99º Jantar de Amizade UNICEPE
APRESENTAÇÃO DO LIVRO



“ANTECEDENTES DO CAPITALISMO”

ESTUDO E ENSINO DA ECONOMIA POLÍTICA


Entre amplas camadas de economistas é notório o desinteresse pelo estudo e ensino da Economia Política. À medida que os seus conceitos e conclusões podem ser utilizados pelas classes exploradas ou dominadas, a Economia Política torna-se cada vez mais embaraçosa, e considerada mesmo perigosa, para as classes dominantes. Surge a tendência para a sua liquidação como ciência das relações económicas entre os homens, no tempo e no espaço, e a sua substituição por uma apologética justificativa da permanência do sistema capitalista.

O ensino corrente da Economia limita-se ao estudo das relações entre pessoas e coisas, ignorando as relações de natureza social: relações de trabalho, de produção, de propriedade, entre as populações e as classes e grupos sociais. Só continuam a merecer interesse a gestão e organização de empresas ou doutras instituições, a especulação financeira, a política dos Estados ao serviço do capitalismo e, bem assim, alguns problemas específicos do mercado, sobretudo os preços, a moeda e o crédito. Ultimamente assume particular relevância a globalização económica e financeira como objectivo primordial. Tal orientação conduz à liquidação total do conhecimento aprofundado da Economia Política e à renúncia do estudo das relações económicas e sociais entre os homens.

Há pouco mais de quarenta anos, o nosso Armando de Castro, na sua extensa obra sobre “A Evolução Económica de Portugal”, salientava que “a um amplo sector de carácter académico não interessa semelhante estudo, ao cabo norteado por um método de investigação equivalente ao que se usa no estudo das ciências da natureza, porque ele traz consigo, necessariamente, o reconhecimento evidente do carácter histórico, evolutivo, dos sistemas económicos, proporcionando ao mesmo tempo esclarecimentos que são válidos para além da época estudada.” (Vol. I, p. 35)

Já muito antes, em meados do século XIX, Frederico Engels referia que “A economia política, enquanto ciência das condições e das formas, nas quais as diversas sociedades humanas produziram e trocaram e nas quais foram distribuindo os seus produtos de acordo com esta produção e esta troca, a economia política nesta tão lata extensão está ainda, contudo, por ser criada.” (Anti-During, Parte II, Cap. I – Objecto e método)

Na opinião do autor, a investigação económica não tem envolvido os sistemas, estruturas e modos de produção que ainda permanecem, se interligam e sucedem uns aos outros e que essa investigação não tem abrangido todos os povos, limitando-se apenas a debruçar-se sobre aqueles temas que mais intensamente participam no desenvolvimento de uma determinada época histórica. O facto de não se analisar em pormenor os modos de produção surgidos em períodos anteriores ao sistema capitalista, e que ainda coexistem na actualidade, cria dificuldades extremamente sérias aos investigadores, limita e pode dar lugar à omissão ou extracção de conclusões insuficientes ou até erradas. O estudo da ciência económica não deve abranger apenas a actividade das sociedades modernas, mas também a de todas as sociedades, mesmo daquelas que se encontram em eventual via de extinção.

Nenhum dos diferentes modos de produção, que surgiram desde que o homem começou a produzir, desapareceu completamente. Continuam a coexistir diversos sistemas económicos na actualidade, desde o tipo comunitário, tributário, mercantil aos do tipo capitalista e socialista, que foram surgindo uns após outros, embora em tempos diferentes nas diversas regiões do globo terrestre. Sucessivamente, os novos modos de produção assumiram uma posição dominante, nas regiões onde se expandiram, enquanto os anteriores iam declinando mas sem desaparecerem.

Para estudar os sistemas económicos é indispensável conhecer em pormenor: os recursos, naturais ou criados pelo próprio homem, as actividades económicas e sociais, as categorias económicas, as relações e as estruturas existentes em cada um deles. Foi o que procurei analisar, com algum pormenor, no decorrer do trabalho de pesquisa que deu lugar a este livro.

