2006-03-01
QUARTA-CRESCENTE
Risoleta Pinto Pedro
A Loja dos Brinquedos

Helena entrou numa loja de brinquedos como as crianças entram, como num templo, que é a maneira ao contrário dos adultos entrarem nos templos, ou como num universo de Alice com coelhos malucos mas sem rainhas loucas, sem cortes de cabeça. Alice entrou no país das maravilhas com uma profunda curiosidade e entrega, as crianças entram assim nas lojas de brinquedos, Helena entrou assim na loja de brinquedos, os adultos entram nos templos com medo, as crianças entram nas lojas de brinquedos como os adultos deviam entrar nos templos: com uma imensa alegria e fé, com reverência e respeito e agradecimento mas de coração aberto, acreditando na maravilhosa verdade de cada brinquedo e no seu poder, e no seu absoluto valor mais do que tudo o que existe ao cimo da terra. Helena entrou assim num sítio que não sabe em quem categoria cabe (templo? loja de brinquedos? universo de Alice?). Aí encontrou (contou-me isto muito em segredo e assim o reconto, que estas experiências das crianças devem ser resguardadas) muitos relógios, todos a funcionar como os das crianças, em ritmo de faz de conta, muitos óculos de brincar daqueles com que as crianças gostam de se mascarar, um chapéu de bobo, um espelho mágico que falou com ela, bolo de chocolate, como não podia faltar, uma caixinha que deitava música, como não podia faltar, uma cadeirão igual aos das histórias dos reis e até dava para se sentar nele (sentiu-se princesa), e armários mágicos cheios de coisas altamente improváveis de serem encontradas em qualquer outro sítio mas não ali, e móveis e uma cama de brincar, e velas de altar, feitas de cera Real de reais abelhas, e telas pintadas com rosas, e flores em gaiolas e muitos frascos de perfume e muitos objectos desconhecidos mas profundamente simpáticos e divertidos e caixinhas e caixinhas e caixinhas e príncipes encantados adormecidos e depois acordando indo rapidamente a esconder-se dentro de sapos para não serem encontrados dentro das caixinhas, e mantras misteriosos soprados ao ouvido e um vento súbito saído de uma janela. Foi quando acordou. À saída da loja de brinquedos Helena sabia que lá dentro havia muito mais coisas que vira, mas como qualquer criança apenas retinha o essencial: um príncipe às vezes mascarado de sapo mas que ela sabia ser príncipe multiplicado pelas várias divisões da loja, um chapéu de bobo, óculos de disfarce, frasquinhos de perfume, bolo de chocolate, caixinha de música, mobília de brincar, flores em gaiolas, pinturas e cores, e telas mágicas pintadas às tirinhas, de um lado um sorriso, do outro um enigma, o cheiro de abelhas nas velas, ela sentada em trono de princesa, um espelho mágico, dizendo-lhe que era a mais bela, misteriosos sons e o carinho que se desprende da recordação de uma loja assim. Quando, no sonho seguinte, voltou lá, já havia mais coisas ou então foi ela que não as vira no sonho anterior. Tanta coisa… tanta coisa...

Cada vez que ali entra passeia pelo espaço de olhos esbugalhados, sempre à espera de ver aparecer uma surpresa saindo do mais inesperado sítio: um espelho a falar, um cavalo a fazer piruetas, uma pintura que não vira antes, um príncipe encantado e encantador saindo de um relógio, princesas desmaiadas de êxtase à vista do príncipe, um bobo a soprar um vento furibundo e desarrumador, um espelho avariado ou demasiado sábio que tão depressa deseja boa noite como diz que ela é linda como lhe chama menina má. Helena passeia-se pela loja de brinquedos ou pelo sonho de Alice ou pelo seu próprio sonho (ou fui eu que a sonhei a sonhar?) e em cada sonho descobre mais um bocadinho de uma caixa de surpresas apostada em parecer o que não é. Ou em não parecer o que é. Nos sonhos. risoletapedro@netcabo.pt
http://risocordetejo.blogspot.com/



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