2005-10-12
QUARTA-CRESCENTE
Risoleta Pinto Pedro


TEATRO INCOMPLETO      

A propósito do IV volume de Teatro Completo IV, de Jaime Salazar Sampaio



Entre outros, tenho andado a ler um livro, belo presente trazido pelo carteiro, num dia de manhã, já há uns meses. Chama-se Teatro Completo IV. O autor: Jaime Salazar Sampaio, um dos dramaturgos portugueses vivos mais representados, Grande Prémio de Teatro do Ministério da Cultura. Este volume, à semelhança dos anteriores, é publicado pela Imprensa Nacional, com Introdução e organização de Sebastiana Fadda. Logo na capa, um desenho do autor. O Jaime vem assumindo, cada vez mais, os seus devaneios em forma de desenho. E o seu teatro. Não pude ir ao lançamento. O Jaime e a maioria dos meus amigos têm a mania de fazer lançamentos às horas em que eu trabalho. Por que é que não se fazem lançamentos de manhã, pela fresquinha, que era muito mais possível para mim?

Mas o livro. O Teatro (in)Completo. Ainda vamos ter mais volumes, eu sei que vamos. Disse-lho logo quando saiu o primeiro, ele não acreditou. Já vai no quarto.

Como epígrafe, ele escreve:

"Que o Teatro seja o espelho da vida, tenho as minhas dúvidas. Mas, se o for, é com certeza um espelho deformante, no género daqueles que há no «Salão dos Espelhos» das Feiras Populares.

... Pois só assim poderá reservar-nos algumas surpresas, proporcionando um comentário à Realidade."

Eu concordo facilmente com ele. Vejo mais a vida como um espelho do teatro; não desse teatro que se representa nos palcos, mas de um teatro maior, arquetipal e eterno. O teatro dos palcos e da vida são o espelho desse Grande Teatro Universal.

Por seu lado, este teatro de Jaime Salazar Sampaio é muito aparentado com a poesia, pois traduz um pensamento poético, por isso faz sentido que seja um poema (do próprio autor) a introduzir as peças deste volume:

"Naquela quarta-feira azul /do nosso encontro/ não choveu. // Mas no dia seguinte, / caiu sobre a cidade uma carga de água de grandes proporções. // ... E cada um de nós/ seguiu o seu caminho."

As peças são, como de costume, minimalistas: Pela extensão, pelo número de personagens, pelas próprias falas das mesmas (metade do texto deste teatro são didascálias). São minimalistas (algumas, menos que habitualmente), mas não no alcance. Lendo, ou assistindo a este teatro, faz-se um percurso do infinitamente pequeno ao infinitamente grande.

Neste volume o autor tem a coragem de publicar uma peça incompleta representando todas as outras que ficaram assim, é uma peça tipo, porque representa todas as peças incompletas (Do Jaime? Do mundo? Talvez, ainda que ele possa achar esta ideia escandalosa...).

Para além da peça incompleta, a redimir as que foram parar ao caixote de lixo, este livro inclui ainda uma narrativa dos anos 70 e... os seus companheiros de escrita: desenhos que vai fazendo nos intervalos das letras, ou que lhe abrem o caminho até elas. Estes desenhos são acompanhados de pequeníssimas afirmações, umas mais enigmáticas que outras, mas todas sábias. Por exemplo:

"Quando eu nasci já o mundo estava feito e era preciso começar tudo de novo.

Eu não tive coragem."

"Somos aquilo que fazemos. Mas fazemos também aquilo que não somos."

"As pessoas que sabem tudo nem sabem o que perdem da beleza deste mundo."

"Quem sente, sente. Quem não sente, pronto!... Os sentimentos não são obrigatórios."

É o Jaime Salazar Sampaio que nunca esqueceu da sabedoria do menino que nunca deixou de ser.

Talvez estas máximas/pensamentos possam ser, de algum modo, pequeninas peças de teatro concentradas. Sínteses das suas peças. Umas e outras traduzem muito bem o pensamento deste poetadesenhadordramaturgo ou dramaturgopoetadesenhador (é possível experimentar outras combinações) céptico, cínico (no sentido filosófico), surrealista, irónico, original. Profundamente humano, digo, habitado pela esperança.

risoletapedro@netcabo.pt
http://risocordetejo.blogspot.com/


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