No sistema comunitário, no modo de produção recolector, o homem procura obter os bens necessários à sua subsistência apropriando-se dos produtos que a natureza lhe oferece através de contínuas deslocações e da criação dos primeiros artefactos e instrumentos de trabalho, ainda que rudimentares, que utiliza em proveito colectivo, recíproco e solidário.

Com o início da domesticação e criação de animais e plantas, novos instrumentos de trabalho são concebidos ou aperfeiçoados, o modo de obtenção de alimentos amplia-se e as populações tendem a fixar-se em espaços próprios. O homem consegue adaptar, em certas condições, o ambiente às suas necessidades e interesses e realizar uma produção consciente, já planeada embora de forma empírica.

A produção intensiva de alimentos, por iniciativa do próprio homem, acaba por conduzir à rotura da partilha comunal e à alteração profunda das relações sociais existentes entre as comunidades e mesmo no seu interior. A intensificação da produção agrícola e pecuária permitiu obter excedentes em géneros, não já partilhados por toda a comunidade, que se concentraram na mão dos chefes das comunidades criando as premissas para uma apropriação coerciva e o aparecimento de desigualdades sociais. As terras aráveis, os animais e os pastos, embora permanecendo ainda como propriedade comunal, começam a ser atribuídos a famílias inseridas na comunidade agrícola, que tendem a explorá-los por sua própria conta. Esta apropriação torna-se incompatível com a partilha igualitária. Nos últimos estádios do regime comunitário acentua-se a diferenciação entre as pessoas ou as famílias conforme a sua posição em relação à posse dos meios de produção e à distribuição igualitária dos bens produzidos e assiste-se à formação duma estratificação social em fase nascente, embora ainda não institucionalizada.

Por volta do IV milénio a. C., ocorreram complexas mudanças em algumas regiões do globo onde as condições de vida eram mais propícias. Historicamente, tornou-se necessário analisar e aprofundar o conjunto dos factores económicos que conduziram à emergência de um novo sistema económico e encontrar as características fundamentais das relações económicas e sociais daí decorrentes.

O território que albergava as comunidades, declarado pertença dos deuses, transformou-se em domínio estatal, representado pelo soberano e a sua corte, por chefes tribais ou comunitários, partilhado pelas instituições religiosas e pela aristocracia.

Formaram-se classes sociais que assumiram uma postura dominante, apoderaram-se dos excedentes produzidos por outras classes, a elas subordinadas, sob a forma dum tributo regular constituído por porções significativas das colheitas, por uma certa quantidade de cabeças de gado, pela prestação de trabalho forçado nos seus domínios. O rendimento da tributação permitiu às classes dominantes acumular riquezas, gozar uma vida faustosa sem produzir, sustentar os seus escravos e servos, efectuar o pagamento em espécies a funcionários, guerreiros, artesãos e outros indivíduos a trabalharem directamente nos seus domínios. A divisão social do trabalho acentuou a necessidade da troca, primeiro, directa entre os diferentes produtores. A par de uma produção destinada ao consumo próprio e à entrega do tributo, os diversos produtores, camponeses, artesãos, caçadores ou pescadores, começam a destinar uma parte dos bens recolhidos ou produzidos à troca, estabelecendo relações de carácter mercantil. Também, a acumulação de bens na posse das classes dominantes estimulou o desenvolvimento da troca interna e externa, como forma destas classes adquirirem bens de prestígio, de luxo ou outros, fora das suas esferas de influência.

Com a produção intencional de excedentes destinados à troca nasce a mercadoria e a figura do mercador, como intermediário nas trocas entre as diferentes comunidades. Os mercadores passam a desempenhar importantes funções ligadas ao exercício do poder, primeiro, ao serviço das classes dominantes e, posteriormente, como participantes duma nova classe social.

