanque perguntava neste jornal, no passado dia 2 de Fevereiro, o que está a mudar no trabalho humano? . E respondia a esta pergunta, identificando e caracterizando as principais mudanças que se vêm a verificar no mundo do Trabalho, bem como as consequências mais relevantes dessas mudanças, do ponto de vista económico, social e humano.

Reflectindo sobre esse excelente artigo, coloco-me a mim próprio a pertinência de outra pergunta que considero intimamente relacionada com a formulada pelo professor Elísio Estanque e que, aliás, há 50 anos, foi já expressa, por Georges Friedman (Oú va le travail humain – Edições Gallimard – Paris-1963): Para onde vai o Trabalho humano?

Para onde vai o Trabalho que tantos procuram (re)encontrar e que tanto desaparece?

Vai, é certo, para o exterior. Para o exterior do país e da própria União Europeia, por exemplo, através das “deslocalizações da produção” (estão na ordem do dia os recentes despedimentos colectivos em duas grandes empresas, DELPHI e Yazaki Saltano), para países de outros continentes ou, por uma forma mais individualizada, através do teletrabalho intercontinental.

Mas vai também para o interior.

Para o interior da União Europeia, através da emigração (que, em Portugal, tem vindo, de novo, a crescer) e do destacamento de trabalhadores (como tem sido o caso da construção civil).

Para o interior do país, através das cadeias de sub(sub, sub, sub...)contratação, e trabalho temporário, em que, clandestinamente, muito trabalho “desaparece”.

Para o interior das empresas (e da própria Administração Pública), onde “desaparece” através do trabalho clandestino (sobretudo, o suplementar, para além do horário de trabalho), dos “estágios” não remunerados (de que já há descaradas ofertas nos jornais), dos falsos “recibos verdes”, dos biscatos, etc.. Mas o que é, talvez, mais perverso é que esse trabalho que “desaparece”, afinal, vai, também, através da sua (sobre)intensificação e degradação das condições em que é exercido, para o interior das pessoas.

Desde logo, porque, quando há rescisões ou cessações do contrato de trabalho, os trabalhadores vêm para o “exterior” (para o desemprego, para a reforma ou para a aposentação) mas, no “interior” das Organizações (des)Empregadoras, não sendo, em regra, esses trabalhadores substituídos oportunamentente, o trabalho, realmente, fica lá todo. Só que “desaparece”, para o ”interior” dos trabalhadores que restaram, os quais, muitas vezes, em decurso de uma (des)organização de trabalho e de modelos de gestão em que impera a “competitividade” a todo o custo (incluindo o da condição humana), o têm que passar a realizar em condições de (sobre)intensificação física ou mental.

Depois, porque essa sobreintensificação do trabalho é, em muito, fomentada e alimentada pelo desemprego (como instrumento de chantagem e de amedrontamento) que “está cá fora” e, “lá dentro”, pela condição de precariedade (à qual, sendo uma espécie de subemprego, corresponde, em regra, sobretrabalho) em que esses trabalhadores frequentemente estão.

Desta forma, o trabalho “desaparece” para o “interior” (para o âmago) das pessoas (e das suas famílias), no sentido, dramático, das nefastas consequências que tal implica, do ponto de vista de saúde física e mental e condição social, de que são exemplos, como associados à sobrecarga física ou psicológica relacionada com o trabalho, o crescimento epidemiológico das doenças e lesões músculo esqueléticas, o stress, o burnout, o assédio moral, a violência, o suicídio, mesmo.

Enganam-se, julgo eu, os teóricos do “fim do trabalho” através da robotização e da automatização, partindo de um conceito mecanicista do trabalho e das “profundas mudanças” tecnológicas e gestionárias que estão em curso.

É que, julgo eu ainda, o Trabalho, mais do que um conceito abstracto (jurídico, sociológico, filosófico, etc.) ou técnico-tecnológico, é um conceito essencialmente humano e, consequentemente, social. O Trabalho, realmente, consubstancia-se nas pessoas que trabalham.

É por isso que, quando o trabalho aparece, é essencialmente das pessoas que trabalham que ele “vem”. E, também, quando ele “desaparece”, em última análise e em todos os sentidos, é também para as pessoas que trabalha(ra)m que o Trabalho “vai”. Ainda que não sejam estas as que com ele lucram.


João Fraga de Oliveira – Porto
Licenciado em Gestão de Recursos Humanos e Psicologia do Trabalho e funcionário público.