2019-02-25, segunda-feira, 18h15:

Conferência por Rosa Sánchez: O espólio das Livrarias Conventuais de Portugal à luz dos Catálogos Pombalinos (s. XVIII)




      O espólio das livrarias conventuais portuguesas à luz dos Catálogos Pombalinos (séc. XVIII)

      Rosa Maria Sánchez
      (CITCEM - UP - FCT - POCH)
      E-mail: rosabx@gmail.com


      O século XVI foi uma das épocas históricas mais convulsivas e conturbadas vividas pelo mundo ocidental, pautada por acontecimentos marcantes como a expansão do Império Filipino, que para além dos territórios europeus anexava também os novos domínios de ultramar; a Reforma e a Contra-Reforma da Igreja, que incluía, entre outras coisas, o disciplinamento do clero e a reestruturação das Ordens Religiosas e a celebração do longo Concílio de Trento (1545 - 1563), cujas prerrogativas marcaram um antes e um depois nos comportamentos e no modo de vida da sociedade ocidental, especialmente na Península Ibérica, de tal modo que os seus efeitos ainda se fizeram sentir até a segunda metade do século XIX, altura em que foi convocado o Concílio Vaticano I (1869).

      Alguns sinais da maciça influência deste conclave prendem-se com a sua duração - 18 anos -, com o tempo transcorrido desde a sua celebração até a convocatória do seguinte Concílio - exactamente três séculos - e com a utilização, por parte da historiografia e dos historiadores, dos prefixos “pré” e “pós” Trento para referir-se aos períodos imediatamente anterior e posterior ao referido sínodo1. Para o tema que aqui nos ocupa, a celebração do Concílio tridentino interessa-nos particularmente, de modo a compreender melhor os antecedentes que estiveram na base da criação de mecanismos censores. Segundo José Pedro Paiva, Trento representou a consolidação de um novo paradigma: o paradigma tridentino. Mais do que propriamente uma renovação de princípios dogmáticos, éticos ou normativos da Igreja Romana, as deliberações emanadas do conclave representaram uma renovação e um ajustamento das práticas religiosas, num desejo de renovação e revigoramento que se afirmou como um novo ponto de partida, cujo impacto transcendeu à Europa2.

      No âmbito da história da espiritualidade, esta renovação das práticas incidia, de forma significativa, numa revisão dos costumes, mas também e sobretudo, das ideias. Ideias essas que começavam a circular a uma velocidade nunca antes vista graças ao aparecimento do livro impresso. Por toda a Europa, os impressores multiplicavam as obras a uma velocidade extraordinária, quer em língua latina quer nas línguas vernáculas, o que permitia a um maior número de pessoas ter acesso às novas correntes de pensamento. Este facto, evidentemente, revelou-se uma ameaça para os poderes instaurados, tornando mais difícil a aplicação das directrizes tridentinas, destinadas a «purificar as consciências, a moldar as mentalidades e a orientar os comportamentos» 3.

      Foi esta a grande motivação que impulsionou a criação de organismos de censura, que deveriam agir com rigor e severidade para evitar qualquer tentativa de subversão contra os princípios fundamentais sobre os quais assentava a sociedade civil e religiosa. Neste sentido, as prerrogativas de Trento foram aplicadas em dois sentidos. Por um lado, com um forte carácter repressivo, através do controlo das alfândegas e dos portos e com visitas periódicas às livrarias4 públicas e privadas; por outro lado, com carácter preventivo, através da censura prévia. Esta tarefa resultava complexa e morosa porque era exercida de forma ternária pelo Conselho Geral do Santo Ofício (censura papal), pelo Tribunal Ordinário da respectiva Diocese (censura episcopal) e pelo Desembargo do Paço (censura régia). Foi a labor conjunta destes organismos que deu lugar à elaboração dos famosos índices expurgatórios, ou Index. Desta forma, compreender-se-á até que ponto os autores ficavam com as suas obras condicionadas, num interminável processo de aprovação de conteúdos ou instruções para a sua emenda, que visavam a obtenção das respectivas licenças: seis em total.