Nas regiões onde esta evolução se concretizou, o sistema económico começa a ser caracterizado e dominado pela existência duma produção especificamente encaminhada para a troca. Os camponeses e artesãos caem sob a dependência dos comerciantes que figuram como intermediários na troca das mercadorias, como fornecedores de matérias-primas ou como emprestadores financeiros. O móbil determinante desta nova classe, a burguesia, é a procura dum lucro monetário tão elevado quanto possível, a acumulação de capital indispensável à obtenção de maiores rendimentos e à formação de empresas nos diversos sectores de actividade. Os camponeses e artífices mais pobres são empregues como trabalhadores assalariados, o mesmo acontecendo à classe servil e, mais tarde, aos próprios escravos. A própria força de trabalho assume a forma de mercadoria, sujeita às condições do mercado, criadora duma mais-valia básica para a formação da acumulação de capital.

Em certas regiões do globo, gozando da vantagem da formação de cidades, aparecem Estados centralizados, representando unidades políticas nacionais, desejosos de alargarem os mercados externos através da formação de colónias e da supremacia terrestre e marítima. Estes fenómenos económicos não se desenrolam de igual modo em todos os espaços territoriais ou nas mesmas épocas históricas, embora na sua evolução ocorram formas semelhantes que permitem a definição de leis económicas.

PRÉ-CAPITALISMO

A despersonalização das relações de trabalho, que passaram do âmbito familiar, da oficina ou da comunidade, para a fábrica, o emprego em enorme escala de mulheres e crianças, o prolongamento do dia de trabalho, desencadearam importantes e perturbadoras mudanças no modo de vida e nos hábitos de várias classes e camadas sociais.

A diminuição dos labores agrícolas e a procura de operários para as indústrias nascentes impulsionou a migração da população rural para os meios urbanos. Esta população socialmente marginalizada teve de viver, devido à carência de habitações, em espaços reduzidos sem condições mínimas de higiene e comodidade. Assistiu-se a grandes movimentações de povos a nível internacional com grandes diferenças raciais e culturais.

A classe de operários assalariados cresceu ao ponto de constituir em algumas regiões a maioria da população activa. Na produção participavam homens, mulheres e crianças a trabalhar durante longas horas sem qualquer protecção legal perante os donos das fábricas ou centros de produção. Em contraste com a situação do proletariado industrial, fortaleceu-se o poder económico, social e político dos grandes empresários, que pagavam baixos preços pela força de trabalho. Face a situação de pobreza e precariedade dos trabalhadores surgiram criticas de vários sectores, nomeadamente ideológicos, políticos e até religiosos, que foram decisivos para o aparecimento de movimentos reivindicativos. Os armadores da marinha mercante recorreram de forma crescente a trabalhadores assalariados, pois nas embarcações reinavam já relações de índole capitalista, muito antes de ocorrerem na própria indústria.

Com a fuga dos camponeses, o incremento do trabalho assalariado e perda do poder aquisitivo dos salários, nas cidades e pequenos centros rurais passaram a existir grupos, por vezes, bastante numerosos, de pessoas sem emprego, desprovidas de meios ou inaptas para um trabalho regular. Até então, o desemprego era um facto anormal. Observa-se uma tendência para diminuir o nível do salário real através da subida dos preços dos artigos de consumo. Na medida em que os salários em dinheiro deixam de acompanhar a subida dos preços das mercadorias, os empregadores e donos do capital enriquecem adicionalmente à custa do padrão de vida da classe trabalhadora.

No sector agrícola e pecuário surgem grandes propriedades fundiárias que permitem uma produção extensiva. As formas de exploração da terra tinham já sido alteradas com o desaparecimento provocado da terra de uso comum ou pertencente a pequenos proprietários, o que favoreceu os grandes latifundiários. O campo aumentou a oferta de produtos agrícolas devido a uma melhoria das técnicas de produção e utilização de novos instrumentos que vinham já sendo utilizados desde algum tempo atrás. A modernização da agricultura contribuiu para um crescimento demográfico devido à melhoria da alimentação e, também, aos avanços da medicina e dos cuidados de higiene. Os rendimentos crescentes dos grandes proprietários agrícolas começaram a ser aplicados no processo de industrialização em curso.

