Espaço Associados



       Os Poemas da Minha Vida I

António Ruivo Mouzinho
(Associado n.º 6294)
(Publicado em JORNAL DE SINTRA, de 2006-12-29)



I

O jornal «Público» editou recentemente uma colecção de 12 volumes subordinados à rubrica que serve de epígrafe a esta nota de recensão bibliográfica, colecção essa que foi ideada e dirigida pelo livreiro José da Cruz Santos e teve orientação gráfica do pintor Armando Alves. Trata-se de uma série de florilégios de carácter eminentemente subjectivo, já que os antologistas não são, de maneira geral, especialistas do assunto, mas simpes amadores, na sua maioria, de formação jurídica. Colaboraram na iniciativa dez cavalheiros e duas damas ou, por outras palavras, sete juristas, dois mestres universitários de Literatura (M.ª Alzira Seixo e Urbano Tavares Rodrigues), um economista (Miguel Cadilhe), um dirigente partidário (Jerónimo de Sousa) e a esposa de Mário Soares, que, tal como o advogado seu marido, tem uma licenciatura em Letras. Aliás, entre os juristas, há professores catedráticos (Diogo Freitas do Amaral ou Marcelo Rebelo de Sousa) e até um grande poeta (Vasco Graça Moura). É claro que, se o inquérito fora limitado a escritores, críticos literários e historiadores da Literatura, os resultados revestir-se-iam de outra autoridade. Dizemos isto por estranhar a ingenuidade de certas opções (o «Se» de Kipling, por exemplo, não é poesia, é catequese; e o causídico Gil Moreira dos Santos atribui ao cancioneiro popular uma quadra que faz parte do «Só» de António Nobre). Há seleccionadores que se limitam à poesia portuguesa, como Mário Soares ou Rebelo de Sousa, este, aliás, só de autores contemporâneos, mas todos os outros citam também poetas estrangeiros. Resta ainda decidir se os Brasileiros e PALOP, que se exprimem igualmente em língua portuguesa, são tão estrangeiros como os outros. Os poemas em idiomas alheios surgem-nos traduzidos em português, mas só o poliglota Graça Moura é autor das versões dos que seleccionou. Mário Soares exibe, em apêndice, relações de amizade com os autores seus contemporâneos; M.ª Alzira Seixo justifica, caso a caso, o motivo das suas opções e Cadilhe fá-lo num extenso prefácio.

O poeta mais votado foi Fernando Pessoa & C.ª, seguido, naturalmente,.por Luís de Camões. Do primeiro, escolheram-se meia-dúzia de poemas da «Mensagem» e cerca de uma dúzia do «Cancioneiro», oito d’ «O Guardador de Rebanhos» e o 20º dos «Poemas Inconjuntos» de Alberto Caeiro, uma dúzia de Álvaro de Campos e dois de Ricardo Reis; do segundo, 13 sonetos, 3 redondilhas, 2 canções, 2 episódios e vários excertos d’«Os Lusíadas». Mas, se Pessoa ocupa um lugar destacado, com o maior número de poemas diferentes, Camões tem a companhia de Eugénio de Andrade, Sophia Andresen e David Mourão-Ferreira, todos com mais de vinte opções, seguidos por Manuel Alegre (16), Jorge de Sena (13), Alexandre O’Neill e Graça Moura (12), Miguel Torga (11) e Cesário Verde (10). Com 9 menções, vêm Antero de Quental, Guerra Junqueiro, Camilo Pessanha, José Gomes Ferreira e António Gedeão; com 8, José Régio, Vitorino Nemésio, Carlos de Oliveira, Natália Correia e António Ramos Rosa; com 7, Barbosa du Bocage, Almeida Garrett, João de Deus, Florbela Espanca, Sebastião da Gama, Herberto Hélder, Ruy Belo e os brasileiros Manuel Bandeira e Vinicius de Moraes; com 6, Goethe, António Nobre e Nuno Júdice; com 5, Mário de Sá Carneiro, García Lorca, António Aleixo, Manuel da Fonseca, Ary dos Santos e Luiza Neto Jorge; com 4, D. Dinis, Gomes Leal, Mário Cesariny e o brasileiro Drummond de Andrade; com 3, mais de vinte poetas, desde Gil Vicente, Bernardim Ribeiro, Sá de Miranda e Rodrigues Lobo até Rainer Mª Rilke, Paul Éluard, Bertolt Brecht e Pablo Neruda.