      Dois séculos depois, em 1768, a situação socio - política e cultural tinha evoluído consideravelmente, impulsionada, entre outras coisas, pelas novas correntes iluministas. Agora, sob a alçada do Marquês de Pombal, e na sequência do despotismo ilustrado, a censura em Portugal adquiria um carácter estatal e uma dupla função: fiscalizar e censurar, com o firme propósito de impedir a entrada no país de qualquer ideia que fosse contrária à política praticada pelo ministro de D. José. Era esta uma das vias de consolidação do poder pombalino - junto com a reforma do ensino e a criação da Imprensa Régia -, que pretendia retirar a Igreja em Portugal da dependência direta do Papa, submetendo-a ao poder régio e permitindo que fosse por este utilizado. Desta forma, punha-se em prática uma das premissas do despotismo esclarecido, baseada na separação do poder temporal em relação ao poder espiritual, com uma marcada supremacia para o primeiro, ficando a Igreja subordinada à protecção e à orientação do Estado.

      Todo este conjunto de circunstâncias desembocou na criação da Real Mesa Censória (por Alvará de 5 de abril de 1768), que representou uma mudança significativa na estrutura e organização dos mecanismos de censura em Portugal. De modo a poder gerir de forma mais eficaz as proibições e aprovações das obras impressas - livros e papeis - tornava-se necessário encontrar uma forma mais efectiva e segura do que aquela que tinha sido aplicada até então. A solução foi reunir as três entidades - Santo Ofício, Tribunal Ordinário e Desembargo do Paço - numa única unidade orgânica composta por censores régios dedicados inteiramente a esta tarefa.

      Em matéria de fiscalização, a Real Mesa gozava de plenos poderes para inspecionar todas as obras existentes em Portugal, quer nas livrarias públicas quer nas privadas. Do mesmo modo, controlava todas as obras estrangeiras que entrassem no país, assistindo ao desembarque das encomendas e procedendo à apreensão das mesmas. Também tinha jurisdição sobre todos os mercadores de livros e sobre os livreiros e impressores, apreendendo todas aquelas obras que julgassem suspeitas. Desta forma evitavam a impressão, reimpressão, encadernação, venta e qualquer tipo de divulgação de todos aqueles «livros, obras ou papeis, manuscritos ou impressos, que não sejam examinados e aprovados pela sobredita Mesa» 5. Uma das consequências mais notórias da aplicação prática deste novo mecanismo censor foi a promulgação, em 10 de junho de 1769, de um edital cujo conteúdo visava exercer o controlo dos livros existentes em todas as livrarias, particulares ou institucionais, individuais ou colectivas do país «para que nelas não se retenham contra os Assentos do Exame Geral da Mesa, nem introdução de novos livros proibidos sem permissão da mesma Mesa;» 6.

      O diploma régio solicitava a todos aqueles que estivessem na posse de livros, a elaboração de um “rol” ou catálogo discriminando o conteúdo bibliográfico dos respectivos espólios. Emitia instruções precisas inspiradas nos paradigmas classificativos propostos um século antes por Gabriel Naudé e, posteriormente, já no século XVIII, por Gabriel Martin. O documento evidencia o perfeito conhecimento, por parte da Mesa, das novas formas de classificação e catalogação praticadas na Europa da época. Vejamos um excerto do edital:

      «[...] será reduzido a sete classes, a saber, Teologia, Jurisprudência, Filosofia, Matemática, Medicina, História, Belas Letras. Em cada classe se assentará por ordem alfabética, primeiramente os livros de Fólio, seguindo-se logo os de 4º, a estes os de 8º, etc., declarando-se em todos, e cada um deles os nomes próprios dos autores, principiando pelos primeiros apelidos e cognomes, ou por aqueles que os fizeram mais conhecidos, depois do que se especificarão os títulos de cada um, o número de edição e os tomos e o lugar e o tempo de impressão, e no fim de todos dentro de cada uma das respectivas classes, com suficiente separação, se escreverão pela mesma ordem alfabética, os livros anónimos principiando pelos títulos sendo tudo feito com certeza e boa letra [...]»7.