A economia baseada no trabalho artesanal foi parcialmente substituída por outra dominada pela industria altamente mecanizada e detentora dos meios de produção. As mudanças tecnológicas tiveram efeitos de grande impacto na organização industrial, que passou dum sistema de manufactura assente no trabalho artesanal à fábrica, onde se concentram um grande número de trabalhadores e se intensifica a divisão do trabalho. A criação constante de novas tecnologias aumentou a produtividade. Por volta do século XVII, certos mercadores permitiam-se forçar alguns artesãos a trabalhar para eles, oferecendo-lhes adiantamentos. Por vezes, organizavam oficinas onde os artesãos acabavam a trabalhar como assalariados.

A indústria alcança uma posição dominante com a transformação gradual da actividade artesanal e a desintegração do sistema de corporações. A acumulação e o investimento do capital encontraram horizontes cada vez mais amplos a incitar a sua aplicação na aquisição de máquinas e construção de edifícios. Com base na transformação técnica, o capitalismo atinge o seu próprio processo específico de produção apoiado em grande escala na unidade de produção fabril.

O incremento da produção industrial criou uma oferta sem precedentes de bens comercializáveis, embaratecendo-os de modo significativo. Elevou-se o nível de consumo da população e o desenvolvimento dum amplo mercado de bens e serviços e, se bem que mais lentamente, um expressivo mercado de capitais. A produção em massa foi uma consequência da existência dum mercado capaz de absorver os produtos fornecidos pelas novas unidades de produção, resultante do crescimento interno da população e do seu poder de compra, o aparecimento de novos consumidores nos territórios colonizados.

O aparecimento do comércio revestiu-se de importantes efeitos no progresso da sociedade. Na realidade desempenhou uma função social que permitiu regular os laços de solidariedade entre os grupos sociais ou geográficos; desempenhou um papel muito importante nos fenómenos de transferência de civilizações, no sentido mais amplo do termo; desenvolveu-se não só devido à procura dum ou outro produto, mas devido aos excedentes de produção; forneceu novas matérias-primas e estimulou o surgimento de novos ramos de produção, com o objectivo de efectuar novas trocas no mercado interno ou externo; deu lugar à intensificação da acumulação de capital, um dos factores fundamentais na formação do capitalismo.

A expansão do comércio externo foi favorecida pela melhoria das rotas de transportes. A aplicação de novas invenções e meios técnicos e científicos aos transportes terrestres e marítimos influenciaram o acesso a mercados cada vez mais distantes. Gerou-se uma ampliação da dimensão dos mercados estrangeiros, acompanhada duma nova divisão internacional do trabalho, influenciada pela difusão de matérias-primas existentes em diversas partes do mundo ou de produtos agrícolas levados ao conhecimento doutros povos, embaratecimento de produtos fabricados mecanicamente, novos sistemas de transportes e abertura de vias de comunicação e mediante uma política colonial e expansionista.

Com a transição paulatina para a entrega da renda expressa em dinheiro desaparecem as relações pessoais que constituíam a própria essência dos atributos específicos do domínio senhorial. Tais relações foram sendo substituídas por relações monetárias, materiais e impessoais. Na Europa, no século XVIII, os rendimentos provenientes da terra sofreram um aumento espantoso, subindo ainda mais rapidamente que o preço dos produtos agrícolas.

Os impostos deixam de ter um carácter de tributo como rendimento do poder senhorial para adquirir a forma privilegiada e mais específica de financiamento do aparelho estatal. Serviram também como meio de beneficiar as classes dominantes. Muitas grandes propriedades eram isentas de impostos. Os chefes militares, os religiosos e parte da nobreza eram com frequência dispensados de algumas contribuições. A organização e a extensão do fisco constituíram um instrumento privilegiado da luta contra a economia familiar, para o controle e eliminação da pequena produção independente.

O juro está relacionado com a acumulação e entesouramento do capital A interdição, preconizada pelos teólogos, de empréstimos a juros constituiu um entrave às operações comerciais e ao desenvolvimento do crédito, mas acabou por ser reconsiderada e desaparecer.

