2016-03-20, domingo, 16h

Reinaldo Ferreira, por Manuela Baptista

Homenagem ao poeta, no 94º aniversário do nascimento.






Nota Curricular

Maria Manuela Peixoto Baptista licenciou-se em História, fez o Curso de Ciências Pedagógicas e concluiu na Faculdade de Letras da Universidade do Porto um Curso de Pós-graduação em História da Cidade do Porto.
Realizou Exame de Estado para professora do Ensino Secundário.
Foi Orientadora de Estágio de História, do Ramo Educacional, da Faculdade de Letras da Universidade do Porto.
Participou em vários Congressos, Conferências e Encontros.


QUEM FOI REINALDO FERREIRA, OU ANTES, REINALDO EDGAR DE AZEVEDO E SILVA FERREIRA ?

Reinaldo Ferreira, poeta, nasceu em Barcelona a 20 de Março de 1922 (faria hoje 94 anos). Era filho do escritor Reinaldo Ferreira, o célebre Reporter X. Foi para Moçambique, Lourenço Marques, em 1941 (já o pai tinha morrido – morreu em 1935) e aí completou os estudos liceais e trabalhou nos Serviços Administrativos de Moçambique.

A sua obra só foi conhecida na Metrópole após a morte, uma vez que a publicação de “Poemas” é póstuma, embora alguns dos seus versos tenham sido publicados ainda em vida em periódicos locais. É exemplo “Eu, Rosie, eu se falasse, eu dir-te-ia” que teve o título de “Dancing with Rosie (a táxi-girl)”. Reinaldo Ferreira gostava de teatro. Adaptou algumas peças à rádio chegando mesmo a colaborar com a Rádio Clube de Moçambique.

Foi letrista de canções de sucesso, algumas feitas em parceria. São disso exemplo “Piripiri” e “Kanimambo”, cantadas por João Maria Tudela. Deste naipe destaca-se “Uma Casa Portuguesa”, cantada por Amália Rodrigues. Disse, a propósito desta canção, Vasco Graça Moura: “Uma Casa Portuguesa”, de 1953, com letra habilmente engendrada por Reinaldo Ferreira e Vasco Matos Sequeira e música de Artur da Fonseca, e esplendorosamente interpretada por Amália Rodrigues, tornou-se um autêntico cartaz musical de propaganda do SNI, em Portugal e no estrangeiro” (in V.G. Moura, “Amália Rodrigues dos poetas populares aos poetas cultivados”, Academia das Ciências de Lx.). Não podemos, porém, esquecer que esta letra foi criada bem longe da Metrópole e, por isso, devemos encará-la como uma ironia ao status quo do país.

Reinaldo Ferreira morreu em Lourenço Marques (hoje Maputo) a 30 de Junho de 1959, com 37 anos, devido a um cancro no pulmão. O poema “O ponto”, epitáfio do seu túmulo, mostra-nos muito da alma do poeta. Foram os amigos, entre eles Eugénio Lisboa, que lhe publicaram os poemas, em Moçambique, um ano depois da sua morte (1960). Procuraram respeitar a intenção do poeta na organização da obra dado que tinha deixado as poesias agrupadas em 4 livros. Isto leva a crer que estaria a pensar na sua publicação.

Nesta edição, a 1ª., os amigos escreveram uma “Introdução “ e uma nota explicativa antes de cada livro.

Na 2ª. edição, datada de 1966, publicada em Lisboa pela Portugália, na colecção Poetas de Hoje, o prefácio é de José Régio e a “Introdução” da 1ª. edição passou a posfácio.

A Vega, em 1998, lançou, em Lisboa, outra edição.

O poeta é pouco conhecido em Portugal, mas os críticos consideram-no um dos grandes da língua portuguesa. Admiram Reinaldo Ferreira. José Régio, no “Prefácio” dos “Poemas”, considera-o um poeta da “Presença” fora da época dos presencistas, pois é posterior, mas encontra –lhe afinidades com Fernando Pessoa, por exemplo. Também na “História da Literatura Portuguesa” de Óscar Lopes e António José Saraiva se diz (pág.1080): “Não pode deixar de reconhecer-se nessa obra a prevalecente influência de vários escritos, heterónimos ou não de Fernando Pessoa : o mesmo sentir pensando, a mesma disponibilidade imensamente céptica e fingidora de crenças, recordações ou afectos, o mesmo gosto amargo de assumir todas as formas de negatividade ou avesso lógico”. Há, apesar dessa aproximação a Fernando Pessoa, um reconhecimento de diferenças como “o horror de que a morte psíquica não venha a ser total; uma visão simbólica muito sua e intensamente dramática da Paixão de Cristo; e até uma estranheza ou mistério de si próprio”(op. cit.). Encontram-se-lhe ainda pontos de contacto, entre outros, com António Nobre, Cesário Verde, Gomes Leal, Sá Carneiro e mesmo Antero Quental.(José Régio, no “Prefácio” e Berta Henrique Brás, 1973, pág. 57 e seg. de “Prosas Alegres e Não”)

Alguns dos poemas de Reinaldo Ferreira foram musicados e, por vezes, atribuídos a outros autores. Têm características diferentes dos que já atrás referi.

Passo a lembrar:

”Quero um cavalo de várias cores”, música de A. P. Braga, cantado por João Maria Tudela.
“Menina dos olhos tristes”, musicado e cantado por José Afonso (e não só).
“Eu, Rosie, se falasse” – música de A. P. Braga e cantado por Fausto. “Receita para fazer um herói” – musicado e cantado pelos IRA.
“Da margem esquerda da vida”, com o título “A ponte”, cantado por Carminho.
“Quem dorme à noite comigo ?” com o título “Medo”, música de Allan Oulman e cantado por Amália Rodrigues.
“Flor de Lapela”, cantado por João Maria Tudela.

Quanto à personalidade do poeta podemos dizer que viveu “retirado” como disseram os amigos que lhe publicaram a obra. Temos, contudo, de distinguir entre o poeta pouco divulgado e o homem que esteve ligado ao teatro e à rádio. Uma coisa é o que escreve e outra é como convive. Passo a ler algumas linhas do posfácio: “Eis porque, ao dizer-se que o Reinaldo Ferreira que aqui se fala não é o Reinaldo Ferreira que todos os dias se via no Scala (1), se poderia responder que isso não é de admirar. O próprio Reinaldo Ferreira que nós conhecemos também não era exactamente aquele que aqui se pinta: o que não nos impede de estarmos convencidos de que, dos dois, este é o mais verdadeiro” (Pags.179,180).


(1) O Scala era um café de Lourenço Marques.

Mas nada melhor que a leitura de alguns dos seus poemas para conhecermos o poeta e lhe podermos prestar a homenagem que merece.