      Considerando a situação socio - económica de Portugal durante a segunda metade do século XVIII, tendo em conta o preço elevado dos livros e, considerando ainda, a significativa percentagem de analfabetismo que existia no país, a primeira questão que aqui se coloca prende-se com a identificação dos grupos sociais que estariam em condições de possuir e manter uma biblioteca.

      No âmbito privado, a nobreza situa-se em primeiro lugar, seguida do grupo formado pelos diplomatas, pelos altos funcionários do Estado e pelos profissionais do mundo jurídico. Comerciantes prósperos e artesão bem-sucedidos também podiam permitir-se a posse de livros, do mesmo modo que os médicos, se bem que, nestes últimos casos o espólio estivesse integrado, na sua grande maioria, por exemplares directamente relacionados com o exercício da respectiva profissão. A Bíblia marca presença em praticamente todas as livrarias até agora estudadas, assim como os livros devotos, essencialmente de carácter hagiográfico. Por último, devemos considerar as bibliotecas particulares dos membros do alto clero, na sua maioria volumosas, bem organizadas e ricas em conteúdos, reflexo, muitas vezes, de um cuidado premeditado na escolha dos títulos e das matérias, fruto, também, das viagens frequentes, como acontecia com os diplomatas.

      No âmbito colectivo situam-se em primeiro lugar as Ordens Religiosas, cujos espólios bibliográficos formavam a maior rede de bibliotecas do país, como já salientou José Adriano de Freitas Carvalho. Para o caso que aqui nos ocupa devemos ter em conta o carácter acumulativo de uma livraria, assim como a data de fundação dos respectivos conventos e mosteiros, o que significa que na altura da elaboração dos catálogos pombalinos, os documentos reflectiam o resultado de vários séculos de acumulação de volumes e manuscritos, numa dinâmica in crescendo e com diferentes graus de intensidade. Outras instituições colectivas com posse de livros eram os hospícios, as instituições de ensino e algumas paróquias beneficiadas por apoios financeiros generosos por parte dos respectivos bem-feitores.

      Neste estado de coisas, e fruto do cumprimento do edital de 10 de junho, foram elaboradas centenas de catálogos destinados a ser remetidos para a Real Mesa, de modo a permitir aos censores a avaliação dos respectivos conteúdos. A grande maioria cumpriu o seu objectivo. Outros, porém, nunca terão chegado às mãos dos Tribunal, como já demonstrou no seu dia Maria Adelaide Salvador Marques8. Onde estão hoje estes documentos?

      Muitos sofreram danos irreparáveis provocados pelo passo do tempo ou pela falta de cuidado. Felizmente, uma quantidade significativa encontra-se neste momento ao cuidado de diversos arquivos portugueses, nomeadamente, na Biblioteca Nacional de Portugal, no Arquivo Nacional da Torre do Tombo, em alguns arquivos eclesiásticos e/ou municipais e, ainda, em mãos privadas. Relativamente aos catálogos das livrarias conventuais, a sua localização ficou consideravelmente facilitada com o aparecimento, em 2016, da Clavis Bibliothecarum, um catálogo de catálogos que recolhe de forma organizada as referências de todos os catálogos e inventários conventuais elaborados até 1834, altura em que foi decretada a extinção das Ordens Religiosas em Portugal. Esta obra monumental, da autoria de Luana Giurgevich e Henrique Leitão, é o resultado de um projecto de pós doutoramento, de seis anos, financiado pela Fundação para a Ciência e Tecnologia (FCT). Constitui uma ferramenta valiosíssima para os investigadores (e não só) na medida em que permite localizar facilmente os documentos pretendidos e as referências do arquivo onde se conserva, assim como uma breve descrição do formato, do conteúdo e do estado do catálogo/inventário, sem esquecer as informações essenciais sobre o convento ao qual pertenceu. Que nos revelam estes documentos?