O lucro é uma categoria económica basicamente aplicável ao capitalismo. Constitui o meio impulsionador do processo de produção capitalista. O objectivo do capitalista é optimizar a taxa de lucro, definido como a relação entre o lucro realizado e o capital empregue. O comércio externo e a exploração colonial proporcionaram a acumulação de fabulosos lucros à burguesia mercantil.

A acumulação de riqueza encontra-se ligada ao aparecimento do excedente económico. Está condicionada à quantidade do excedente de produção para além da renovação dos meios de produção e da força de trabalho. Para que surja a acumulação é necessário que o rendimento produzido pela sociedade, num determinado período, não se destine todo ao consumo ou à reprodução. Na economia tributária, o excedente era dissipado na acumulação da riqueza. Nas sociedades mercantis, a riqueza aparece sob a forma elementar de acumulação de mercadorias. Com a extensão da circulação de mercadorias cresce o poder do dinheiro sob a forma sob a forma de riqueza monetária.



SISTEMA CAPITALISTA

A expansão da grande produção deixa de estar limitada pelo comércio e passa a ser influenciada pela quantidade de capital investido e pelo nível desenvolvimento da produtividade. A concentração da riqueza monetária contribui para a expansão da produção destinada à venda em grande escala nas mais diversas regiões, facilitada pelo desenvolvimento das comunicações terrestres e marítimas. A passagem a uma economia monetária, combinada com as desvalorizações da moeda metálica, originou consequências importantes nas relações de repartição. A quebra da moeda, realizada através da cunhagem de novas moedas, traduzia-se na prática num tributo muito oneroso.

A concentração de capital tornou possível uma mudança fundamental na estratégia do investimento, transformando o capital acumulado numa alavanca do processo de transformação do sistema produtivo. Os bancos ocuparam-se da tarefa de concentrar os capitais, o que facilitou a formação duma burguesia financeira. Forma-se um poder inteiramente novo que congrega os meios monetários dispersos e os transforma num enorme mecanismo para a concentração e centralização de capitais. Uma das formas da centralização é a sociedade por acções.

São considerados factores influentes, a expansão colonial como fornecedora de matérias-primas, acompanhada do desenvolvimento do comércio internacional, a criação de mercados financeiros e a acumulação de capital. O comércio com as colónias deu origem à prosperidade e até à opulência das cidades mais voltadas para o comércio marítimo, que se centraram num comércio praticado não só pelos mercadores nacionais, mas também por negociantes com interesses económicos cosmopolitas. Permitiu uma acumulação de capital numa proporção nunca até então atingida, graças ao intenso comércio de escravos, à imposição de termos desiguais nas transacções comerciais, aos lucros especulativos proporcionados pelo contrabando e pelas situações de guerra.

O crescimento do capitalismo firmou-se também graças à protecção dos governos. A constituição de modernos estados unificados, ocorrida por volta dos séculos XV e XVI, gerou um amplo movimento em que os soberanos e a burguesia se apoiaram mutuamente, pois tratava-se de abolir as últimas regalias da nobreza, o poderio dos templos e as corporações ainda dominadas por produtores autónomos.

No século XV constituíram-se as primeiras sociedades por acções como instrumento eficaz de expansão comercial e marítima. Ao contrário das sociedades comerciais antecedentes, qualquer indivíduo fosse ou não comerciante, podia investir na sociedade através da subscrição de acções nominativas.

O período decorrido entre o século XIII e a primeira metade do século XIV foi um período de plena expansão para as empresas financeiras. Novos métodos de transferência de fundos e de obtenção de créditos permitiam as empresas estenderem as suas ramificações a regiões longínquas, a monopolizar os mercados, obtendo assim fabulosos lucros para os associados. Em algumas cidades, como Florença, a actividade bancária e os empréstimos de dinheiro chegavam a superar o comércio em importância. Além dos prestamistas usurários, existiam os cambistas e os mercadores-banqueiros.

