2006-05-31
QUARTA-CRESCENTE
Risoleta Pinto Pedro


DA DEUSA AO DINHEIRO       





Afinal, que é o dinheiro, esse adorado, cobiçado, desprezado, invejado, escasso ou abundante, excessivo ou inexistente, afinal, o que é o dinheiro, esse servo tão ignorado, esse servo tão omnipresente, esse servo tão despótico, essa obsessão, esse desconhecido?

As crianças gostam de dinheiro, não sei se as crianças ainda têm porquinhos que vão engordando com as suas moedas, mas é uma das boas memórias da minha infância, no meu caso sendo especialmente significativo, porque nunca fui especialmente ligada a dinheiro, donde deduzo que haveria aí uma outra coisa, anterior ao relacionamento que os adultos adoptam com o dinheiro.

As crianças gostam de dinheiro talvez porque ele lhes permite saborear a sensação de poder com que nasceram (deveriam ter nascido?) e que o dinheiro dá; elas sabem que com dinheiro elas podem ir pessoalmente comprar pastilhas, chupas, etc, o dinheiro acrescenta sinais físicos de afecto. Mas elas gostam de sentir o poder sobre o dinheiro, gostam de ser elas a adquirir, com o seu dinheiro, as coisas que o dinheiro compra; contudo, sobretudo até uma certa idade, elas não gostam de receber dinheiro pelos aniversários e efemérides. O dinheiro não é um sinal de afecto, para elas, as coisas são-no. Talvez porque o dinheiro é demasiado simbólico, é um símbolo demasiado longínquo em relação ao corpo. Não se faz nada com o dinheiro para além de trocá-lo, ele, em si, como objecto, não funciona, excepto no caso dos coleccionistas, mas essa é uma questão particular, e derivada.

E cada vez isso é mais verdade, apesar das várias tentativas para o valorizar, ao longo dos tempos, como a carga ideológica aí cunhada por alguns regimes, com fotografias, símbolos, a simbologia maçónica nas notas de dólar e a simbologia de uma estética (e ética?) neo-clássica no euro, são apenas alguns dos exemplos. Mas a verdade é que se inicialmente o “objecto” desperta alguma curiosidade por si mesmo, rapidamente nos passa pelas mãos como água, como ar…

E ainda dizem que é uma energia pesada… o dinheiro escorre, o dinheiro voa, material mais fluido, mais volátil não há. E isso é bom, quando conseguirmos fazer a grande alquimia entre a leveza com que flui e a generosidade e a equidade com que o usamos. Quando conseguirmos densificá-lo e materializar nas vidas a felicidade que o dinheiro também pode dar, porque a felicidade está em toda a parte e o dinheiro também é um lugar do mundo e não há nada de errado com ele, nem connosco. Trata-se apenas de uma longa série de equívocos de que o dinheiro participa.

Moneta era a deusa do templo romano onde eram cunhadas as moedas imperiais. Afinal, então, o dinheiro é uma energia feminina! Bem me parecia que havia esperança…

Quando, simbolicamente, devalorizarmos os rectangulares cartões de crédito e nos reconciliarmos com a moeda, objecto circular como uma mandala ou como um mamilo, os cartões de crédito até podem continuar a existir, mas o dinheiro regressará finalmente ao altar onde nasceu, ao templo, e aí readquirirá a dignidade que merece. Que merecemos.

risoletapedro@netcabo.pt
http://risocordetejo.blogspot.com/


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