2005-09-14
QUARTA-CRESCENTE
Risoleta Pinto Pedro


Comida para animais*    



Com a criação de gatos em que a minha casa se tornou, não faço outra coisa senão comprar comida para os bichos. Mas vou deixar de o fazer e resolvo dois problemas ao mesmo tempo. Com a apetência que eles têm por papéis (são uns gatos muito letrados, dormem nas estantes como se fossem livros e interessam-se por todo o tipo de papéis) resolvo o problema do espaço para os livros, que começa a ser impossível arranjar, e da alimentação dos gatos.

Aqui há uns tempos um deles comeu-me um livro; não um dos livros de outros autores que aqui tenho nas prateleiras, mas um livro meu. Primeiro fiquei aborrecida, mas como sou uma tremenda optimista, logo concluí que os meus livros são tão bons que até os animais gostam deles.

Agora, acabo de receber o meu horário da escola, e até estou contente com ele, está bem feito, exceptuando a falta de confiança do Ministério da Educação que obriga os professores a estarem na escola uma parte das horas em que normalmente trabalhávamos em casa, como se não acreditasse no nosso trabalho, e agora é que vai ser um problema, porque as escolas não estão preparadas (não hás salas, não há computadores, não há silêncio) para ter tanta gente a trabalhar ao mesmo tempo. Mas isso é um pormenor, a qualidade de ensino não será, está visto, uma das prioridades do Ministério.

Voltando ao meu horário, ali estava ele, tão feliz, em cima da secretária, e vai o gato, um deles, não cheguei a apanhar o criminoso, e come-me a sexta-feira, vem outro e devora, também, parte da quinta-feira; já não havia nada a fazer e deixei o terceiro comer a quarta-feira. A assinatura do Presidente do Conselho Executivo também pareceu merecer a sua apreciação. Assim, a seco, a cru, sem temperos, sem cheiro a peixe, sem nada. Estes gatos não estão mesmo feitos com o Ministério da Educação, querem-me mais tempo em casa.

Que deduzir disto? Primeiro, que vou ter que explicar no Conselho Executivo a razão pela qual preciso de outro horário; está fora de causa trabalhar apenas na segunda e terça. Segundo: se soubesse que resultava dar-lhes a comer a malfadada legislação do Ministério que obriga os professores a estarem nas escolas só para satisfazer a opinião pública, não hesitava. Sim, a medida não é pedagógica, é demagógica, porque quem sempre trabalhou, continua a trabalhar, até mais tempo que aquele que nos obrigam; sempre assim foi, faz-se com prazer aquilo que se ama; os que não estão para isso, ainda que os obriguem a ficar lá não sei quantas horas, há sempre maneira de dar a volta ao assunto, e isso sempre assim foi e sempre será, e não é só entre os professores nem entre a função pública, é assim em todo o lado; com a agravante de que alguns que até querem fazer alguma coisa, não vão conseguir, porque não há espaços nem meios a disponibilizar para tanta gente; pelo contrário, se estivessem em casa, fariam; assim, não vão fazer porque já estiveram uma quantidade de horas na escola, de castigo. Voilà! Mas a opinião pública fica satisfeita e o Engenheiro ganha mais uns votos de alguns pais que, não conhecendo a realidade, se deixam enganar.

Não, não vou dar a perversa demagogia do ministério a comer aos meus gatos; tolerantes como eles são, até eram capazes de a comer, e depois? Não posso dar comida de má qualidade aos meus gatos, não posso… é muito arriscado, pois por amor a mim talvez até a comessem. Assim como assim, é preferível irem comendo horários e livros. Boa comida para esse seres amorosos, inteligentes e pacíficos.


risoletapedro@netcabo.pt
http://risocordetejo.blogspot.com/


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