Nas Bolsas de mercadorias, denominadas também Bolsas de comércio, começaram-se a fixar preços e a negociar matérias-primas e produtos de base, em geral, objecto de transacções internacionais, como por exemplo: café, cacau, açúcar, cereais, metais não ferrosos e outros. A primeira Bolsa de valores foi inaugurada em Antuérpia no ano de 1531. Aí se ajustaram numerosas operações financeiras, negócios puramente especulativos, nasceram as primeiras manifestações do mercado de prémios de seguros marítimos e de vida, tiveram origem os jogos de azar. Em 1610, foram cotadas as primeiras acções da Companhia Holandesa das Índias Orientais.

No século XVI, foram criadas companhias privilegiadas, constituídas por associações de comerciantes, que recebiam a protecção e o amparo do Estado, obtendo direitos especiais, como de entreposto ou feitoria, e de monopólio do comércio numa área geográfica determinada. Algumas destas Companhias tornaram-se tão poderosas que exerciam o seu controle sobre vários territórios colonizados, chegando a ter um exército permanente. Em meados do século, os mercadores ingleses fundaram umas cinco ou seis companhias gerais, cada qual com privilégios numa determinada área. Os holandeses transformaram o seu país num potentado comercial ao nível de distribuição de bens. Tirando partido de terem ao seu dispor volumes consideráveis de fundos, provenientes de fretamentos e seguros navais, criaram empresas por acções, como a Companhia das Índias Orientais Holandesas e a Companhia das Índias Ocidentais Holandesas, que constituíram verdadeiras inovações para a época.

A colonização da Índia iniciou-se através da Companhia Inglesa das Índias Orientais, que tentou pagar as aquisições de mercadorias indianas quase exclusivamente com o produto dos impostos colectados na própria Índia. A Acta Régia de 1813 abriu a Índia ao “comércio livre” e marcou a transformação da Companhia duma firma mercantil num corpo de governantes que detinha a maior colónia do mundo.

As economias surgidas da Revolução Industrial caracterizaram-se pela produção massiva e consequentemente pela incorporação mais intensiva do capital. Para financiar um equipamento industrial complexo era necessário recorrer ao capital. Criou-se um novo título de capitalista, não mais apenas como usurário ou comerciante, mas também como projectista e organizador de unidades de produção fabril. Deste modo, consolidou-se o sistema económico capitalista. Os empresários, apoiados numa doutrina que defendia o liberalismo económico, passaram a dominar a produção e os mercados.

A Revolução Industrial foi marcada por importantes invenções técnicas, tais como: a máquina de fiar hidráulica e o tear de comando mecânico, utilizados na indústria têxtil; a máquina a vapor, uma das mais importantes invenções deste período, que permitiu ampliar a quantidade de energia disponível para a produção. Além disso foram construídos cerca de três dezenas de altos-fornos e numerosos canais para o transporte das mercadorias produzidas pela indústria. São de salientar as relações estreitas existentes entre o carvão, o ferro e o vapor.

Iniciada em meados do século XVIII, a revolução industrial, definiu-se como um conjunto de transformações económicas e sociais, realizadas no decorrer de algumas décadas, que mudaram radicalmente a fisionomia dos países da Europa Ocidental e se converteram num motor de expansão do capitalismo por outros continentes. Não foi um processo violento mas um conjunto de mudanças graduais e acumulativas que se traduziram numa efectiva aceleração do ritmo de transformações já em curso na formação do sistema capitalista. Revelou-se tão decisiva para todo o futuro da economia capitalista, tão radical na transformação da estrutura e organização da indústria que chegou a ser considerada como o período mais decisivo no desenvolvimento económico e social da época. Na realidade, a revolução industrial representou a transição dum estágio inicial e ainda imaturo e não transformado, para um estágio em que o capitalismo, assente nas transformações tecnológicas, atingiu o seu próprio processo específico apoiado na produção em larga escala e colectiva da fábrica, na aplicação intensiva de capitais, no estabelecimento de relações simples e directas entre capitalistas e assalariados. A revolução industrial completou a génese do sistema capitalista.