      São fontes de informação preciosa e, ao contrário do que poderia parecer, revelam dados de distintas áreas do saber. O que num primeiro momento pareceria apenas uma listagem de títulos e autores é também - analisando o documento e o seu conteúdo de forma mais aprofundada - uma fonte que pode revelar potencialmente aspectos históricos, literários, sociológicos, religiosos, psicológicos, hagiográficos, grafológicos, estudos sobre a origem e qualidade do papel e, claro está, estudos no campo de biblioteconomia e da arquivística, como de facto já estão a ser revelados pelos trabalhos realizados neste campo por diversos investigadores.

      Porém, para chegar a conclusões consistentes é necessário submeter estes documentos a uma análise sistemática, uma tarefa que já está em curso, se bem que ainda em fase inicial e de maneira parcelar. Neste sentido representa um passo importante o trabalho desenvolvido pela equipa de José Adriano de Freitas Carvalho, no âmbito do grupo Sociabilidades e Práticas Religiosas (CITCEM/UP) consistente na transcrição e edição dos catálogos correspondentes às livrarias franciscanas do norte de Portugal e a criação de uma base de dados com suporte digital que permitirá, em breve, divulgar os resultados obtidos, ficando acessíveis ao público.

      Outros trabalhos individuais têm sido desenvolvidos por diversos investigadores durante os últimos anos9 e neste momento se encontra em curso um projecto de investigação dedicado às livrarias carmelitas a cargo da autora deste artigo. Também são relevantes os trabalhos publicados mais recentemente por Fernanda Campos, no âmbito da biblioteconomia10. O resultado de todo este labor permite apresentar já algumas conclusões válidas relacionadas, sobretudo, com a elaboração, estrutura e conteúdo dos catálogos.

      Em relação à elaboração dos manuscritos, a maior parte dos seus autores respeitou as directrizes do edital, no entanto, encontramos diferenças em todos eles, a começar, obviamente, pelo estilo da caligrafia, que pode dificultar a tarefa da transcrição, tornando necessário o recurso à paleografia. Em bastantes ocasiões, não se respeita a ordem «autor/título», aparecendo este último em primeiro termo. O desconhecimento do latim, por parte do escriba, faz com que em alguns catálogos obras com títulos como Flos Sanctorum (Vidas de Santos) apareçam discriminadas junto com os livros de Medicina (Botânica). Outros erros, no mínimo curiosos, são devidos à falta de audição por parte de alguns escribas, a quem os colaboradores ditavam os dados de cada um dos exemplares. Por lapso involuntário ou por não ter percebido correctamente a informação fornecida, acabava por cometer erros, trocando letras, datas ou escrevendo incorrectamente o nome do autor, especialmente se este era estrangeiro. A modo de exemplo, podemos referir o lapso cometido pelo anónimo autor do Catálogo da Livraria das Carmelitas Descalças de Sto. Alberto (Lisboa), quando, registando uma das obras de Fr. Luís de Granada (O.P.), o amanuense indica 1509 como data da edição da obra em Ambres (altura em que o autor contava apenas 4 anos de idade), fazendo confusão com 1590, data correta. O que indica que terá percebido «nove» em lugar de «noventa» ou, terá trocado involuntariamente os algarismos devido ao cansaço provocado pelo trabalho continuado. Todo isto revela a importância da transcrição destes documentos, na medida em que permitem detetar e emendar qualquer lapso e/ou irregularidade. Em relação ao conteúdo dos catálogos propriamente ditos, todos os trabalhos até agora desenvolvidos permitem lançar alguma luz em relação aos espólios conventuais e aos possíveis hábitos de leitura dos religiosos e religiosas dos conventos portugueses durante a Época Moderna. Á partida, existe uma clara diferença entre os conventos masculinos - com um maior volume de espécies bibliográficas - e os conventos femininos, que registam quantidades mais modestas. É nos conventos masculinos onde encontramos representadas as sete classes sugeridas pelo edital: Teologia, Jurisprudência, Filosofia, Matemática, Medicina, História e Belas Letras. Também se observa um maior número de obras em língua latina, assim como a presença de línguas estrangeiras. A título ilustrativo citaremos o Catálogo da Livraria do Convento franciscano da Arrábida, transcrito por Ilídio Rocha11, onde para além de um número considerável de obras em latim, encontramos títulos em português, castelhano, catalão, francês, italiano, inglês, alemão, hebraico, grego, russo e euskera. Esta riqueza bibliográfica poderá dever-se, entre outras coisas, à função pedagógica desempenhada por muitas das casas masculinas, onde era necessário dispor de material apropriado para orientar o estudo, religioso e académico, dos noviços. A predicação exercida por um número considerável de religiosos obrigava, também, a manter actualizados os sermonários e os livros de Teologia.

