2025-07-02
BOSQUES E POETAS
No recente sábado, dia 28,
realizou-se, não muito longe de Évora, um encontro poético de um grupo
denominado Poesia nos Bosques. É um grupo aberto, embora alguns elementos
sejam o pilar que criou e sustenta o grupo, em plena planície alentejana,
transformada em espaço de encontro de poetas, como druidas apaixonados pelas
árvores e pela poesia. O meu amigo e grande dramaturgo
e poeta Jaime Salazar Sampaio, que teria completado, a 5 de Maio deste ano, o
seu centenário, e que, para além disso, era engenheiro silvicultor doutorado
pela Sorbonne (recomendo, no próximo número da excelente revista “A Ideia”,
que ainda há pouco tempo, numa sessão sobre livros, foi considerada a melhor
revista cultural portuguesa, e que é dirigida por António Cândido Franco),
recomendo, dizia, no número que vai sair no final do ano, a atenção a um
artigo sobre a obra de Salazar Sampaio e um dossier sobre a censura às suas
peças. Tem ele, entre a sua bibliografia, um livro de poesia intitulado “O
Mar não precisa de Poetas”. Como engenheiro silvicultor, aquele que estuda e
conhece o cultivo das árvores e da floresta, nunca poderia ter substituído o
termo “Mar” pelo termo “Floresta”, precisamente porque, ainda que não
conhecendo este grupo, que não existia na sua altura, ele sabia que “A
Floresta e o Bosque precisam de Poetas”. Subindo até ao Norte, no mesmo
dia e sensivelmente à mesma hora, numa livraria que é um oásis no Porto, e
também editora, associação e dinâmico espaço de encontro e divulgação
cultural denominado Unicepe, nessa livraria rica em tradição, diversidade e
conteúdo, onde é ainda possível procurar por fundos de catálogo, o que já vai
sendo raro, encontrava-se um grupo de pessoas para apresentar e depois
colocar à discussão, dois livros de um autor do Sul e render homenagem ao
professor, também ele doutorado pela Sorbonne, Moisés Espírito Santo e ao seu
notável trabalho de pesquisa e divulgação cultural. Eu estava neste grupo em corpo
e espírito, mas uma parte da minha alma encontrava-se também entre os druidas
da planície que naquele momento partilhavam poemas. Tinha inclusivamente
enviado previamente um texto que alguém leria e que era a minha colaboração e
presença. Num dos parágrafos desse texto
talvez poético, em prosa, recordava um dos meus avós e a minha chegada de
comboio ao Alentejo pelas férias, ao longo da infância, assim: «Na estação de Santa Eulália,
hoje à venda e abandonada como velha cobertura inútil, a serpente interrompia
a sua quase louca corrida para que lhe soltássemos a pele. Eu corria ao
encontro do avô, que nos esperava num carro puxado a quadrúpedes de ar tão
doce, um misto de carroça e de charrete que nos depositava, majestosamente,
em S. Vicente, à porta da casa onde eu nascera. Pelo caminho, sentada ao lado
do avô, ouvia uma espécie de resumo do que sabia que iriam ser os temas das
nossas conversas durante a minha estadia. Com três, seis, oito, doze ou
dezoito anos, sempre me falou em termos eternos, adultos e poéticos: da lua,
do povo e do ópio que lhe davam, das casas, das viagens, das courelas, dos
livros e da liberdade. No meio da planície, as suas palavras conduzindo-me ao
futuro pelo meio das interjeições de incitamento aos animais, refrescavam-me
e regavam a secura de um ano, a minha dolorosa lonjura.» Em casa do avô estavam os
livros, e já fora da aldeia, as courelas. Na planície, os sobreiros e as
azinheiras. Mesmo sem fazer versos, o meu avô era, à sua maneira, um poeta.
Tinha o conhecimento das árvores e o conhecimento dos livros. Nessa tarde
quente de pós solstício rumei, com todo o coração, ao Norte, enviando uma
parte da alma ao Sul a olhar-me com os olhos de dentro e vendo-me no meio de
uma frondosa e gentil floresta de livros, muitos deles com poemas, e foi
claro por que razão a floresta precisa de poetas. Ela sabe que o seu destino
passa pelas letras, e esse não é o pior futuro, mas havendo quem use a sua
pele e entranhas para compor, com as letras, magia negra, são os poetas que
lhe salvam o futuro, poetas com ou sem versos, que poderão contar histórias
ou escrever ensaios, como era o caso dos dois livros que ali se apresentaram
a Norte. Por isso, o grupo de poetas druidas se reúne na floresta junto aos
solstícios. Levam poemas com que confortam a alma das árvores que nas
livrarias se cumprem. Numa biblioteca, numa livraria, é possível folhear uma
árvore enquanto na realidade desfolhamos um livro. E o seu contrário. Neste encontro na Unicepe, a poesia apresentou-se em forma de editores, ensaístas, investigadores, ficcionistas, artistas plásticos, livreiros e até… poetas. Juntaram-se, sem o saberem, aos poetas reunidos no Freixo do Meio. Os do Norte e os do Sul, rodeados, uns de livros, outros de seus antepassados árvores, sem os quais não existe futuro. VÍDEOS DA SESSÃO DO “ENCONTRO NA UNICEPE”:
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