2006-07-19
QUARTA-CRESCENTE
Risoleta Pinto Pedro


Acerca de Deus (I)       





Haverá, com certeza, por entre os leitores, quem saiba bastante mais do que eu sobre este assunto (e não é preciso muito).

Aconteceu-me, durante uma pequena investigação/reflexão que antecedeu esta crónica, digo, ao longo da minha vida, verificar que quanto mais estudava menos percebia, e o estudo apenas (e talvez não seja pouco) teve como mérito mostrar-me a minha ignorância sobre o assunto.

Penso que isto tem a ver com vários factores:

  • a minha quase ignorância inicial e real sobre o tema
  • a complexidade do mesmo
  • a confusão e as contradições entre os autores é mais que muita
  • estamos no meio de um saber que não é óbvio nem corresponde ao senso comum, muito menos do domínio do científico, mas um saber da ordem do paradoxal, logo, obrigatoriamente, contraditório.

    Assim, a minha convicção em relação a algumas afirmações feitas não está na razão directa do estatuto afirmativo das asserções, antes me limito a dar conta do que encontrei e partilhar convosco aquilo com que me deparei. O facto de as afirmações não corresponderem a convicções, também não significa o seu contrário, isto é, dúvida ou descrença, mas uma atitude absolutamente aberta, receptiva e curiosa. Não é, ainda, não sei sequer se algum dia virá a ser, a fé, mas talvez seja uma porta aberta até ela... se tal tiver de acontecer.

    Começo por citar um texto de Jung cujas palavras subscrevo totalmente, por me parecer que podem contextualizar sem equívocos, o meu pensamento, nomeadamente quando faço referências ao conceito de divindade:

    “Aí está a razão pela qual os homens sempre precisaram dos demónios e nunca puderam prescindir dos deuses: Todos os homens, excepto alguns espécimes recentes do «homo occidentalis», particularmente dotados de inteligência, super-homens cujo «Deus está morto» - razão por que eles mesmos se transformam em deuses, isto é, deuses enlatados, com crânios de paredes espessas e coração frio.”

    E continua, Yung:

    “ O conceito de Deus é simplesmente uma função psicológica necessária, de natureza irracional, que absolutamente nada tem a ver com a questão da existência de Deus. O intelecto humano jamais encontrará uma resposta para esta questão. Muito menos pode haver qualquer prova da existência de Deus, o que, aliás, é supérfluo. A ideia de um ser todo poderoso, divino, existe em toda a parte. Quando não é consciente é inconsciente, porque o seu fundamento é arquetípico. Há alguma coisa na nossa alma que tem um poder superior – não sendo um deus conscientemente, então é pelo menos «o estômago», no dizer de Paulo. Por isso, acho mais sábio reconhecer conscientemente a ideia de Deus; caso contrário outra coisa fica no seu lugar – geralmente uma coisa sem importância ou uma asneira qualquer – invenções de consciências «esclarecidas». O nosso intelecto sabe perfeitamente que não tem capacidade para pensar Deus e muito menos para imaginar que ele existe realmente e como ele é. A questão da existência de Deus não tem resposta possível. Mas o «consensum gentium», (o consenso dos povos) fala dos deuses há milénios e dentro de milénios ainda deles falará. O homem tem o direito de achar a sua razão bela e perfeita, mas nunca, em hipótese alguma, ela deixará de ser apenas uma das funções espirituais possíveis, e só cobrirá o lado dos fenómenos do mundo que lhe diz respeito. A razão, porém, é rodeada de todos os lados pelo irracional, por aquilo que não concorda com ela. Essa irracionalidade também é uma função psíquica, enquanto que a razão é essencialmente ligada ao consciente. A consciência precisa da razão para descobrir uma ordem no caos do universo dos casos individuais, para depois também criá-la, pelo menos na circunscrição humana. Fazemos o esforço louvável e útil de extirpar na medida do possível o caos da irracionalidade dentro e fora de nós. Ao que tudo indica, já estamos bastante avançados neste processo. Um doente mental disse-me outro dia: «Dr., hoje à noite desinfectei o céu inteiro com cloreto de mercúrio, mas não descobri deus nenhum.» Foi mais ou menos o que nos aconteceu.”

    In:
    Yung, Carl Gustav, Psicologia do Inconsciente
    (continua)

    risoletapedro@netcabo.pt
    http://risocordetejo.blogspot.com/

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