      Por sua vez, os catálogos dos conventos femininos até agora analisados revelam uma realidade diferente, como de facto também o foi a realidade feminina ao longo da história. Falaremos de um caso concreto: o Catálogo da Livraria das Carmelitas Descalças de Sto. Alberto (Lisboa), convento fundado em 1585. Este documento, conservado em excelentes condições na Biblioteca Nacional de Portugal, revela apenas quatro áreas de conhecimento: Teologia, Jurisprudência (com apenas um exemplar), História e Belas Letras. Num espólio 558 espécies bibliográficas, o latim está parcamente representado com apenas seis obras, sendo as restantes em português e castelhano praticamente na mesma proporção. De aí o carácter ibérico desta livraria, como já salientamos em trabalhos anteriores. O livro profano é muito escasso, a diferença das livrarias masculinas, onde se encontra bastante bem representado. A área dos livros de História está praticamente preenchida por obras de carácter hagiográficas (78) e diversas e sucessivas edições das Crónicas da Ordem. Por sua vez, entre os livros de Teologia encontramos maioritariamente tratados de oração, «caminhos» de perfeição e obras destinadas a orientar a evolução espiritual das religiosas. A Bíblia tem pouca presença (apenas 4 exemplares). Este facto deve-se à disposição tridentina que proibia a Bíblia em línguas vernáculas, por considera- lo impuro. Sendo escasso o número de mulheres capazes de ler os Textos Sagrados em latim, estas Bíblias seriam utilizadas apenas para consulta pelos confessores e prelados que visitavam o cenóbio. Por último faremos referência às obras de autoria feminina, que se revela escassa em quantidade mas não em qualidade, quer nos espólios masculinos quer nos femininos, não faltando, porém, os escritos de mulheres tão marcantes como a carmelita Santa Teresa de Jesus ou tão lidas como a conceicionista franciscana Soror Maria de Jesus Ágreda. De modo geral, cada Ordem religiosa, sem distinção de género, fazia questão de incluir nas respectivas bibliotecas as obras dos seus próprios autores. Assim, os escritos de Alonso de Madrid ou de Bernardo de Villegas, por citar só alguns exemplos, faziam parte dos espólios franciscanos e dominicanos, respectivamente. Do mesmo modo, as obras de Santa Teresa faziam parte das bibliotecas carmelitas, se bem que, tratando-se de uma figura excecional, também se encontravam nos conventos das outras Ordens.

      Para concluir, devemos referir ainda alguns títulos e autores que pelas suas características têm uma presença transversal em quase todas as livrarias estudadas, quer conventuais quer extramuros. Para além das já referidas obras de Santa Teresa de Jesus e Maria de Jesus Ágreda, não faltavam diversas edições dos Flos Sanctorum, as obras de Fr. Luís de Granada (O.P.) e do Mestre João de Ávila ou a Subida ao Monte Sión, de Bernardino de Laredo. O Tercer becedario, de Francisco de Osuna (O.F.M.), também está muito presente. Porém, o título mais “popular” entre todos eles será, provavelmente, Contemptus Mundi, de Thomas Kempis (Irmãos da Vida Comum), uma obra que Diego Pérez de Valdívia recomendava como «perpétuo compañero y amigo y hermano» 12. As religiosas de Sto. Alberto estiveram na posse de seis edições distintas da tradução realizada pelo próprio Fr. Luís de Granada.

