2025-02-05
PRÓLOGOS IMAGINÁRIOS
Ouvi, no outro dia, afirmar a um escritor com vários livros publicados, que cada livro seu é o prólogo do livro seguinte. Não creio que seja o meu caso, parece-me que cada um dos meus livros corta radicalmente com o anterior, mas cada criador tem o seu processo. Segundo alguns textos antigos e segundo diferentes mitologias, este não é o primeiro mundo que existiu. Terá havido outras criações anteriores, que teriam sido destruídas pelo facto de a forma do ser humano não possuir ainda a perfeição desejada. Portanto, se o próprio criador se viu perante a necessidade de fazer esboços antes da obra final, de que modo poderíamos nós pensar que aquilo que fazemos deve ser perfeito e acabado? Cada dia é o prólogo do dia seguinte, a manhã o prólogo da tarde e esta o da noite, cada ano o prólogo do ano imediato, e cada idade o prólogo da idade que se segue. A vida, o prólogo daquilo a que, à falta de melhor, chamamos morte. Talvez a morte seja o prólogo de uma outra vida, que sabemos nós? Mas assim sendo, talvez haja alguma possibilidade de espreitarmos para o outro lado, observando com atenção aquilo que temos vivido nesta. E tornando cada segundo, minuto, hora, dia, semana, mês, estação, ano, idade, prólogo consciente do que se vai seguir, sobretudo a partir de certa altura em que comece a ser possível viver cada agora como uma obra acabada, sabendo que é apenas um esboço e que sempre é possível melhorar. E, no entanto, é com o olhar na imaginária obra perfeita que é preciso criar. Criar um esboço com a dignidade e a dedicação que votaríamos a uma obra-prima, corrigindo o que para trás não nos satisfez, inventando novas e criativas formas projetadas para um futuro cada vez mais exigente.
Lanza del Vasto tem um livro intitulado “Etimologías Imaginárias” que se encontra esgotadíssimo. Talvez possamos, apenas olhando para este título, aplicar o princípio do prólogo a um epílogo e imaginar que as palavras possuem, para além da sua origem, uma etimologia projetada no futuro e por isso imaginária. Seria um trabalho bem interessante de intervenção no futuro, este de criar para cada palavra uma etimologia já não do passado, mas do tempo que virá para um outro tempo posterior a esse futuro tempo. Não sei se é isso que faz Lanza del Vasto no seu livro, ando há muito tempo roída de curiosidade por sabê-lo, mas o conceito abre e amplia esta possibilidade. Eventualmente, para agirmos no futuro sem termos de agir na linguagem do presente como muitos ridiculamente têm tentado, talvez tenhamos apenas de criar etimologias ou simplesmente recuperar, redimir aquelas que já existem, que pouquíssimos conhecem e que, uma vez arejadas e colocadas em lugar alto e digno, podem finalmente ser observadas, admiradas e respeitadas.
E se atentarmos ao fundo etimológico de cada palavra hebraica que vai alimentar-se em mais do que uma raiz, estando isto muito longe de um mundo aleatório, mas na verdade radicando na complexidade de que é feita cada coisa e a realidade, mais sentido toma esta ideia de multiplicar para o futuro.
LIVROS DISCOS LIVROS DISCOS LIVROS DISCOS LIVROS DISCOS LIVROS DISCOS LIVROS DISCOS |