Quererá, porém, o leitor saber qual o mais popular de todos os poemas portugueses? Metade dos convidados mencionaram a «Cantiga, partindo-se…» de João Roiz de Castel-Branco (séc. xv), cujo mote é como segue: «Senhora, partem tão tristes/ meus olhos por vós, meu bem,/ que nunca tão tristes vistes/ outros nenhuns por ninguém». E, se o «Portugal» de O’Neill obteve o mesmo nº de menções, é evidente que, enquanto o poema quatrocentista resistiu a meio-milénio sem perder a frescura original, seria mau sinal que, daqui a outro meio -milénio, o poema de O’Neill ainda fosse igualmente válido («Ó Portugal, se fosses só três sílabas/ de plástico, que era mais barato!»). Com 5 citações, apresentam-se três poemas: o soneto camoniano «Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades…» («Todo o mundo é composto de mudanças,/ tomando sempre novas qualidades»);o «Quase» de Sá-Carneiro («Um pouco mais de sol – eu era brasa,/ um pouco mais de azul – eu era além…»); e a «Lusitânia no Bairro Latino» de António Nobre, extenso poema composto de três partes, mas, enquanto Soares, Urbano e Cadilhe optam pela 2ª («Georges, anda ver meu país de marinheiros…») e Mª Barroso pela 3ª(«Georges, anda ver meu país de romarias…»), António Lobo Xavier escolhe ambas. Com 4 menções, destacam-se 15 poemas: a Lianor de Camões («Descalça vai para a fonte/ Leonor pela verdura,/ vai formosa e não segura»); os três mais famosos sonetos camonianos («Alma minha gentil, que te partiste…», «Sete anos de pastor Jacob servia…» e «Aquela triste e leda madrugada…»); «As Minhas Asas» de Garrett («Eu tinha umas asas brancas/ asas que um anjo me deu/ que, em me eu cansando da Terra,/ batia-as, voava ao Céu…»; «O Sentimento de um Ocidental» de Cesário («Nas nossas ruas, ao anoitecer,/ há tal soturnidade, há tal melanccolia/ que as sombras. o bulício, o Tejo, a maresia / despertam-me um desejo absurdo de sofrer»); o soneto de Pessanha «Floriram por engano as rosas bravas…» («Quem as esparze – quanta flor – do céu / sobre nós dois, sobre os nossos cabelos?»); a «Autopsicografia» de Pessoa («O poeta é um fingidor…»); «O Mostrengo» do mesmo autor («Quem é que ousa entrar/ nas minhas cavernas que não desvendo,/ meus tectos negros de fim do mundo?»); a «Tabacaria» de Álvaro de Campos («Não sou nada/ nunca serei nada/…/à parte isso, tenho em mim todos os sonhos do mundo…»); a «Pedra Filosofal» de António Gedeão («Eles não sabem nem sonham/ que o sonho comanda a vida»); «Mataram a Tuna» de Manuel da Fonseca («…rasgava a Tuna o quebranto da vila / tangendo nas violas e bandolins/ a heróica marcha Almadanim!»); a «Pátria» de Sophia («Por um país de pedra e vento duro/ por um país de luz perfeita e clara/ pelo negro da terra e pelo branco do muro/…/ me dói a lua me soluça o mar/ e o exílio se inscreve em pleno tempo»); e, de David, o «Soneto do Cativo» («Se é sem dúvida Amor esta explosão…») e outro soneto cujo incipit é «E por vezes as noites duram anos…».

Ora, como o diário «Público» se encontra actualmente publicando outra série de depoimentos no mesmo género, voltaremos oportunamente ao assunto.






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