Coube à Inglaterra reunir um conjunto de factores favoráveis que lhe permitiram iniciar este processo. Com efeito, dispunha duma mão-de-obra abundante, jazidas de carvão, matérias-primas provenientes das suas colónias no ultramar, rede de transportes de mercadorias, existência dum amplo mercado interno e externo. Ao fim de algum tempo todas estas realidades acabaram por ser partilhadas por outros países da Europa Ocidental.



CLASSES E GRUPOS SOCIAIS

Nos últimos estádios do sistema comunitário iniciou-se a diferenciação das pessoas consoante a sua posição em relação à posse dos meios de produção, que se acumularam na mão duma classe social em fase nascente, embora ainda não institucionalizada. O poder afasta-se cada vez mais da intervenção colectiva e directa da população. Ganha forma o culto do chefe e com ela a tendência para a sacralização do poder a reflectir-se na apropriação dos meios de produção e na distribuição desigual dos bens produzidos. Assim despontou a formação duma sociedade de classes, constituída por uma pequena minoria da população a assumir um papel dirigente.

No sistema tributário, o soberano, o chefe tribal, o clero e a nobreza constituem as classes dominantes. Em troca exigem da população um tributo regular constituído por porções significativas das colheitas ou de cabeças de gado, de artefactos, exigem o trabalho compulsivo ou escravo no campo, nos serviços domésticos, nas minas, na construção de grandes obras como templos, túmulos ou palácios, ou mesmo a prestar serviço militar.

Com a produção mercantil, propaga-se a instituição do comércio, a difusão dos transportes, a criação do dinheiro e assiste-se ao surgimento duma nova classe social, a burguesia rural e urbana. Novas classes de comerciantes e industriais colocam-se ao lado dos governantes contra a nobreza e as ordens religiosas. Os camponeses tendem a abandonar os campos e a procurarem trabalho nos meios urbanos dando lugar à formação duma classe de trabalhadores assalariados. Amplia-se o comércio de escravos e a sua utilização na execução de tarefas mais duras e rudes.

O sistema capitalista na sua ânsia de obtenção do máximo lucro concentrou a sua actividade na formação de grandes unidades económicas ou financeiras, procurou basear-se em larga escala no trabalho assalariado nos mais diversos sectores, incluindo a prestação de serviços, e na destruição dos pequenos agricultores, artesãos e comerciantes, designadamente produtores familiares. A acumulação de capital passou a servir, para além dos gastos sumptuosos, de meio de especulação financeira, de produção excessiva, de imposição do consumismo, da exploração dos países menos desenvolvidos, da ampliação do desemprego com vista a submeter os trabalhadores nas suas reivindicações.

A história revela-nos que todas as mudanças de sistemas económicos e sociais foram acompanhadas de graves conflitos, por vezes longos e violentos, entre as classes e grupos sociais em ascensão e as que pretendiam manter as posições como classes dominantes, mais frequentes

As lutas de classes passaram a estar presentes em toda a história da humanidade, após a desagregação do sistema comunitário. Atingiram todas as esferas da vida social e desempenharam um papel relevante como força motora do desenvolvimento económico da sociedade. Os factos demonstram que estas lutas não desapareceram, e até se intensificaram, com o evoluir do sistema capitalista.

É de prever que esta tendência se mantenha e se agrave numa fase de declínio do capitalismo, onde começam a surgir contradições internas e crises, frequentes e cada vez mais graves, a frear a sua evolução e desenvolvimento. Simultaneamente, vai ganhando terreno um novo sistema defensor da satisfação das necessidades sociais humanas de acordo com o progresso actual da humanidade nos campos da cultura, do desenvolvimento científico e tecnológico, em benefício de toda a humanidade e não apenas de uma pequena parte da população. Os acontecimentos que vão surgindo dia a dia revelam que caberá às classes dominadas, em concreto aos trabalhadores e aos povos explorados neste mundo que se pretende global.


UNICEPE – Cooperativa Livreira de Estudantes do Porto, CRL

Porto, 29 de Maio de 2009

Carlos A. G. Gomes

Endereço electrónico: caggomes@clix.pt