abc da tradução, de Marco Neves – UNICEPE, 7 de março de 2020 Agradeço a presença de todos. É um prazer receber de novo Marco Neves – agora já com mais uma qualidade, a de associado da Unicepe! –, e agradeço-lhe o convite para a apresentação do “abc da tradução”. Vinícius de Moraes disse que “A vida é a arte do encontro”. Fernando Pessoa escreveu um poema que começa assim “No acaso da rua o acaso da rapariga loira”. Em outubro de 2018, um amigo ligou-me ao blogue “Certas Palavras”. Fiquei logo preso à qualidade da escrita de Marco Neves. Felicitei-o e convidei-o a vir apresentar “Gramática para todos, o Português na ponta da língua”. Trouxe como apresentador António Fernando Nabais, que logo também criou forte empatia e se disponibilizou para – generosamente – oferecer à UNICEPE um curso de Introdução ao Latim, ideia que aguardava décadas, por falta de professor. Está a decorrer, com 19 alunos que, aliados à mestria do professor, contribuem para aulas de puro prazer. (...) Nasci a pouco mais de 1 km da quinta da Gramela, do Marquês de Pombal, e o meu avô Severino Vaz Moço, poeta, contava-me muitas histórias relativas ao Marquês. Uma, foi ele ter acedido a uma proposta dos ingleses para comprarem a Ilha da Madeira. O preço era baixo, mas o Marquês disse logo que sim. Porém, fez valer o contrato na versão de língua portuguesa – cujo pormenor da tradução escapou ao negociador –, e quando os ingleses iam para tomar posse da ilha o Marquês mandou responder “cortem a madeira e levem-na; a ilha continua nossa”. Como facilmente já entenderam, o negociador inglês deixou passar “madeira da Ilha” por “Madeira Island”. Nunca confirmei se há documentos, mas “se non è vero, è ben trovato”. Em 1977, na Bulgária, numa maravilhosa excursão do INATEL, de 100 portugueses, eu perguntei a um miúdo se podia dar uma volta na sua bicicleta. Ele moveu a cabeça afirmativamente (pensava eu) e peguei na bicicleta, gerando-se uma breve confusão. Ninguém me havia alertado que na Bulgária o gesto de resposta “sim/não” com a cabeça funciona ao contrário de Portugal... Dois exemplos acontecidos na Suíça alemã: – “Die Krankenschwester”, a enfermeira, traduzido por “a irmã dos doentes”. Razão do erro (que me parece de palmatória): junção das palavras “die Kranken”, doentes, e “die Schwester”, irmã. – “Die Schulpflege”, o conselho diretivo, traduzido por “cuidador da escola”. Razão do erro: junção das palavras “die Schule”, escola, e “die Pflege”, o cuidado, a assistência (confusão com “der Pfleger”, tutor, enfermeiro, cuidador). No artigo intitulado “TRADUTTORE: TRADITORE”, do meu saudoso professor António Ruivo Mouzinho, publicado no sítio da UNICEPE, ele arrasa, com exemplos de dislates, nomes por alguns considerados o suprassumo no nosso meio literário. Com o muito que aprendemos nesse artigo, lembrei-me do incipit de Dante no 2º volume de “Fábrica de Ritos”, de José Santiago Naud (que esteve no 114º Jantar de Amizade UNICEPE, em 14 de junho de 2011), com o original italiano e 3 versões em português, onde se pode ver a subtileza da mestria de Vasco Graça Moura [nota-se melhor a ler do que a ouvir, mas mesmo assim vou tentar que se apercebam, ouvindo]:
mirate la dottrina che s’asconde sotto il velame delli versi strani.
Das leis da sã razão, vede os preceitos Que destes versos sob o véu se engastam.
meditai na doutrina que se oculta nestes meus versos, sob um véu pagão.
vede a doutrina que o velame esconde destes versos estranhos que aqui vão. Em pequeno, numa aldeia sem estradas para a ligar ao mundo, terá sido por um irmão de minha avó materna que eu tive consciência de que havia outras línguas. Ele, que esteve na Batalha de La Lis, em 1918 – e decretou para ele próprio, enquanto fosse vivo, o dia 9 de abril feriado, o que cumpriu, até aos 90 anos, no Brasil –, contava que chegou a trocar cigarros com soldados alemães, mas não conseguiam mais do que olhar uns para os outros. Por esse conhecimento, foi a minha primeira desilusão da ideia de Deus quando, pelos 7 ou 8 anos, na catequese, eu soube da Torre de Babel. Daí a Unicepe como difusora da Língua Esperanto. Vamos nas próximas semanas editar o manual “Esperanto por método ilustrado”, do amigo esloveno Stano Marček, e desde já convido todos para o próximo curso. Todas estas considerações me surgiram ao ler o livro de Marco Neves. Pretendem corroborar os muitos exemplos por ele apresentados sobre a importância dos tradutores, as injustiças que sofrem, as possíveis e sempre desejáveis alternativas de traduções melhores. Com a extrema clareza e a fluidez a que nos habituou nos livros anteriores e no seu blogue “Certas palavras” – aos que ainda não subscreveram, recomendo que o façam, não pagam nada –, é mais um seu livro que se lê com desmedido prazer. E não é útil só para quem tem a profissão de tradutor. É pleno de ensinamentos úteis a todos nós. Alerta-nos para a necessária humildade quando apreciamos um trabalho. Por exemplo, combatermos a tendência para dizermos mal de legendas quando vemos um filme, sem conhecermos as condições que o tradutor (não) teve. Porque vai ser mais enriquecedor ouvirmos o Autor, vou terminar lendo parte das páginas 77 e 78, sobre este tema: [Leitura] Agradeço a vossa atenção e vou passar a palavra a Marco Neves. Obrigado, Marco. Rui Vaz Pinto |
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