      Nesta breve comunicação tivemos oportunidade de apresentar uma breve amostra do corpus dos Catálogos pombalinos existentes em Portugal. São documentos preciosos, que merecem e devem ser transcritos e estudados, de modo a revelar em toda a sua extensão a riqueza (ou não) do seu conteúdo qualitativo e quantitativo. Que obras foram as mais lidas? Quais os autores e as autoras de preferência? Quais as doutrinas? Poder-se-á falar de livrarias tipicamente carmelitanas, dominicanas, franciscanas? Quais eram os hábitos de leitura dos religiosos e das religiosas portuguesas do Antigo Regime? No âmbito feminino, por ser do nosso particular interesse, pretendemos desvendar, na medida do possível, qual era a presença feminina nestes espólios; quem eram as protagonistas dos livros; quem as autoras. Existia um fio condutor entre elas? Influenciaram e motivaram para a escrita às outras religiosas? De que maneira?

      Num futuro muito próximo esperamos ter reunido elementos suficientes que nos permitam dar respostas válidas a estas questões, contribuindo assim, modestamente, para ampliar os conhecimentos em torno da história do livro e da leitura em Portugal.

          NOTAS
          1 A este respeito veja-se: POLÓNIA, 2014: 41 - 58; PAIVA, 2014: 113 - 40.
          2 Cf. PAIVA, 2014: 14.
          3 BASTOS, 1983: 16.
          4 O termo livraria deverá entender-se aqui com a acepção que tinha na época: sinónimo de biblioteca, e não com o sentido que hoje conhecemos, designando os estabelecimentos de venda de livros.
          5 Citado in. MARQUES, 1963: 45.
          6 Regimento da Real Mesa Censória, citado in: MARQUES, 1963: 46.
          7 TRIGOSO, Mendo. Coleção de legislação, vol. XIX, Lisboa, 1769 - 71, Doc. 21, pp. 58 - 59. Citado in: MORUJÃO, 2002: 126. Note-se que o texto omite qualquer indicação relativa à identidade dos impressores.
          8 MARQUES, 1963: 3 - 5.
          9 BARBOSA, José de Abreu [1989] “Um rol de uma biblioteca portuguesa do século XVI”. Revista da Universidade de Coimbra, nº 35, pp. 437 - 462. CARVALHO, José Adriano de Freitas [2002] Da Memória dos Livros às Bibliotecas da Memória: Inventário da Livraria de Santo António de Caminha. Porto, Edição do Centro Interuniversitário de História da Espiritualidade e do Instituto da Cultura Portuguesa - Faculdade de Letras da Universidade do Porto. CARVALHO, José Adriano de Freitas [2002] Da Memória dos Livros às Bibliotecas da Memória: Inventário da Livraria de Santo António de Ponte de Lima. Porto, Edição do Centro Interuniversitário de História da Espiritualidade e do Instituto da Cultura Portuguesa - Faculdade de Letras da Universidade do Porto. CRISTINO, Luciano Coelho [1988] “A Biblioteca Mariana dos Oratorianos de Lisboa (Século XVIII) ” in: De cultu mariano saeculis XVII - XVIII: acta congressos mariologici-mariani internationalis in republica melitense anno 1983 celebrati. Romae, Pontificia Academia Mariana Internationalis, vol. VII, pp. 111 - 128. Apresentamos apenas alguns exemplos a título ilustrativo.
          10 CAMPOS, Fernanda Maria Guedes de [2015] Para se Achar Facilmente o que se Busca. Bibliotecas, Catálogos e Leitores no Ambiente Religioso (Século XVIII). Lisboa, Edições Caleidoscópio.
          11 ROCHA, Ilídio [1994] Catálogo da livraria do convento da Arrábida e do acervo que lhe estava anexo. Lisboa, Fundação Oriente.
          12 Citado in: CÁTEDRA, Pedro M., 2003, p. 23.


