Espaço Associados



       Os Poemas da Minha Vida II

António Ruivo Mouzinho
(Associado n.º 6294)
(Publicado em JORNAL DE SINTRA, de 2007-01-26)

II

A 2.ª série d’ «Os Poemas da Minha Vida», editada pelo jornal PÚBLICO, contemplou uma maior diversidade profissional dos respectivos seleccionadores. Vimos, com efeito, no artigo publicado no JS de 29 Dez.º p. p. , que na 1.ª série predominavam as personalidades de formação jurídica. Agora, tivemos um oficial do Exército e ex-chefe de Estado (Ramalho Eanes), um ex-líder partidário e 1.º-ministro (Pinto Balsemão), um grande ensaísta e prémio Camões 1996 (Eduardo Lourenço), um professor universitário de Medicina (Nuno Grande), um empresário e presidente de grupo farmacêutico (Luís Portela), o director do «Avante!», órgão do PCP (José Casanova), um artista plástico (Jorge Pinheiro), uma grande actriz (Eunice Muñoz) e um popular fadista (Carlos do Carmo).

No conjunto das duas séries (21 vols.), foi o coordenador do V, esse «adiantado mental» que, segundo as más-línguas, até já leu a Lista dos Telefones (e gostou!), o mais generoso, pois abrangeu na sua escolha 142 poemas de 81 poetas portugueses contemporâneos. Em compensação, o Prof. Nuno Grande fez a festa com apenas 16 autores, de que seleccionou 56 poemas. Houve, contudo, quem, escolhendo mais poetas, seleccionasse menos poemas (39): o dr. Gil Moreira dos Santos (22) e Eunice (31). Mas, enfim, cada um lá sabe quais e quantos são «os poemas da sua vida» e ninguém tem nada com isso!

Carlos do Carmo escolheu unicamente poemas que deram letras de fado, mas, se, por um lado, deparamos, na sua selecção, com os nomes de Sá-Carneiro, Manuel da Fonseca, Pedro Támen, Assis Pacheco, Graça Moura, Rosalía de Castro, Cecília Meireles ou Vinicius de Moraes, verificamos, por outro lado, que a sua colaboração com Ary dos Santos foi tão intensa que Ary, estatisticamente, seria o poeta português mais popular depois de Pessoa & C.ª e acima de Camões. Ora, não só as letras das canções obedecem a uma sintaxe rudimentar (o que interessa é a sedução da voz do cantor) como tal quarteirão de poemas não faz parte do volume em que as Ed. Avante reuniram toda a «Obra Poética» de Ary.

Nas notas introdutórias das diferentes colectâneas, lêem-se coisas como estas: o responsável pelo XV vol. pôs-se a folhear as 1816 págs. da antologia «Rosa do Mundo (2001 Poemas para o Futuro)» e a catar poemas que, a partir de agora, passarão a ser «poemas da sua vida» (se a memória o ajudar, o que é mais que duvidoso) e lamenta não ter tido tempo para seleccionar algo de Antero, Cesário, Nobre, Pessanha, Sophia, Alegre, etc.; outro (XVIII vol.) confessa não ser um apaixonado pela poesia, lê bastante mas raramente poesia, pelo que não se entende porque foi convidado ou, melhor, porque aceitou o convite. O pintor Jorge Pinheiro atribuiu a Camões dois sonetos que não lhe pertencem: um é de Rodrigues Lobo (assim citado, no XII vol., por Maria Barroso), «Formoso Tejo meu, quão diferente…», e o outro faz parte das «Rimas Várias – Flores do Lima» de Diogo Bernardes: «Que doudo pensamento é o que sigo?»

O Poeta mais vezes mencionado é, naturalmente, Fernando Pessoa, graças à fissiparidade heteronímica (foram citados 60 poemas diferentes, assim distribuídos: 20 de ele-mesmo, 16 de Álvaro de Campos, 13 de Alberto Caeiro, 10 de Ricardo Reis e 1 excerto do «Livro do Desassossego» de Bernardo Soares); segue-se Luís de Camões, com pouco mais de 30 (17 sonetos, 3 canções e outras tantas redondilhas , 1 elegia e uma dezena de excertos d’ «Os Lusíadas»; e, a par de Camões, situa-se, imprevistamente, Sophia Andresen. Os outros distribuem-se como segue:

Eugénio de Andrade 29       João de Deus 9
Miguel Torga 27       António Nobre 9
David Mourão-Ferreira 24       Vitorino Nemésio 9
Jorge de Sena 22       Ruy Belo 9
Alexandre O’ Neill 22       Sá de Miranda 8
António Ramos Rosa 19       Almeida Garrett 8
Antero de Quental 18       António Botto 8
Vasco Graça Moura 17       Herberto Hélder 8
Mário de Sá-Carneiro 16       Ary dos Santos 8
Manuel Alegre 16       Nuno Júdice 8
Teixeira de Pascoaes 15       Camilo Castelo-Branco 7
António Gedeão 15       Augusto Gil 7
Florbela Espanca 12       Luiza Neto Jorge 7
José Gomes Ferreira 12       António Lobo Antunes 7
José Régio 12       Gomes Leal 6
Natália Correia 12       António Aleixo 6
Sebastião da Gama 12       Manuel da Fonseca 6
Barbosa du Bocage 11       Mário Cesariny 6
Camilo Pessanha 11       Zeca Afonso 6
Guerra Junqueiro 10       Pedro Homem de Mello 5
Cesário Verde 10       Ruy Cinatti 5
Carlos de Oliveira 10       José Saramago 5


Como se pode apreciar por esta listagem, a nossa poesia clássica não goza de grande popularidade. Além de Camões, só Sá de Miranda e Bocage mereceram algum favor das personalidades consultadas. E a poesia medieval? A mais citada das cantigas trovadorescas (3 menções) foi «Ai eu coitada!/como vivo en gran cuidado/por meu amigo…», tradicionalmente atribuída a Dom Sancho I e aos seus amores com a Ribeirinha. Não é que o analfabetismo do rei o impedisse de compor uma cantiga, mas o «Grande Dicionário da Literatura Portuguesa e de Teoria Literária», dirigido por João José Cochofel (infelizmente interrompido por morte do seu coordenador), atribui, mais verosimilmente, a cantiga a outro monarca: Afonso X, o Sábio, avô materno de El-Rei D. Dinis e autor das «Cantigas de Santa Maria», que era um falante da língua galaico-portuguesa. O poema, porém, mais popular da língua portuguesa é a «Cantiga, partindo-se…» (isto é: cantiga de despedida) de João Roiz de Castel-Branco, que faz parte do «Cancioneiro Geral», editado por Garcia de Resende em 1516, e que foi apontada por quase metade dos seleccionadores como um dos «poemas da sua vida»; a quem não estiver lembrado, aqui se repete o mote a que obedece o poemeto: «Senhora, partem tão tristes/meus olhos por vós, meu bem,/que nunca tão tristes vistes/outros nenhuns por ninguém».Vem a propósito referir que num recente dicionário ilustrado, «Literatura Portuguesa no Mundo», publicado em 12 vols. pela Porto Editora, dão-se como datas do nascimento e morte do poeta os anos de 1511 e 1568 (pág.14 do III vol.). Não é que estranhemos a precocidade do escritor, pois meninos-prodígios houve-os sempre; o que nos espanta é o género de preocupações da criança…
Voltaremos ao assunto.




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