          Siglas
          O.C.D. - Ordo Fratrum Discalceatorum Beatissimae Virginis Mariae de Monte Carmelo,Ordo Fratrum Carmelitarum Discalceatorum. Ordem dos Carmelitas Descalços.
          O.F.M. - Ordo Fratrum Minorum. Ordem dos Frades Menores.
          O.P. - Ordo Praedicatorum. Ordem de Pregadores.


          Bibliografia
          BARBOSA, José de Abreu [1989] “Um rol de uma biblioteca portuguesa do século XVI”. Revista da Universidade de Coimbra, nº 35, pp. 437 - 462.
          BASTOS, José Timoteo da Silva [1983] História da Censura Intelectual em Portugal. Ensaio sobre a Compreensão do Pensamento Português. Lisboa, Moraes Editora, 2ª edição.
          CAMPOS, Fernanda Maria Guedes de [2015] Para se Achar Facilmente o que se Busca. Bibliotecas, Catálogos e Leitores no Ambiente Religioso (século XVIII). Lisboa, Editora Caleidoscópio.
          CAMPOS, Fernanda Maria Guedes de [2012] “Espólios das extintas livrarias religiosas nas coleções da Biblioteca Nacional de Portugal: um (re) encontro” in: MEDEIROS, Filipa et alli (Coord.) [2012] Acervos Patrimoniais: novas perspetivas e abordagens. Encontro Científico, Campo Arqueológico de Mértola, 16 de março de 2012, pp. 59 - 75.
          CARVALHO, Joaquim Martins Teixeira de [1921] A Livraria do Mosteiro de Santa Cruz de Coimbra. Coimbra, Imprensa da Universidade.
          CARVALHO, José Adriano de Freitas [2002a] Da Memória dos Livros às Bibliotecas da Memória: Inventário da Livraria de Santo António de Caminha. Porto, Edição do Centro Interuniversitário de História da Espiritualidade e do Instituto da Cultura Portuguesa - Faculdade de Letras da Universidade do Porto.
          CARVALHO, José Adriano de Freitas [2002b] Da Memória dos Livros às Bibliotecas da Memória: Inventário da Livraria de Santo António de Ponte de Lima. Porto, Edição do Centro Interuniversitário de História da Espiritualidade e do Instituto da Cultura Portuguesa - Faculdade de Letras da Universidade do Porto.
          CRISTINO, Luciano Coelho [1988] “A Biblioteca Mariana dos Oratorianos de Lisboa (Século XVIII) ” in: De cultu mariano saeculis XVII - XVIII: acta congressos mariologici-mariani internationalis in republica melitense anno 1983 celebrati. Romae, Pontificia Academia Mariana Internationalis, vol. VII, pp. 111 - 128.
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          FONTES, João Luís Inglês et alli [2010] Inventário dos Fundos Monástico-Conventuais da Biblioteca Pública de Èvora. Lisboa, Edições Colibri.
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          ROCHA, Ilídio [1994] Catálogo da livraria do convento da Arrábida e do acervo que lhe estava anexo. Lisboa, Fundação Oriente. CÁTEDRA, Pedro M. [2003] «”Bibliotecas” y libros de “mujeres” en el siglo XVI» in Península. Revista de Estudios Ibéricos, nº 0, pp. 13 - 27.
          MARQUES, Maria Adelaide Salvador [1963] A Real Mesa Censória e a Cultura Nacional: aspectos da geografia cultural portuguesa no século XVIII. Coimbra, Coimbra Editora, Lda.
          PAIVA, José Pedro [2014] (Coord.) O Concílio de Trento em Portugal e nas suas Conquista. Olhares Novos. Lisboa, Centro de Estudos de História Religiosa, Universidade Católica Portuguesa.
          POLÓNIA, Amélia [2014] “A Receção do Concílio de Trento em Portugal”, pp. 41 - 58 in PAIVA, José Pedro [2014] (Coord.) O Concílio de Trento em Portugal e nas suas Conquistas. Olhares Novos. Lisboa, Centro de Estudos de História Religiosa, Universidade Católica Portuguesa.


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